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No contexto da COP30, Hermano Castro analisa os impactos da poluição do ar na saúde pública

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Publicado em:19/11/2025
Por Bruna Abinara 

A poluição do ar é um dos maiores desafios globais da atualidade. A piora na qualidade do ar contribui diretamente para o agravamento de diversas doenças, além de provocar milhões de mortes todos os anos. No Brasil, as queimadas, o desmatamento e as mudanças climáticas tornam o debate ainda mais urgente, especialmente para populações vulnerabilizadas. Em entrevista ao Informe ENSP, o pesquisador Hermano Castro, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), detalhou os impactos da poluição do ar e destacou os fatores que mais contribuem para o aumento dos poluentes. O médico pneumologista ainda apontou como a pauta da qualidade do ar deve estar no centro das discussões da COP30, realizada em Belém, no Pará. 

Confira a entrevista completa: 

Informe ENSP: Quais são os principais impactos da poluição do ar sobre a saúde respiratória?  

Hermano Castro: A poluição do ar, considerada o maior risco ambiental para a saúde humana, exerce impactos profundos e abrangentes sobre o organismo. Seus efeitos mais diretos ocorrem nos pulmões, onde os poluentes agravam doenças crônicas pré-existentes, como asma e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), desencadeando crises e piorando os sintomas. Além disso, partículas poluentes podem causar mutações no DNA das células pulmonares, elevando significativamente o risco de câncer de pulmão, um perigo que em alguns contextos pode superar até mesmo a exposição ao fumo passivo. A poluição também compromete as defesas naturais do trato respiratório, aumentando a suscetibilidade a infecções como pneumonia e bronquite, um problema grave para crianças, cujo desenvolvimento pulmonar pode ser seriamente prejudicado, levando a uma função respiratória reduzida para toda a vida. 

Contudo, os danos não se limitam ao aparelho respiratório. A maior parte das mortes prematuras globais atribuídas à poluição do ar deve-se a doenças cardiovasculares, uma vez que a inalação de material particulado fino pode desencadear inflamações e coágulos, aumentando o risco de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Os impactos são ainda mais sistêmicos, incluindo um maior risco para o desenvolvimento de Diabetes Mellitus tipo 2, o agravamento de transtornos de saúde mental e complicações na gravidez, como aborto espontâneo e parto prematuro.  

Em resumo, os cerca de nove milhões de mortes prematuras anuais causadas pela poluição do ar mostram sua natureza como uma ameaça multidimensional à saúde, exigindo ações urgentes de saúde pública para sua mitigação. A ação da poluição do ar é sistêmica, afetando praticamente todos os órgãos do corpo, com o sistema respiratório e cardiovascular sendo os mais diretamente impactados. A mitigação da poluição do ar é, portanto, uma medida de saúde pública urgente e necessária. 

Informe ENSP: Quais são os fatores que mais contribuem para a piora da qualidade do ar?  

Hermano Castro: Atualmente, a degradação da qualidade do ar é impulsionada por um conjunto de fatores interligados, com destaque para as atividades humanas. Nas áreas urbanas e industriais, a queima de combustíveis fósseis por veículos, termelétricas e indústrias libera grandes quantidades de material particulado e gases nocivos. Paralelamente, as queimadas e o desmatamento, sobretudo nos biomas da Amazônia e do Cerrado, não só devastam a vegetação nativa como lançam na atmosfera imensas nuvens de fumaça carregadas de partículas finas (MP2,5), cujos impactos na saúde se espalham por todo o continente. Esta situação é ainda agravada pelas mudanças climáticas, que intensificam a frequência de secas e ondas de calor, criando condições ideais para a propagação de incêndios florestais e, consequentemente, piorando ainda mais a poluição. Além dessas fontes, as atividades do agronegócio, a agropecuária, são responsáveis por quase 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, hoje o quarto país em emissões per capta do planeta. Essas práticas agrícolas, como o uso de agrotóxicos e as queimadas, contribuem enormemente com a emissão de compostos prejudiciais. 

Informe ENSP: Quais doenças têm maior incidência com o agravamento da poluição?  

Hermano Castro: O agravamento da poluição do ar está diretamente associado ao aumento da incidência e da gravidade de uma vasta gama de doenças, com impactos que se estendem por múltiplos sistemas do corpo humano. As evidências epidemiológicas revelam um quadro de alarme para a saúde pública global. 

No sistema respiratório, os efeitos são os mais imediatos e evidentes. A exposição a poluentes como o material particulado e o dióxido de nitrogênio é um fator de risco estabelecido para o desenvolvimento e a exacerbação de doenças como a asma e a DPOC. De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), 235 milhões de pessoas no mundo sofrem de asma, que é a doença crônica mais comum entre crianças. Mais de 80% das mortes por asma ocorrem em países de renda baixa ou média para baixa. Um estudo global estimou que a poluição dos veículos causa 4 milhões de casos de asma infantil por ano em todo o mundo, o equivalente a 11 mil novos casos a cada dia. Além disso, as partículas inaladas comprometem os mecanismos de defesa dos pulmões, aumentando a suscetibilidade a infecções respiratórias, que são uma das principais causas de morte em crianças menores de cinco anos em regiões com ar poluído. O risco de câncer de pulmão também aumenta significativamente, mesmo em não fumantes. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da OMS classificou a poluição do ar exterior como um carcinógeno do Grupo 1, com estudos demonstrando que um aumento na concentração de PM2.5 está associado a um aumento no risco de desenvolver a doença. 

Os danos, porém, vão muito além dos pulmões. O sistema cardiovascular é um dos mais afetados, respondendo por uma grande parcela das mortes prematuras atribuídas à poluição. As partículas ultrafinas penetram na corrente sanguínea, desencadeando uma resposta inflamatória sistêmica e estresse oxidativo que podem levar a infarto do miocárdio, arritmias e AVC. 

Cada vez mais, a ciência também revela impactos profundos no sistema nervoso. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia constataram que a exposição à poluição do ar por partículas finas (PM2.5) pode aumentar a gravidade da demência e das alterações neuropatológicas da doença de Alzheimer. No estudo, os mais expostos a esta poluição fina eram 19% mais propensos a apresentar danos cerebrais característicos do Alzheimer.  

Por fim, os efeitos afetam também o sistema reprodutivo e o desenvolvimento fetal. Vários estudos nacionais e internacionais mostram que as exposições maternas à poluição do ar apresentam desfechos adversos ao nascimento, como partos prematuros e baixo peso. Essas condições têm consequências para a saúde ao longo de toda a vida, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade. Em síntese, a poluição do ar atua como um fator de risco multissistêmico, cujo combate é urgente para a redução da carga global de doenças. 

Informe ENSP: Quais grupos populacionais têm sido mais afetados?  

Hermano Castro: Os impactos da poluição do ar recaem de forma desproporcional sobre a população, e a análise de gênero, raça e território é fundamental para entender essa desigualdade. Os grupos mais afetados são justamente os que já se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica. 

Do ponto de vista do território e da renda, a população de baixa renda, tanto em áreas urbanas quanto rurais, é a que mais sofre. Nas cidades, essa população é frequentemente empurrada para periferias e áreas com infraestrutura precária, vivendo próximo a vias movimentadas, lixões e polos industriais, onde a concentração de poluentes é maior. No contexto rural e regional, comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos) e populações da região Norte e Nordeste do Brasil são diretamente impactadas pelo desmatamento, queimadas, secas e ondas de calor, além de possuírem menor capacidade institucional para gerir e mitigar esses problemas. Esta realidade configura um cenário de injustiça climática e racismo ambiental, no qual os grupos que menos contribuem para a geração de poluição acabam sendo os mais expostos aos seus efeitos negativos. 

Quando consideramos gênero e idade, as disparidades se aprofundam. Crianças e idosos são biologicamente mais vulneráveis devido ao seu sistema respiratório e imunológico ainda em desenvolvimento ou fragilizado, apresentando os maiores índices de mortalidade em decorrência da poluição. As mulheres, especialmente em contextos de pobreza, enfrentam uma dupla carga: são frequentemente as principais responsáveis por tarefas domésticas, o que as expõe de forma crônica à poluição interna gerada por fogões a lenha ou querosene. Além disso, os efeitos das mudanças climáticas, intensificados pela poluição, tendem a piorar os impactos sobre a população feminina. 

Por fim, a questão racial é intrínseca a essa equação. No Brasil, as populações negras e indígenas estão historicamente concentradas em territórios negligenciados pelo poder público e mais sujeitos à degradação ambiental, seja nas periferias urbanas, seja em regiões de conflito por terra e recursos. Dessa forma, gênero, raça e território atuam como eixos que se sobrepõem, determinando que grupos vulnerabilizados suportem o fardo mais pesado da crise ambiental, evidenciando que a poluição do ar é, antes de tudo, uma questão de desigualdade social. 

Informe ENSP: Que pontos são fundamentais para que a pauta esteja presente nas discussões da COP30? 

Hermano Castro: Para que a pauta da qualidade do ar ocupe um lugar central nas discussões da COP30 em Belém, é fundamental uma abordagem que integre as crises climática, de saúde pública e de injustiça ambiental. Os seguintes pontos podem ser considerados essenciais para alcançar esse objetivo: 

1. Necessidade de termos uma centralidade da Amazônia e das vozes locais para uma Justiça dupla. A COP30, sediada no coração da Amazônia, deve ir além do simbolismo e estabelecer o bioma como epicentro para a justiça climática e a justiça social, de forma indissociável. É imperativo que o evento não seja apenas "sobre" a Amazônia, mas "a partir" dela, valorizando os saberes tradicionais e garantindo a participação efetiva de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais e movimentos sociais nas mesas de negociação. Estes grupos são os guardiões da floresta e os primeiros a sofrerem com a poluição do ar proveniente das queimadas. O grito de "Basta!" vindo dos povos da floresta ecoa a urgência de ouvir e atender ao clamor dessas populações, transformando suas demandas em políticas concretas. 

2. Torna-se necessária a integração estrutural entre saúde e clima com foco na qualidade do ar. A poluição do ar, agravada pelas queimadas na Amazônia, é uma crise de saúde pública. É crucial incluir oficialmente a saúde no centro da agenda, com a adoção de um Plano de Ação em Saúde de Belém. Este plano deve orientar os países a fortalecerem seus sistemas de saúde para os impactos da poluição, integrando dados de monitoramento da qualidade do ar (como os do VigiAr) às políticas públicas de saúde. A COP30 deve reconhecer que proteger a floresta é, diretamente, proteger a saúde respiratória de milhões de pessoas na América do Sul. 

3. Necessidade de um combate estratégico aos superpoluentes, também conhecidos como poluentes climáticos de vida curta (PCVCs), esses elementos são gases com alto poder de aquecimento climático e forte impacto na população, sendo exemplos o metano, o carbono negro (fuligem das queimadas) e os hidrofluorocarbonetos (HFCs). A conferência deve priorizar a redução dos PCVCs. Reduzir esses superpoluentes traz um benefício duplo e rápido: desacelera o aquecimento global no curto prazo e, simultaneamente, previne mortes prematuras por doenças cardiorrespiratórias, atacando uma das fontes mais perversas da poluição na região. 

4. Seriedade na proposta do financiamento inovador que valorize a Floresta em Pé. É imperativo criar mecanismos financeiros que recompensem a preservação. Modelos inovadores, como o proposto pelo Fundo Tropical das Florestas para Sempre (em inglês, Tropical Forest Forever Facility - TFFF), com uma expectativa de alavancar um montante significativo de recursos, com projeções de até US$ 125 bilhões no longo prazo. É essencial superar o modelo extrativista e criar uma economia de floresta em pé, garantindo que os recursos cheguem de fato aos guardiões da floresta e promovam desenvolvimento social e econômico local e não se percam em meio à corrupção ou a grandes estruturas burocráticas. 

5. Necessidade de combater o desmatamento e as queimadas com governança eficaz. A COP30 deve resultar numa força-tarefa global contra incêndios florestais. No entanto, é preciso cuidado com "falsas soluções" e garantir que os acordos sejam implementados com transparência e governança eficaz. Combater as queimadas é a ação mais direta para melhorar a qualidade do ar e representa um enfrentamento claro aos crimes ambientais. O sucesso da conferência será medido pela sua capacidade de frear a destruição na prática. 

6. Necessidade de incorporar a qualidade do ar nas metas nacionais (em inglês, Nationally Determined Contribution - NDCs). Os países devem ser incentivados a incluir indicadores de qualidade do ar e saúde em suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs). Dessa forma, a melhoria do ar, intimamente ligada ao combate às queimadas e à transição energética, se torna um objetivo mensurável e vinculado aos compromissos climáticos internacionais. 

Em síntese, para que a COP30 seja um marco histórico, será preciso enfrentar a tripla crise planetária (mudanças climáticas, poluição e a perda da biodiversidade), em que a qualidade do ar deve ser o fio condutor que conecta a proteção do clima, a defesa da saúde pública e a promoção da justiça socioambiental. Isso só será possível se o evento colocar as vozes da Amazônia no centro, rejeitando falsas soluções e priorizando financiamentos e ações concretas que garantam o bem-estar das populações e a integridade do bioma. 

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