A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: seminário termina com apelo por despatologização
Após dois dias intensos de palestras, mesas redondas e debates, o 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas terminou com um apelo: o combate às crenças que fizeram disparar os dignósticos e prescrições de medicamentos para os chamados transtornos mentais. “Precisamos radicalizar a despatologização e a desmedicalização. Focar em outros caminhos, que passam pela arte, pela cultura e direitos humanos”, afirmou o psiquiatra pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), Paulo Amarante. Todas as mesas do seminário foram transmitidas e gravadas pelo canal VideoSaúde no Youtube e estão disponíveis.
Nos dias 31 de outubro e 1º de
novembro, o evento discutiu o tema 'O modelo biomédico da psiquiatria
fracassou? Quais as perspectivas?'. No encerramento, Paulo Amarante destacou a importância de criticar a compreensão de que
comportamentos diferentes do considerado ideal são doenças. “Temos que superar
a ideia de que tudo pode ser explicado com uma teoria científica. A vida humana
vai sempre transcender essa capacidade de compreensão. Existe vida além da
ciência, do diagnóstico e do medicamento”, declarou Amarante em oposição à psiquiatria hegemônica praticada atualmente.
Ao abrir o último bloco de palestras
do seminário, na tarde do dia 1º de novembro, o editor-chefe do Mad in America,
Robert Whitaker, destacou o dado que mostra que, nos Estados Unidos, 25% das
pessoas acima de 12 anos tomam medicações psiquiátricas, com uso de Inibidores
Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) por uma parcela significativa da
população. No entanto, não existe comprovação de baixa presença de serotonina
nas pessoas com depressão, por exemplo. “Mas a sociedade se organizou em torno
dessa narrativa”, alertou.
Por isso, ele defende uma “mudança
completa de paradigma” e afirma que, na verdade, as drogas psiquiátricas são “agentes
anormalizantes”. Whitaker explicou que o consumo de antidepressivos aumenta a
atividade de serotonina no cérebro e, para manter seu funcionamento normal, o órgão
reduz a produção da molécula. “O antidepressivo induz a anomalia, que foi o
desequilíbrio hipotetizado como causa da depressão”, concluiu.
Além disso, ao fazer um breve resgate
histórico, Whitaker explicou que, com tratamentos por internação questionados
pela sociedade, as associações de psiquiatras decidiram por uma postura que
pudesse recuperar seu prestígio. “Adotaram o modelo de doença, vestiram jalecos
e passaram então a receitar remédios para tratar as tais doenças que afirmavam
ocorrer no cérebro”, relembrou ao falar sobre como nesta época, portanto,
deixou-se de considerar a interação das pessoas com o ambiente. “Precisamos
banir essa narrativa em torno da qual nos organizamos nos últimos 40 anos”,
enfatizou Whitaker ao citar as seguintes atitudes para mudar o cenário: confiar
na resposta natural que as pessoas têm para sair de episódios de mania,
psiciose e depressão e mudar os ambientes para que sejam mais ‘nutridores’ para
a saúde mental, por exemplo, dando espaço para as pessoas readiquirerem um
lugar na sociedade.
Paulo Amarante destacou que não
se trata só de uma mundança no modelo assistencial, mas de uma transformação do
lugar social das pessoas, que devem sair da posição de objeto para a de
protagonistas e atores sociais. “Por isso, em todo o seminário tivemos a participação
importância de usuários, de pessoas que passaram por essas experiências. São
militantes, ativistas, sobreviventes”, afirmou.
Pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS), da ENSP, Fernando Freitas fez uma reflexão filosófica com ênfase nas lutas dos sobreviventes do sistema. Por este caminho, ele falou da importância de pensar numa teoria do sujeito, com autonomia, e numa teoria social, que forneceria o suporte para a autorrealização dos sujeitos. Ele também defendeu que os sistemas de saúde tratem os pacientes da psiquiatria de forma diferenciada, reconhecendo as especificidades desses casos em relação às demais especialidades.
Paulo Amarante (ENSP/Fiocruz), Tiago Pires Marques (Universidade de Coimbra), Robert Whitaker (Mad in America), Fernando Freitas (ENSP/Fiocruz) e Adilson Silva (MNLA)
Representante do Movimento
Nacional de Luta Antimanicomial e do Movimento Nacional Político Social de
Usuários dos Serviços de Saúde Mental Antimanicomial, Adilson Silva fez um
relato sobre a situação atual do atendimento de saúde mental no SUS. “Aqui no
estado de São Paulo, por exemplo, 95% da rede de atenção psicossocial é
privatizada e a tendência é ser cada vez mais. Nós temos que continuar nos
mobilizando pelo que nos faz bem à saúde mental. É por nós que estamos vivendo
agora e pelos que virão depois", disse. "A gente não vai parar de
brigar. A gente vai continuar lutando por melhorias no Sistema Único de Saúde,
sua ampliação e implantação por completo. Vamos continuar lutando contra a
privatização do sistema e os cortes dos recursos financeiros”.
Paulo Amarante destacou os
seguintes tópicos como reflexões importantes dos dois dias do seminário:
- Houve o relato da Sarah Fay,
uma paciente que conseguiu superar a ideia de que ela era os diagnósticos que
recebeu de vários médicos para construir uma vida;
- foi discutida a suposta
fundamentação dos transtornos mentais como algo centralizado no desequilíbrio
químico - falácia do modelo neuroquímico, cujo emblema é a ideia do transtorno
de recaptação de serotonina;
- outra ideia debatida foi a do
conceito de autoestigma. Como é importante tomar consciência de algo que é
muitas vezes produzido pelo diagnóstico psiquiátrico. É importante
principalmente entre as pessoas que são sobreviventes do sistema e militam
nessa área e
- o tema da psicofobia. É uma ideia que serve para acusar as pessoas que questionam o diagnóstico. "Quando eu digo que o diagnóstico é fluido e inconsistente, eu posso ser acusado de psicofóbico, quando na verdade eu sou uma pessoa que luta contra a patologização, a redução da vida de uma pessoa a um diagnóstico", defendeu Amarante.