Abertura do Seminário Brasil/França reforça relações entre ENSP e Escola de Altos Estudos em Saúde Pública
No dia 8 de dezembro teve início o Seminário Internacional Brasil/França, evento organizado em parceria pela ENSP e pela Escola de Altos Estudos em Saúde Pública (EHESP), localizada em Rennes e Paris, na França. O seminário, que teve como tema Questões atuais de Saúde Pública/Saúde Coletiva, buscou reforçar as relações entre as duas tradicionais Escolas e discutir as questões ligadas ao campo da Saúde Pública em ambos os países, com suas semelhanças e diferenças.

Durante a abertura, pela manhã, o Seminário contou com a presença do diretor da ENSP Marco Menezes, da vice-diretora Marismary Horsth De Seta, e dos convidados internacionais Jean-Marie André, Vincent Bessoneau e Françoise Jabot, da EHESP, escola anteriormente chamada ENSP/Rennes. O evento contou com tradução simultânea.
Em sua fala, Marco Menezes destacou o bom momento político para o Brasil, pós-eleições presidenciais, e reiterou que o seminário marca a internacionalização de parcerias. “Uma questão central é a relação solidária entre países e instituições. Ao avançar na parceria com a França, é importante pensar no avanço de nossas escolas em rede”, destacou.
Por mensagem gravada em vídeo, a diretora da EHESP, Isabelle Richard, declarou estar otimista com relação à cooperação entre as duas escolas. “Fiquei muito impressionada com a proximidade em termos de valores. É altamente provável que a cooperação seja um sucesso”, declarou ela, seguida da Diretora de Relações Internacionais da EHESP, Fanny Helliot, que cumprimentou os participantes e desejou um excelente seminário em sua mensagem de vídeo.
Em seguida, o professor emérito da Fiocruz e coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss, fez sua apresentação por videoconferência. Na sua exposição, ele tratou da historicidade dos conceitos e práticas relativas à saúde. Tais conceitos e práticas, segundo ele, são “indissociáveis da organização social (política, poder, ideologia e cultura) e do conhecimento de diversos campos (epistemes)”.
Pandemia longa
Assim, considerando o momento, em que vivemos uma pandemia “longa” de Covid-19, Buss falou dos desafios da saúde pública diante de uma extensa lista dos seus impactos. “A pandemia de Covid-19 teve um impacto significativo em todos os campos econômicos e sociais e arruinou anos de esforços de desenvolvimento. Escancarou as desigualdades e iniquidades em saúde: de renda, raça-etnia, gênero e idade. Reforçou obstáculos e ampliou desigualdades estruturais, lacunas, desafios e riscos sistêmicos que já existiam, situação agravada em países com lideranças negacionistas”, relatou em sua apresentação. “O que nós vimos foi a lógica do ´eu primeiro´, na gestão global dos recursos essenciais para a pandemia”, declarou Buss.

Todas essas situações políticas, sociais, econômicas e ambientais são, de acordo com o sanitarista, questões que “nos obrigam a repensar a resposta social a ser dada pela saúde pública nos planos global, regionais, nacionais e locais”, disse Buss, que é um dos autores de “Diplomacia da Saúde e Covid-19 - Reflexões a meio caminho”.
Buss fez ainda um breve panorama dos problemas da saúde pública nas Américas, baseado em relatório da OPAS sobre o tema. Entre os temas que preocupam estão o ressurgimento de doenças transmissíveis, como o sarampo e a tuberculose; o aumento da prevalência de doenças sexualmente transmissíveis e da resistência microbiana; e o surgimento de novas ameaças, como a Covid-19, Ebola e Zika vírus, além da permanência da dengue e de outras doenças.
Conforme apontou Buss em sua apresentação, cerca de 30% das população do continente (279 milhões de pessoas) não busca sequer atendimento de um serviço de saúde quando precisa devido às barreiras de acesso a serviços e atendimento de qualidades, o que vitima 1,7 milhão de pessoas a cada ano. Estes são, segundo ele, alguns dos principais problemas de saúde- agravados pela pobreza, iniquidades e pandemia de Covid-19 - que exigem um enfoque intersetorial e o fortalecimento da proteção social e dos sistemas de saúde na região.
Todos esses desafios e transformações vigentes no continente exigem uma revisão das próprias Funções Essenciais de Saúde Pública (FESP) na Américas, como apresentou Buss. Em sua exposição, ele falou ainda da proposta da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) para a revisão dessas funções, com intuito de atender adequadamente ao quadro sócio-sanitário. As mudanças são relacionadas também com os contextos determinantes para a ação das Escolas de Saúde Pública, sejam eles de pesquisa, desenvolvimento e informação, de ensino-formação, de cooperação técnica, e de ação comunitária, integrados aos contextos socioeconômico e cultural, epidemiológico e sanitário, dos sistemas e serviços de saúde, e do contexto epistemológico.
Em sua intervenção, o pesquisador da ENSP Jorge Bermudez falou sobre o acesso a tecnologias da saúde e procurou, diante dos colegas sanitaristas franceses, “reiterar o interesse em lidar com questões da propriedade intelectual”. Segundo ele, a pandemia de Covid-19 causou um “apartheid de vacinas” no mundo, e, no Brasil, o projeto de lei com pedidos de suspensão de patentes que poderiam dar mais acesso a medicamentos e insumos teve trechos essenciais vetados pela Presidência da República.
O pesquisador da EHESP Jean-Marie André, em sua fala, concordou com Bermudez no sentido de que durante a pandemia, tivemos reforçada a pressão da indústria farmacêutica, localizada na sua maior parte nos países do Norte. “Um certo número de remédios deve ter preços acessível a toda a população. A indústria farmacêutica é extremamente financeirizada. As forças políticas e as forças sociais vêm tendo grandes problemas em combater isso”, comentou. “Compartilhamos a visão da abordagem integrada em saúde e queremos nos posicionar ao lado e não abaixo dos políticos”, sintetizou Françoise Jabot, pesquisadora da EHESP, durante sua fala.
O evento contou também com a presença da pesquisadora da ENSP Maria do Carmo Leal, que ressaltou a importância da comunicação e da transferência de conhecimento, que, na sua opinião, são funções de destaque das Escolas de Saúde Pública. Ela lembrou ainda dos desafio da mortalidade materna por Covid-19 no Brasil, cujo índice foi dobro do mundial, e dos esforços permanentes para combater a violência de gênero, como o feminicídio, a violência contra a mulher, e toda forma de uso desnecessário de tecnologias no parto, como forma de controlar o corpo da mulher.
Ao final da manhã de abertura, a vice-diretora da Ensp Marismary Horsth de Seta chamou atenção ainda para os projetos de extensão da Escola, que tem entre seus objetivos, como apontou, “a busca de um diálogo respeitoso com os saberes populares”.
Participação do CNS
No início da tarde, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, apresentou durante o seminário a atuação do CNS, passando brevemente por todo o processo de criação da instância deliberativa. Pigatto explicou sobre o controle social e as políticas públicas, destacando a importância do controle social na construção do SUS, que também tem se mostrado fundamental em sua implementação e consolidação. Ele também pontuou em sua apresentação as atribuições do CNS. Sobre o controle social, o presidente afirmou que não se trata de apenas mais um princípio do SUS, e sim o princípio por excelência para o movimento popular, e dele depende a saúde do sistema.
“O papel que o controle social exerce no SUS coloca grandes desafios para o movimento popular, principalmente nos momentos de ataques à democracia e iniciativas de seu enfraquecimento para atender interesses do mercado da saúde e das políticas de austeridade fiscal, que pretendem a retirada de direitos sociais. Neste momento de pandemia o Sistema Único de Saúde mostra o quanto é importante para a sociedade, e o quanto promove a inclusão, mesmo com o cenário de exclusão social no país e as dificuldades geradas pelo seu sub-financiamento. O controle social está sendo essencial neste cenário”, reforçou Pigatto.
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