Livro conta a história de pessoas em situação de rua
E-book gratuito narra histórias de pessoas em situação de rua, como elas mesmas as contam, com suas próprias palavras, falando sobre seus sonhos, seus medos e desejos, suas formas de vida!
Para a coordenadora da pesquisa e debatedora do Ceensp, Cláudia Brito, o livro traz histórias repletas de riqueza e pluralidade, por vezes surpreendentes, sobre suas percepções de vida e do mundo. “Pensando no atual contexto de intensificação da agenda neoliberal e de indivíduos autocentrados em favor de seus interesses ou intolerantes às diferenças, o compartilhamento dessas histórias reafirma a preocupação com o outro, com direitos e cidadania, em favor da construção de projetos de pesquisa, de cuidado de saúde e de educação solidários e afetivos”, defendeu Cláudia.
Além de Cláudia Brito, participaram do Centro de Estudos da ENSP, Valeska Antunes, médica que atuou no Consultório na Rua atendendo à população em situação de rua; Lilian Leonel, representando pessoas em situação de rua e liderança local; Eliana Claudia Ribeiro, educadora que pesquisa e reflete sobre os processos de aprendizagem significativa; e Lenir Silva, pesquisadora da ENSP, que fez leituras breves de trechos do livro.
Importância de legitimar as histórias relatadas
No âmbito das entrevistas realizadas para a pesquisa, Cláudia Brito, ressaltou a importância de legitimar as histórias relatadas. “Este livro mostra como é constituída a população de rua, pessoas ignoradas e desconectadas da população em geral. As entrevistas deram voz a uma vida marcada pelo sofrimento e pela solidão. Por isso, a importância da escuta interessada, isto é, quando você dá ao outro o lugar de reconhecimento”, refletiu.
A pesquisadora fez um paralelo, também, com serviço público. Para ela, muitas vezes, pela falta de importância que a sociedade, de maneira geral, dá à população de rua, o serviço não sabe lidar com as emoções que emanam quando a população de rua compartilha suas histórias. “Essas histórias trazem muita dor. Em geral, a população em situação de rua tem muita dificuldade para falar sobre seus medos e sofrimentos. Ouvi-los, ajudar a ressignificar as histórias e retomar laços. Estamos falando de emoção. Quando a emoção brota, ela toca a quem ouve, e isso nos mobiliza para algum tipo de ação. Conhecer a população de rua pela escuta pode contribuir para minimizar a visão preconceituosa que temos dela. Elas não são pessoas descartáveis, pelo contrário, quando damos a elas a possibilidade da escuta, vemos ainda mais que são pessoas plenas de sentimento de si e do mundo”, ponderou Cláudia Brito.
Atendimento humanizado para eliminar preconceitos e resgatar vidas
A médica Valeska Antunes, que atuou no Consultório na Rua atendendo à população em situação de rua durante a realização da pesquisa, ressaltou que ouvir e ler os relatos do livro traz uma mistura de sentimentos. “Ao contrário do que muitos pensam da população em situação de rua, são pacientes com vinculação fácil. São pacientes de quem cuidamos a mais de dez anos - tempo em que o Consultório na Rua atua. Esses relatos mostram a diversidade dessa população, que não existe um padrão, são pessoas diversas. Por isso, a leitura deste livro nos ajuda a eliminar preconceitos e resgatar a humanidade dessas pessoas.”
Valeska Antunes destacou que o norte da ação no Consultório de Rua é o cuidado integral, por isso as narrativas possuem valor central. “Falar é um instrumento terapêutico que proporciona ao indivíduo produção de autonomia e de autocuidado. Para dialogar, precisamos primeiro escutar, para descobrir, junto com a pessoa, uma forma de melhorar sua qualidade de vida. Nosso trabalho só faz sentido se tivermos a capacidade de escutar. Agradeço a todos os envolvidos e reforço que este livro é o nosso maior presente.”
Remédio sozinho não cura. O amor cura
"Moradora de rua e usuária de crack", foi assim que Lilian Leonel se apresentou ao participar do Ceensp como uma das principais vozes da palestra. Lilian é uma das pacientes atendidas pela equipe de Consultório na Rua. Atualmente, é liderança local e atua como redutora de danos. Lilian lembrou quando a equipe de Consultório na Rua chegou à sua cena de uso (localizada na Rua Flávia Farnese, comunidade da Nova Holanda, no Rio de Janeiro).
“Falar da nossa vida sem falar do Consultório na Rua, a gente não conta nossa história. Usamos o CR como um orelhão, onde a gente conta a nossa história, e eles não têm preconceito com a gente. Este livro não é somente sobre histórias das vozes da rua. Ele é mais que um livro. É um desabafo, pois abre a oportunidade de falarmos sobre o nosso sentimento”, enfatizou ela.
Lembrando sua trajetória de vida, Lilian lamentou que ainda existam tantas pessoas em situação de rua. “Existem pessoas que estão no fundo do posso, mas a escuta consegue resgatá-las. Este livro mostra o que realmente leva uma pessoa à situação de rua. Eu conheci o Consultório na Rua por meio da Rede de Atenção à Saúde, e, para mim, é um orgulho muito grande fazer parte desse grupo e estar representada neste livro. Eu moro na rua, sou usuária de crack, mas, hoje, eu trabalho como redutora de danos em uma ONG, e isso tem me ajudado muito. Com esse trabalho, estou aprendendo muito sobre os meus direitos. Infelizmente, o crack ainda faz parte da minha vida, mas, hoje, eu sei que a minha realidade pode mudar. Julgam a gente pelo crack, mas não julgam se você bebe ou toma um remédio todos os dias. Não conseguem olhar para o usuário de crack como uma pessoa com esperanças e vontades”, lamentou.
Lilian apontou, também em sua fala, a vergonha como uma das maiores causas para que pessoas em situação de rua não voltem para suas casas. “O crack causa vergonha. A gente não tem vergonha do vizinho, a gente tem vergonha da nossa família. E o CR ajuda a gente a entender que não temos que ter vergonha de nós mesmos.”
Por fim, Lilian Leonel fez um agradecimento emocionante a todos que cuidaram dela durante os últimos anos. “O remédio só não cura. O amor cura. O Consultório na Rua traz o remédio, mas ele traz também o amor, o carinho, a compreensão, o abraço. E é isso que cura e nos deixa de pé. Eu acho que o Consultório na Rua deveria se chamar Consultório do Amor. Hoje, nos sabemos que temos direitos, que temos direito de ir ao shopping, por exemplo. Hoje, a gente anda de cabeça erguida, pois eles nos ensinaram o direito de ir e vir. Estou muito feliz neste momento, pois estou alugando um quarto para morar e vou fazer um chá de casa nova. Obrigada por toda a ajuda da Rede e do CR. O que falta para nós é oportunidade, pois capacidade nós temos. Obrigada por acreditarem em nós. Somos seres humanos e somos pessoas que amamos”, comemorou Lilian.
Potencial educativo das histórias de vida
A pesquisadora da UFRJ, Eliana Claudia Ribeiro, educadora que pesquisa e reflete sobre os processos de aprendizagem significativa, destacou em sua fala o potencial educativo das histórias de vida na produção do conhecimento, cuidado em saúde e educação. “É fundamental reconhecer o sentido das diferenças, ou seja, o significado do diverso para cada um de nós. Trabalhar com histórias de vida é construir uma prática de cuidado inclusiva, para acolher o que nos é diverso”.
Concluindo sua fala, a pesquisadora destacou que as pessoas sentem falta de falar e esse é um desafio da forma profissional comprometida para enfrentar a complexidade das situações. “A experiência do CR, tanto dos pacientes quanto dos profissionais, é um potencial enorme de diálogo com as instituições formadoras e todas as instituições que tenham vinculo com a saúde e a educação. Precisamos de novas práticas educativas e novas práticas de cuidado, além disso, todos esses processos devem ser orientados pela educação permanente”, finalizou ela.
Leitura dos trechos do livro
Ao longo do Ceensp, a pesquisadora da ENSP, Lenir Silva, fez leituras breves de trechos do livro. Lenir criou todas as ilustrações da publicação. Além dela, o pesquisador aposentado da ENSP, Caco Xavier, foi responsável pela coordenação editorial. A eles se juntou a designer Luana Furtado, que criou o projeto gráfico do e-book.
O e-book pode ser baixado gratuitamente. Acesse aqui.
Confira, aqui, o vídeo do Ceensp na íntegra!
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