Produto de tese da ENSP, Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos, publicado na Rede Equator
A teoria é considerada imprescindível à pesquisa, mas muitas vezes tem seu valor subestimado no desenvolvimento ou relato em estudos epidemiológicos. Com o objetivo de apresentar um documento de elaboração e explicação de um instrumento para relato teórico em estudos epidemiológicos, o aluno de doutorado da ENSP, Breno Augusto Bormann de Souza Filho, defendeu sua tese, sob orientação do pesquisador Cláudio José Struchiner. Um dos produtos do estudo, o Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE), foi aceito, registrado e publicado pela Rede Equator, principal iniciativa internacional que visa melhorar a confiabilidade e o valor da literatura publicada de pesquisa em saúde. O instrumento CRT-EE apresenta maneiras pelas quais os autores podem garantir relatos mais transparentes e completos com relação à fundamentação teórica que sustenta sua pesquisa. Confira a entrevista com ele!
Informe ENSP: Um dos produtos da sua tese, intitulada Modelos Teóricos: uma proposta teórico-metodológica para sua elaboração, utilização e relato em estudos epidemiológicos em Saúde Pública baseada na Teoria dos Pressupostos da Qualidade Científica, foi o Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE). Quais outros produtos rendeu a tese?
Breno Bormann: Minha tese, até o momento, possui 4 produtos, são eles:
Produto 1: Uma Proposta Teórico-Metodológica para Elaboração de Modelos Teóricos (https://doi.org/10.1590/1414-462X202129010180), artigo publicado pelo periódico científico Cadernos Saúde Coletiva; esse produto apresenta, na forma de um instrutivo para pesquisadores, um passo a passo para elaboração de modelos teóricos para pesquisas em saúde pública.
Produto 2: Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE) (https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310124), artigo publicado pelo periódico científico "Physis: Revista de Saúde Coletiva" e além disso, o instrumento CRT-EE foi registrado e publicado pela Rede Equator (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/checklist-for-theoretical-report-in-epidemiological-studies-crt-ee-explanation-and-elaboration/). A Rede Equator (Enhancing the QUAlity and Transparency Of Health Research) é a principal iniciativa internacional que visa melhorar a confiabilidade e o valor da literatura publicada de pesquisa em saúde, promovendo e divulgando diretrizes e instrumentos para relatórios transparentes e precisos e um uso mais amplo de diretrizes robustas para relatos nas pesquisas.
Produto 3: Relato teórico: reflexões e considerações para autores, revisores e editores (No prelo), artigo aprovado e aceito para publicação pelo periódico científico Revista de Saúde Pública, com publicação e divulgação prevista, pelo periódico, para o volume 56/2022. Esse produto apresenta reflexões sobre a importância do relato teórico aprofundado, relacionado à fundamentação teórica adotada por pesquisadores nas principais seções de um manuscrito.
Produto 4: Desenvolvimento do site da Iniciativa CRT (https://crt-statement.org/).
Outros produtos: Além disso, outros 4 artigos relacionados à tese, estão sob processo de avaliação por periódicos científicos, o que nos impossibilita, neste momento, a divulgação dos seus respectivos títulos.
Informe ENSP: Qual importância da teoria para a pesquisa?
Breno Bormann: A literatura já evidencia ser de vital importância para a pesquisa epidemiológica estudar as relações causais através do uso de modelos teóricos apropriados de causação. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento e o aprofundamento, cada vez mais completo, sobre as relações a serem observadas pelos pesquisadores em suas propostas científicas. Segundo Glanz e colaboradores (2008), a pesquisa e a intervenção em Saúde Pública na prevenção de doenças, proteção e promoção da saúde apresenta maior probabilidade de sucesso quando guiadas por teorias e/ou modelos teóricos, suportando suas hipóteses em referenciais teóricos estruturados. Além disso, a base teórica permite identificar variáveis e dimensões comportamentais, organizacionais ou sociais a serem estudadas, bem como auxiliar os pesquisadores a selecionar os métodos e estratégias a serem utilizados para efetivamente modificar uma situação de interesse ou um problema específico relativo à Saúde Pública.
Entretanto, para que os esforços dos pesquisadores para avançar no conhecimento científico e para que tais avanços sejam incorporados de forma estruturada aos setores de referência, a publicação científica se faz necessária. Assim, em se tratando de divulgação científica, Day (2005) relata que, assim como deve ocorrer na elaboração da pesquisa, uma publicação é eficaz quando tem forma e clareza, pautada em teorias ou modelos aprofundados, que permitam aos interessados - independentemente do momento no tempo ou lugar - compreender plenamente a contribuição científica do documento publicado e, consequentemente, utilizar, nos espaços acadêmicos e sociais, o que foi divulgado.
Nesse sentido, o Modelo Teórico adotado pelo pesquisador deve ser claramente identificado e explicitado em qualquer pesquisa e publicação científica, de forma a orientar tanto o pesquisador e sua equipe, quanto o leitor.
Entretanto, a despeito das recomendações que evidenciam a importância da utilização e explicitação do Modelo Teórico nas pesquisas, o professor Gustavo Alonso Cabrera Arana, (pesquisador que integrou a minha pesquisa de doutorado e que segue como um dos principais parceiro de pesquisa) em 2007, verificou que, apenas 19% de 482 artigos publicados em um periódico latino-americano citavam pelo menos uma teoria ou modelo teórico como base da pesquisa. Corroborando tal achado, Green (2014) alertou que a representação e explicação do modelo teórico nas pesquisas é um processo relativamente obscuro entre a vasta literatura disponível. Outrossim, muitos dos artigos publicados não apresentam explicações robustas sobre “o que”, “como”, ou “quais” foram as estruturas teóricas e conceituais abordadas e, quando informadas, são mencionadas de forma superficial, sem apresentar relações com os aspectos metodológicos adotados na pesquisa, bem como sem apresentar interpretações que refletem nos resultados e discussões o papel da fundamentação teórica escolhida.
A reduzida utilização e explicitação das bases teóricas adotadas pelo pesquisador no processo de elaboração e desenvolvimento do estudo impossibilita uma verdadeira leitura crítica dos achados da pesquisa, limita possibilidades interpretativas e diminui o alcance do impacto do estudo sobre a própria fundamentação teórica adotada. Por sua vez, a incorporação e explicitação rigorosa das bases teóricas, no artigo, possibilita ao leitor compreender, de maneira rápida e facilitada, o ponto de partida e nível de aprofundamento teórico do pesquisador na apresentação de suas hipóteses e estudo.
Essas questões evidenciam a necessidade de aprimorar substancialmente a pesquisa e intervenções em Saúde Pública nos diferentes níveis de treinamento, particularmente incorporando referências teóricas e modelos teóricos sólidos às publicações científicas.
Informe ENSP: Quais os métodos utilizados para alcançar os resultados do seu trabalho e desenvolver o produto da tese?
Breno Bormann: Seguimos a nossa própria proposta desenvolvida no Produto 1, a qual apresenta um passo a passo que partiu inicialmente da Identificação e Delimitação do Objeto de Estudo (Etapa 1); Resgate Cognitivo e Tempestade de Ideias (Etapa 2), com a finalidade de juntar informações através de experiências prévias dos pesquisadores sobre a relação causal em questão, remetendo-nos, à Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, a qual tem como principal objetivo o aprendizado com significado; após essa etapa iniciamos a Representação do Modelo Teórico (Etapa 3) em formato textual e gráfico através de elaborações de mapas conceituais, seguindo a perspectiva teórica de Joseph Novak; após, desenvolvemos Revisões da Literatura sobre o Tema (Etapa 4), as quais, foram realizadas com o intuito de ampliar o conhecimento dos pesquisadores sobre a forma como o tema de pesquisa estava sendo abordado na literatura, aprimorando e aprofundando nosso repertório de conhecimentos e ajustando assim, variáveis, conceitos, dimensões e/ou constructos dos nossos Modelos Teóricos desenvolvidos; após, realizamos a Estruturação do Modelo Teórico (Etapa 5), no qual construímos uma hierarquia conceitual, iniciando por características mais inclusivas para as mais específicas, tornando clara a diferenciação progressiva, um dos conceitos chaves da teoria de Ausubel.
Nessa etapa, nós (pesquisadores) fomos estimulados a construir relações de significados entre conceitos aparentemente díspares, tornando clara a reconciliação progressiva - outro conceito chave da teoria de Ausubel. Assim, o modelo teórico estruturado em forma de mapa conceitual evidenciou-se, para nós, como um facilitador da meta-aprendizagem, ao nos possibilitar adquirir a habilidade necessária para construir e adaptar nossos próprios conhecimentos; além disso, realizamos a Submissão do Modelo Teórico a Especialistas (Etapa 6), com o intuito de revisarmos e discutirmos possíveis alterações para as variáveis, conceitos, dimensões e/ou constructos contidos no modelo teórico desenvolvido para as pesquisas, com o intuito de validar suas estruturas e possibilitar novos arranjos estruturais de acordo com as contribuições de outros profissionais, carregando assim, diferentes visões sobre o tema e apresentando os modelos teóricos e temas desenvolvidos de modo mais aprofundado. Tal processo teve por finalidade determinar a validade de conteúdo e identificar partes passíveis de modificações, como adições, exclusões ou revisões na sua estrutura, realizando a Reestruturação e Finalização do Modelo Teórico (Etapa 7); e por fim, seguimos ao desenvolvimento e relato de acordo com a Teoria dos Pressuposto da Qualidade Científica (desenvolvida e utilizada como fundamentação teórica de toda minha tese), a qual caracteriza o fazer científico como a interpretação do conhecimento adquirido através da combinação entre teoria, metodologia e relato, em relação a determinado tempo, pessoa e lugar (SOUZA FILHO; STRUCHINER, 2021). O que nos possibilitou a elaboração do Modelo Teórico dos Pressupostos da Qualidade Científica para Estudos Epidemiológicos, o qual permite inferir que para alcançarmos estudos epidemiológicos de alta qualidade científica, esses pilares do conhecimento (teoria, metodologia e relato) devem apresentar, consequentemente, alta qualidade, sem que se estabeleça relação hierárquica ou sobreposição de importância entre si.
Informe ENSP: De que forma o instrumento CRT-EE pode favorecer o relato científico?
Breno Bormann: O Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE), foi desenvolvido baseado na Teoria e Modelo dos Pressupostos da Qualidade Científica, a qual compreende que uma possível reprodutibilidade científica não depende por completo da qualidade metodológica adotada nas pesquisas e sim, da combinação entre qualidade metodológica, teórica e de relato dos estudos. Sob essa perspectiva, e à luz da constante desvalorização do relato teórico aprofundado evidenciado na literatura, o instrumento CRT-EE foi desenvolvido com o objetivo de auxiliar pesquisadores, revisores e editores na elaboração e avaliação de relatos teóricos mais transparentes e aprofundados nas pesquisas.
O instrumento apresenta similaridades a outros já consagrados na literatura, como o PRISMA, STROBE e CONSORT. Entretanto, diferentemente destes, os quais se debruçam principalmente sobre os aspectos metodológicos de desenhos de estudos específicos, o CRT-EE foi desenvolvido com foco exclusivo para os aspectos relacionados à fundamentação teórica das pesquisas e seu relato de forma transparente e aprofundada, independentemente do tipo de desenho metodológico adotado nas pesquisas, podendo inclusive ser utilizado associado com outros instrumentos, como os citados.
O CRT-EE está publicado nos idiomas português e inglês e apresenta-se como uma lista de 15 itens a serem considerados pelo pesquisador ao relatar a fundamentação teórica nos estudos, onde são indicados locais em que informações adicionais são desejáveis para conferir maior transparência e profundidade a esse processo. Os itens são apresentados de acordo com as seções tradicionais de um artigo científico: título; resumo; introdução; metodologia; resultados; discussão; e conclusão. Além disso, apresenta uma coluna para marcação das respostas sobre a inclusão ou não da informação solicitada de forma dicotômica (sim ou não) referente a cada item no artigo, a fim de facilitar o uso do instrumento por autores e avaliadores dos manuscritos.
Dessa forma, o CRT-EE apresenta-se como uma ferramenta que defende a fundamentação teórica como um fio condutor para o raciocínio teórico-metodológico e reflexão crítico-científica, o que o torna uma ferramenta útil, necessária, e de cunho inovador que pode impactar positivamente na melhora do relato científico nos estudos epidemiológicos.
Além disso, a Lista de Verificação CRT-EE pode ser facilmente identificada através da publicação no periódico Physis (https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310124) ou pelo endereço eletrônico da Iniciativa CRT e grupo CRT (www.crt-statement.org).
Informe ENSP: Qual importância tem a divulgação científica na efetividade do CRT-EE?
Breno Bormann: Acredito que à luz das respostas supracitadas, termos a divulgação científica do CRT-EE através de artigo publicado em periódico científico (Revista Physis), registro internacional (Rede Equator) e divulgação através das instituições de pesquisa (como a ENSP/Fiocruz) e seus meios de informação, são fundamentais para a divulgação e visualização pela comunidade acadêmico-científica do potencial de utilização do CRT-EE em estudos epidemiológicos, podendo favorecer sua utilização e consequente aprimoramento do relato teórico nos estudos científicos, fortalecendo uma concepção de defesa acerca da interrelação entre teoria, metodologia e relato como pilares indispensáveis ao fazer científico.
Informe ENSP: Quais foram as parcerias que lhe permitiram o desenvolvimento da sua tese?
Breno Bormann: Gostaria de agradecer aos pesquisadores que contribuíram diretamente para a construção e desenvolvimento da minha tese, sendo eles: o meu orientador e parceiro de pesquisa, o professor Cláudio José Struchiner, o qual além de apoio acadêmico-científico, abriu as portas para que minha pesquisa fosse desenvolvida com liberdade criativa. Ao parceiro de pesquisa e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Antioquia na Colômbia, Gustavo Alonso Cabrera Arana, um dos principais pesquisadores e defensores da teoria nas pesquisas científicas, sendo minha tese de doutorado pensada e aprimorada através das suas pesquisas e concepções teóricas iniciais À parceira de pesquisa e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Érika Fernandes Tritany, pela contribuição científica e reflexiva, o que possibilitou o aprimoramento de todos os produtos desta tese.
Além disso, aproveito para divulgar a iniciativa CRT, que é fruto da união de pesquisadores latino-americanos (Brasil - Colômbia), com foco na melhora da qualidade científica. A iniciativa CRT surgiu a partir do meu projeto de tese de doutorado, iniciado no ano de 2018, na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, Brasil. A pesquisa de doutorado foi defendida em 2021 e teve como objetivo apresentar uma proposta teórico-metodológica para elaboração, utilização e relato, em profundidade, da fundamentação teórica adotada nas pesquisas científicas em Saúde Pública, tomando como base a Teoria dos Pressupostos da Qualidade Científica.
A iniciativa CRT possui site (https://crt-statement.org), onde são apresentadas reflexões sobre a concepção teórica desenvolvida como fundamentação para o projeto de tese e que permanece como norteadora do grupo CRT, a Teoria dos Pressupostos da Qualidade Científica.
O grupo CRT visa a investigação, aprimoramento e fortalecimento da fundamentação teórica dos estudos, através do desenvolvimento de pesquisas e instrumentos que auxiliem pesquisadores na compreensão sobre a importância da fundamentação teórica nas pesquisas e publicações. Para isso, estamos em constante processo de desenvolvimento de caminhos teórico-metodológicos com vistas ao aprimoramento do processo de elaboração, utilização e relato da fundamentação teórica de forma transparente e aprofundada, com ênfase nos Modelos Teóricos, Quadros Conceituais e Teorias Científicas.
O grupo CRT defende e apresenta aos leitores a importância da fundamentação teórica para o processo de desenvolvimento das pesquisas científicas. A escolha ou criação da teoria ou modelo teórico, por sua vez, pode ser influenciada por diversos estímulos, bem como para sua utilização e relato na condução dos estudos e publicações.
Espera-se, portanto, que o site da iniciativa CRT e as propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelo grupo CRT auxiliem na ampliação do raciocínio técnico-científico de pesquisadores, revisores e editores de periódicos, sobre possíveis limitações e impactos que a fundamentação teórica, ou sua ausência, pode gerar em uma pesquisa e na ciência como um todo.
Por fim, o Grupo CRT é um grupo internacional e eclético, composto por epidemiologistas, metodologistas e editores de periódicos científicos. O Executivo busca um equilíbrio entre pesquisadores estabelecidos e pesquisadores mais jovens emergentes. Assim como, o checklist CRT-EE é uma ferramenta que evolui em resposta às evidências emergentes, a associação do Grupo CRT é dinâmica, evoluindo em resposta a projetos emergentes e conhecimentos necessários para que novas ideias sejam continuamente absorvidas conforme novos membros contribuem em projetos específicos relacionados ao relato teórico.
Dessa forma, fica o convite a todos e todas que se interessarem pela iniciativa CRT e nosso Grupo, a entrarem em contato (contact@crt-statement.org) para possíveis parcerias.
O relato é um caminho de incertezas e aqui entrego algumas.
Sobre o aluno
Breno Augusto Bormann de Souza Filho é formado em Educação Física (ASCES), com doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, e mestrado em Cuidados Paliativos (IMIP). Pós-graduado em Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica (UPE), com residência multiprofissional em Saúde do Idoso (IMIP), pós-graduado em Oncologia Multidisciplinar (FPS/IMIP), e pós-graduado em Neurociências, Esporte e Atividade Física (UFRJ) . Atualmente atua como professor da Universidade de Pernambuco (UPE).



