Poluição nas praias: pesquisador da ENSP desmitifica papel dos emissários submarinos
Por Barbara Souza
A poluição nas praias do Rio de Janeiro está em pauta na mídia nas últimas semanas. Com isso, surgem dúvidas sobre o papel dos sistemas de tubulação e de tratamento criados para lidar com o esgoto produzido na cidade. Os emissários submarinos, por exemplo, são frequentemente apontados como vilões, enquanto o tratamento primário surge, muitas vezes, como solução. Mas será que é isso mesmo? O pesquisador Renato Castiglia Feitosa, do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP/Fiocruz, afirma que não. Em entrevista ao Informe ENSP, ele esclarece mitos e joga luz sobre os verdadeiros problemas ligados ao tema. O professor explica por que a causa das manchas que eventualmente são vistas nas praias não é o funcionamento dos emissários submarinos nem a falta de tratamento primário. Confira!
Renato Castiglia: É uma tubulação projetada para lançar o esgoto doméstico tratado ou minimamente depurado em uma região distante da costa. A ideia é que, ao atingir áreas mais profundas e afastadas, o efluente passe por um processo natural de autodepuração, sem comprometer as zonas balneáveis. Trata-se de uma obra de engenharia com difusores que promovem uma diluição eficiente, dentro de padrões estabelecidos por normas técnicas e ambientais. Infelizmente, muitas vezes o funcionamento dos emissários é abordado de forma simplista, sem considerar esse projeto técnico sofisticado que busca justamente minimizar riscos sanitários.
As manchas que, por vezes, aparecem nas praias do Rio são causadas pelos emissários submarinos?
Não. As manchas visíveis na orla não têm relação com os emissários. Para que ver uma mancha gerada por um emissário, seria necessário um sobrevoo a cerca de 4 km da costa (no caso do emissário de Ipanema) ou 5,5 km (no caso da Barra da Tijuca), dependendo ainda das condições de densidade da coluna d'água.
O que acontece, na prática, é que parte do esgoto gerado nas regiões urbanas não está conectada ao sistema de coleta que leva até os emissários. Esse esgoto acaba sendo despejado em redes de drenagem pluvial, alcançando as lagoas e, em seguida, o mar, principalmente em períodos de vazante. Ou seja, o problema está na falta de integralidade do sistema, e não no funcionamento dos emissários.
O tratamento primário resolveria esse tipo de poluição?
Não necessariamente. O caso do emissário de Ipanema é um bom exemplo. Ele funciona desde 1975 sem nenhum tipo de tratamento prévio, e, mesmo assim, as praias atendidas por ele permanecem, em geral, com boa balneabilidade. Isso porque o sistema funciona bem quando todo o esgoto gerado é coletado e chega ao emissário.
Por outro lado, quando há chuvas intensas ou falhas na drenagem que impedem o esgoto de ser direcionado corretamente, vemos as manchas próximas das praias. Ou seja, a chave está em garantir que todo o volume gerado chegue ao emissário. A presença ou ausência de tratamento primário, nesse contexto, não faz diferença do ponto de vista da balneabilidade.
Atualmente, qual o principal problema na região costeira da Barra da Tijuca nesse sentido?
O problema na Barra é a quantidade de esgoto que não chega ao emissário, algo agravado por um fator importante: as lagoas. Antes de atingir o mar, esse esgoto impacta diretamente o sistema lagunar, que é muito mais sensível e está muito degradado. Se todo o esgoto fosse corretamente encaminhado ao emissário, mesmo sem tratamento, as lagoas estariam em situação muito melhor e a praia teria ótima qualidade. O que temos, na verdade, é um volume de esgoto maior do que o sistema consegue captar e conduzir, um cenário de não integralização do saneamento.
O emissário submarino é, sim, a base de um projeto eficiente de saneamento, como comprovam experiências internacionais. Cito como exemplo o programa de despoluição da Baía de Sydney, na Austrália, que foi estruturado com a construção de três emissários e é uma referência de sucesso.
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