Marco na história da saúde pública e exemplo mundial, PNI completa 50 anos
Por Barbara Souza*
Uma das maiores conquistas da saúde pública brasileira completou 50 anos nesta semana. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi formulado em 1973 por determinação do Ministério da Saúde para coordenar as ações que, até então, eram pontuais e sem continuidade. Reconhecido internacionalmente, em cinco décadas, o programa alcançou feitos como a erradicação da varíola humana e a eliminação da rubéola e da poliomielite. "Sempre foi um programa de saúde pública vencedor no sentido de que reconheceu as doenças imunopreveníveis e estabeleceu uma confiança enorme na população de que realmente as vacinas fazem diferença", afirmou a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Margareth Dalcolmo.
O diretor da ENSP, Marco Menezes, celebrou as cinco décadas do programa destacando a necessidade de refletir sobre um período de entraves para a criação de uma realidade mais justa e democrática. “Nesse momento em que o PNI, uma referência mundial, completa 50 anos, é preciso lembrar do que aconteceu no último governo com relação às coberturas vacinais. É uma demonstração do que a gente não pode esquecer na luta para construir e reconstruir nosso país com ciência, com mobilização, com participação social. Completar 50 anos de PNI num novo governo que se inicia com tanta força nesse sentido da participação e da recuperação das altas coberturas vacinais é muito importante”, disse.
Nomeada embaixadora da vacinação no Brasil pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, Dalcolmo diz que tem observado atualmente não apenas um esforço para reverter o quadro preocupante, mas também uma racionalidade no processo de reorganização que considera digna de elogios. “O Ministério da Saúde está fazendo uma estratégia correta de compatibilização dos bancos de dados por cada região do Brasil e isso propicia ações muito assertivas. Acredito que já conseguiram, nesses quase nove meses, reverter um cenário que estava muito ruim. Tudo estava muito desorganizado, inclusive em relação aos estoques. Muitas vacinas com prazo de validade terminando. Tem sido um processo penoso”.
Na mesma linha, o pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde (DEMQS/ENSP) Fernando Verani acredita que o maior desafio hoje para reerguer as coberturas vacinais é a mobilização social nos moldes das décadas passadas. “Só com altas coberturas e participação ampla da sociedade como um todo poderemos manter o Brasil livre da polio, do sarampo e outras doenças. O governo atual tem se empenhado em resgatar as coberuras, lutando contra o negacionismo, a hesitação e recusa em vacinar. É necessário intensificar e priorizar mais ainda a participação de toda a sociedade”, analisou o especialista.
Verani destacou a formação dos profissionais do SUS como um caminho estratégico para fortalecer a mobilização. “É necessário um programa de Formação e atualização dos profissionais do SUS de modo permanente com firme mobilização dos estados e municípios. É oportuno focar, dentre as estratégias de Formação, aquelas desenvolvidas pela ENSP através de seu Grupo de Apoio ao Programa Ampliado de Imunizações com apoio da OPAS e Ministério da Saúde. O apoio do grupo ao MS, aos estados e municípios foi fundamental para o treinamento em serviço de imunização e vigilância epidemiológica das doenças evitáveis por vacinação. O treinamento presencial fez e certamente poderá fazer a diferença para resgatar as coberturas vacinais”, explicou Verani.
Margareth Dalcolmo lembra que o Brasil deu um passo muito importante recentemente ao interromper o uso da vacina oral da poliomielite. “Nós não vamos mais usar as gotinhas. Vamos usar a vacina injetável. Porque a vacina oral é uma versão atenuada e as crianças eliminam o vírus nas fezes, o que exige monitoramento dos esgotos o tempo todo, gerando um gasto grande. Com a vacina injetável, o processo vai melhorar”, disse esperançosa.
ENSP, Fiocruz e PNI
Direta e indiretamente, a ENSP está envolvida na missão de reerguer as taxas de vacinação da população brasileira, seja através da formação e na qualificação de profissionais para o SUS, de pesquisas nas mais diversas áreas ligadas ao tema ou na assistência prestada à população. Para a vice-diretora de Ambulatórios e Laboratórios da ENSP, Fátima Rocha, a Escola tem muito a contribuir no campo da vigilância, com grande potencial para avançar na organização de um diagnóstico dos sistemas de vigilância das doenças imunopreviníveis no Brasil. “Há uma tradição e uma competência de vários pesquisadores da ENSP nesse campo, o que se desdobra numa contribuição para a recuperação das coberturas vacinais”, disse.
Diante dessa expertise, a ENSP propôs à Presidência da Fiocruz a criação de um observatório para monitoramento da vacinação de crianças e adolescentes no país. Fátima Rocha enfatizou que a Escola tem capacidade de organizar informações sobre as causas das baixas coberturas vacinais, integrar com dados dos sistemas de informação, monitorar e avaliar a execução dos serviços de saúde do SUS a fim de gerar “aprendizagens sobre as melhores práticas dos estados e municípios”.
O Centro de Saúde Escola Germano Silval Faria (CSEGSF/ENSP) é o local onde ocorrem as práticas e a interação entre profissionais, residentes, professores e a comunidade vizinha. Responsável técnica pela sala de vacina do CSEGSF, Joyce Santana de Lima acredita que, desde a criação do serviço, em 1967, o vínculo com a população de Manguinhos tem sido fortalecido através da vacinação. Segundo a enfermeira, o Centro de Saúde também exerce o papel de conscientizar a população do papel das vacinas não apenas no cuidado individual, dos filhos e da família, mas sim de toda a coletividade. Isso é fundamental, já que é a mobilização da sociedade é indispensável para a recuperação da cobertura vacinal. “Toda campanha de vacinação realizada pelo CSE tem alta relevância não somente para nossa unidade, mas para a população que assistimos, pois gera uma mobilização das pessoas que de fato se envolvem e comparecem para vacinar seus filhos e entes queridos. Isso reforça ainda mais nosso vínculo e a conscientização da importância de se vacinar”, disse Joyce.
O Centro de Saúde Escola da ENSP ofrece todas as vacinas disponíveis no calendário básico de vacinação a todos que acessam o serviço, independentemente do endereço, da origem ou da nacionalidade. “Atendemos a população defendendo os princípios do SUS, de maneira igualitária sem restrições ao acesso. Acredito que somos relevantes para o alcance das coberturas vacinais, que é um dos objetivos do PNI, pois através do nosso vínculo com a população de Manguinhos, adotamos estratégias para garantir a vacinação da população, seja ela através de postos de vacinação montados dentro da comunidade ou em domicílio, atendendo o princípio da equidade. Se o usuário tem dificuldade ou não consegue acessar a unidade, vamos até a sua residência levando a vacina e promovendo saúde”.

A Fiocruz, que fornece expressiva parcela das vacinas utilizadas nas campanhas do PNI, é da história de êxito desde os primórdios do programa. A Fundação, além da produção de imunizantes, colabora na formulação de políticas públicas na área, na formação de profissionais e com o conhecimento de seus especialistas. Para o diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Maurício Zuma, “o PNI é garantia de vida para a população. As campanhas de vacinação do PNI diminuíram expressivamente o índice de mortalidade infantil e neonatal e aumentaram a expectativa de vida dos brasileiros ao ofertar vacinas para adultos e idosos. O programa pôs o país no mapa do mundo em relação a imunizações. É uma iniciativa de altíssimo êxito e com imensos resultados positivos”. E para poder ampliar sua oferta de produtos ao PNI, a Fiocruz está construindo uma nova fábrica.
O presidente da Fundação, Mario Moreira, diz que “com o PNI e o Programa Nacional de Autossuficiência em Imunobiológicos o país desenvolveu uma indústria pública e nacional, encabeçada pela Fiocruz, que garante a sustentabilidade e a soberania de todas as estratégias de vacinação da população brasileira”. Moreira afirma que “a partir do amplo reconhecimento internacional do sucesso do PNI o Brasil tem sido convocado para um esforço global de tornar o acesso a vacinas no mundo menos assimétrico, mais justo e democrático. É muito importante esse chamado e a Fiocruz está engajada nesse esforço mundial, integrando um hub para a produção de vacina contra a Covid-19 na América Latina”.
O assessor científico sênior de Bio-Manguinhos e coordenador do projeto 'Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais', Akira Homma, afirma que o Brasil tem que investir mais em ciência, em pesquisa básica e em tecnologia "Temos que desenvolver vacina contra HIV, malária, VSR, contra doenças entéricas. Precisamos desenvolver novas vacinas, com vários antígenos juntos, para diminuir as injeções. São grandes desafios. Novas tecnologias surgem, como as vacinas recombinantes, as quiméricas, as de RNA mensageiro. Precisamos avançar para obtermos adjuvantes melhores, que permitam uma proteção maior e uma imunidade mais duradoura, sem reações adversas. Com menos injeções e mais proteção contra mais doenças. Todas essas tecnologias, um dia, servirão ao PNI”.
Coordenado por Bio-Manguinhos, em parceria com o Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o projeto 'Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais' criou uma rede de colaboração interinstitucional, envolvendo atores nacionais e internacionais dos setores governamental, não governamental e privado, em torno da melhoria da cobertura vacinal.
Histórico do PNI
A proposta básica para o Programa, que consta num documento elaborado por técnicos do Departamento Nacional de Profilaxia e Controle de Doenças (Ministério da Saúde) e da Central de Medicamentos (CEME - Presidência da República), foi aprovada em reunião realizada em Brasília, em 18 de setembro de 1973, presidida pelo então ministro Mário Machado Lemos e contou com a participação de renomados sanitaristas e infectologistas, bem como de representantes de diversas instituições.
Em 1975, o PNI foi institucionalizado em meio a um somatório de fatores, de âmbito nacional e internacional, que convergiam para estimular e expandir a utilização de vacinas, buscando a integridade das ações de imunizações realizadas no país. O PNI passou a coordenar, assim, as atividades de vacinação desenvolvidas rotineiramente na rede de serviços e, para tanto, traçou diretrizes pautadas na experiência da Fundação de Serviços de Saúde Pública (FSESP), com a prestação de serviços integrais de saúde através de sua rede própria. A legislação específica sobre imunizações e vigilância epidemiológica (Lei 6.259 de 30-10-1975 e Decreto 78.231 de 30-12-76) deu ênfase às atividades permanentes de vacinação e contribuiu para fortalecer institucionalmente o Programa.
Outro marco foi, em 1980, a 1ª Campanha Nacional de Vacinação Contra a Poliomieltine, que tinha como a meta vacinar todas as crianças menores de 5 anos em um só dia. O último caso de poliomielite no país ocorreu na Paraíba em março de 1989. Em setembro de 1994, o Brasil junto com os demais países da região das américas, recebeu da Comissão Internacional para a Certificação da Ausência de Circulação Autóctone do Poliovírus Selvagem nas Américas, o certificado que a doença e o vírus foram eliminados de nosso continente.
Ao longo do tempo, a atuação do PNI, ao consolidar uma estratégia de âmbito nacional, apresentou, na sua missão institucional precípua, consideráveis avanços. As metas mais recentes contemplam erradicação do sarampo e a eliminação tétano neonatal. A essas, se soma o controle de outras doenças imunopreveníveis como Difteria, Coqueluche e Tétano acidental, Hepatite B, Meningites, Febre Amarela, formas graves da Tuberculose, Rubéola e Caxumba em alguns Estados, bem como, a manutenção da erradicação da Poliomielite.
O PNI é, hoje, parte integrante do Programa da Organização Mundial de Saúde, com o apoio técnico, operacional e financeiro da UNICEF e contribuições do Rotary Internacional e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
*Com informações da Agência Fiocruz de Notícias e do DataSUS.
Nenhum comentário para: Marco na história da saúde pública e exemplo mundial, PNI completa 50 anos
Comente essa matéria: