No contexto da COP30, Hermano Castro analisa os impactos da poluição do ar na saúde pública
Por Bruna Abinara
A poluição do ar é um dos maiores desafios globais da atualidade. A piora na qualidade do ar contribui diretamente para o agravamento de diversas doenças, além de provocar milhões de mortes todos os anos. No Brasil, as queimadas, o desmatamento e as mudanças climáticas tornam o debate ainda mais urgente, especialmente para populações vulnerabilizadas. Em entrevista ao Informe ENSP, o pesquisador Hermano Castro, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), detalhou os impactos da poluição do ar e destacou os fatores que mais contribuem para o aumento dos poluentes. O médico pneumologista ainda apontou como a pauta da qualidade do ar deve estar no centro das discussões da COP30, realizada em Belém, no Pará.
Confira a entrevista completa:
Informe ENSP: Quais são os principais impactos da poluição do ar sobre a saúde respiratória?
Contudo, os danos não se limitam ao aparelho respiratório. A maior parte das mortes prematuras globais atribuídas à poluição do ar deve-se a doenças cardiovasculares, uma vez que a inalação de material particulado fino pode desencadear inflamações e coágulos, aumentando o risco de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Os impactos são ainda mais sistêmicos, incluindo um maior risco para o desenvolvimento de Diabetes Mellitus tipo 2, o agravamento de transtornos de saúde mental e complicações na gravidez, como aborto espontâneo e parto prematuro.
Em resumo, os cerca de nove milhões de mortes prematuras anuais causadas pela poluição do ar mostram sua natureza como uma ameaça multidimensional à saúde, exigindo ações urgentes de saúde pública para sua mitigação. A ação da poluição do ar é sistêmica, afetando praticamente todos os órgãos do corpo, com o sistema respiratório e cardiovascular sendo os mais diretamente impactados. A mitigação da poluição do ar é, portanto, uma medida de saúde pública urgente e necessária.
Informe ENSP: Quais são os fatores que mais contribuem para a piora da qualidade do ar?
Hermano Castro: Atualmente, a degradação da qualidade do ar é impulsionada por um conjunto de fatores interligados, com destaque para as atividades humanas. Nas áreas urbanas e industriais, a queima de combustíveis fósseis por veículos, termelétricas e indústrias libera grandes quantidades de material particulado e gases nocivos. Paralelamente, as queimadas e o desmatamento, sobretudo nos biomas da Amazônia e do Cerrado, não só devastam a vegetação nativa como lançam na atmosfera imensas nuvens de fumaça carregadas de partículas finas (MP2,5), cujos impactos na saúde se espalham por todo o continente. Esta situação é ainda agravada pelas mudanças climáticas, que intensificam a frequência de secas e ondas de calor, criando condições ideais para a propagação de incêndios florestais e, consequentemente, piorando ainda mais a poluição. Além dessas fontes, as atividades do agronegócio, a agropecuária, são responsáveis por quase 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, hoje o quarto país em emissões per capta do planeta. Essas práticas agrícolas, como o uso de agrotóxicos e as queimadas, contribuem enormemente com a emissão de compostos prejudiciais.
Informe ENSP: Quais doenças têm maior incidência com o agravamento da poluição?
Hermano Castro: O agravamento da poluição do ar está diretamente associado ao aumento da incidência e da gravidade de uma vasta gama de doenças, com impactos que se estendem por múltiplos sistemas do corpo humano. As evidências epidemiológicas revelam um quadro de alarme para a saúde pública global.
No sistema respiratório, os efeitos são os mais imediatos e evidentes. A exposição a poluentes como o material particulado e o dióxido de nitrogênio é um fator de risco estabelecido para o desenvolvimento e a exacerbação de doenças como a asma e a DPOC. De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), 235 milhões de pessoas no mundo sofrem de asma, que é a doença crônica mais comum entre crianças. Mais de 80% das mortes por asma ocorrem em países de renda baixa ou média para baixa. Um estudo global estimou que a poluição dos veículos causa 4 milhões de casos de asma infantil por ano em todo o mundo, o equivalente a 11 mil novos casos a cada dia. Além disso, as partículas inaladas comprometem os mecanismos de defesa dos pulmões, aumentando a suscetibilidade a infecções respiratórias, que são uma das principais causas de morte em crianças menores de cinco anos em regiões com ar poluído. O risco de câncer de pulmão também aumenta significativamente, mesmo em não fumantes. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da OMS classificou a poluição do ar exterior como um carcinógeno do Grupo 1, com estudos demonstrando que um aumento na concentração de PM2.5 está associado a um aumento no risco de desenvolver a doença.
Os danos, porém, vão muito além dos pulmões. O sistema cardiovascular é um dos mais afetados, respondendo por uma grande parcela das mortes prematuras atribuídas à poluição. As partículas ultrafinas penetram na corrente sanguínea, desencadeando uma resposta inflamatória sistêmica e estresse oxidativo que podem levar a infarto do miocárdio, arritmias e AVC.
Cada vez mais, a ciência também revela impactos profundos no sistema nervoso. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia constataram que a exposição à poluição do ar por partículas finas (PM2.5) pode aumentar a gravidade da demência e das alterações neuropatológicas da doença de Alzheimer. No estudo, os mais expostos a esta poluição fina eram 19% mais propensos a apresentar danos cerebrais característicos do Alzheimer.
Por fim, os efeitos afetam também o sistema reprodutivo e o desenvolvimento fetal. Vários estudos nacionais e internacionais mostram que as exposições maternas à poluição do ar apresentam desfechos adversos ao nascimento, como partos prematuros e baixo peso. Essas condições têm consequências para a saúde ao longo de toda a vida, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade. Em síntese, a poluição do ar atua como um fator de risco multissistêmico, cujo combate é urgente para a redução da carga global de doenças.
Informe ENSP: Quais grupos populacionais têm sido mais afetados?



