Plataformas, Indústria 4.0 e Precarização do trabalho: Ricardo Antunes abre seminário de 40 anos do Cesteh
Os processos de precarização e o trabalho na Era Digital no Brasil foram os temas discutidos na primeira mesa do seminário ‘Cesteh Rumo aos 40 Anos de Formação na Ação: Raízes e Sementes’, iniciado nesta segunda-feira (14/4), na ENSP/Fiocruz. Professor de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Ricardo Antunes ministrou a palestra, que lotou o auditório da Escola. A mediação foi feita pelo pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) Ary Carvalho de Miranda. A atividade foi transmitida ao vivo pelo canal da ENSP no YouTube, onde está disponível na íntegra.
“Um cenário em que, paralelamente à explosão das tecnologias informacionais digitais, dos algoritmos e da inteligência artificial, o trabalho que as grandes corporações industriais e as grandes plataformas de serviços exigem é cada vez mais flexível, intermitente, digitalizado, o mais desprovido possível de direitos e com clara oposição às formas de organização sindical e de classe.” Foi assim que o convidado caracterizou o mundo atual do trabalho. Ao longo de sua explanação, Antunes analisou o agravamento da situação, especialmente a partir do chamado capitalismo de plataforma e da indústria 4.0. Ele destacou a “destrutividade” dessa combinação no contexto de crise estrutural do sistema capitalista que, segundo ele, só pode se expandir com degradação ilimitada do trabalho humano e da natureza.
Ricardo Antunes fez duras críticas ao modelo econômico baseado em tecnologias digitais, que intermedeia serviços e conecta usuários sem empregar diretamente os trabalhadores. O professor citou plataformas digitais de serviços de transporte e de entrega que operam com base em algoritmos, dados e aplicativos, tirando vantagem tanto do trabalho quanto da informação, enquanto evitam vínculos empregatícios. Trata-se de nova forma de precarização do trabalho, na qual os trabalhadores são tratados como autônomos, mas permanecem subordinados às regras e imposições das plataformas.
Esse fenômeno se apoia nas inovações da indústria 4.0 — como a automação, o big data e as diferentes formas de inteligência artificial. “Ela foi concebida pelos países centrais com um objetivo muito claro: mais robôs, máquinas digitais invadindo o mundo produtivo em todas as esferas onde o capital atua, na indústria, agroindústria e serviços e suas interconexões”, afirmou. Antunes comentou o avanço da automação, da digitalização e a ‘internetização das coisas’. “A indústria 4.0 busca ampliar o trabalho morto em todos os espaços do mundo produtivo em que for possível usar mais máquinas. Mas essas máquinas não têm fisicidade daquelas da revolução industrial, mas são o algoritmo. E ele nos comanda”, pontuou.
Diante dessa conexão entre lógica neoliberal e uma infraestrutura tecnológica avançada que propicia um modelo produtivo extremamente lucrativo, surgem profundos impactos trabalhistas e sociais. Na palestra, o professor refletiu sobre como a indústria 4.0 afeta de formas diferentes, em variados níveis e dimensões, a vida humana no Norte e no Sul do mundo. Além disso, comentou a lógica do capital comandado pelo mundo financeiro, que disse ser “o mais destrutivo de todos”. “Como o capital não pode se valorizar sem que haja alguma interação entre trabalho humano e trabalho morto, o mundo maquínico, plasmado por relações sociais do sistema de metabolismo do capital, enquanto ele é destrutivo, intensifica a redução do trabalho vivo, sem o eliminar, mas explorando-o ao limite”, elaborou Ricardo Antunes.
O professor também criticou a ideia que considera distorcida de empreendedorismo, mais uma manobra narrativa para manter e intensificar a atuação de trabalhadores em situações precárias. “Para explorar a mais-valia absoluta, eu tenho que dizer que o explorado é empreendedor, que é autônomo”, afirmou. Outros pontos abordados por Antunes foram a lógica das metas e o discurso da resiliência. “Resiliência é o caminho mais curto para o burnout”, disse ao citar a escalada dos casos de adoecimento psíquico relacionado ao trabalho. Por fim, ele provocou uma reflexão sobre a possibilidade de alternativas a esse cenário. Na opinião do sociólogo, há saída e o sinal dela são movimentos de “lutas e greves importantes no mundo”, como a recente paralisação de entregadores da plataforma iFood em São Paulo.
Ao abrir o seminário nesta segunda-feira (14/4), a mesa institucional ressaltou o papel do Centro ao longo das décadas em meio a profundas mudanças no mundo do trabalho. A importância das discussões propostas pelo evento, como uma oportunidade de preparação para a Conferência Livre Nacional de Saúde dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, também foi destacada. A Conferência será realizada no dia 29 de abril, no auditório da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), no Campus Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Representando a presidência da Fiocruz, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Valcler Rangel, lembrou que foi médico residente do Cesteh e celebrou o crescimento tanto do Centro no âmbito da ENSP quanto da temática da saúde do trabalhador. “O Cesteh tem uma contribuição central e fundamental para avançarmos nos campos da saúde pública e coletiva e fazer com que o Brasil consiga se desenvolver, mas numa lógica de sustentabilidade e respeito aos direitos do trabalhador e da trabalhadora. É disso que a gente fala desde o início da formatação do Cesteh”, disse. E, seguida, o presidente da Asfoc-SN, Paulo Garrido, salientou que o seminário é um momento para “ouvir, aprender, dialogar, trocar e trabalhar numa ação unificada em defesa dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras”.
Diretor da ENSP, Marco Menezes, citou alguns dos aspectos dos impactos das transformações globais para a classe trabalhadora. “Um ponto central, para toda a sociedade, é a defesa da democracia. Mais do que nunca, isso é muito importante. As emergências climáticas e a crise hídrica também são pontos fundamentais no debate sobre a saúde do trabalhador e da trabalhadora. Além disso, hoje se enfrenta também a questão das fake news, com a comunicação sendo algo, do ponto de vista das políticas públicas, que precisamos aprofundar”, listou. O diretor fez referência a um estudo publicado pela FGV que revela como um mercado de trabalho aquecido esconde, de certa forma, o crescimento da precarização. “No contexto mundial do neoliberalismo, enfrentar essas transformações passa por olhar questões como, por exemplo, a crise do cuidado, do trabalho não remunerado das mulheres”, afirmou Menezes, que sublinhou também a necessidade de ressignificar a discussão sobre o empreendedorismo numa perspectiva solidária de construção do comum, como abordado por Sonia Fleury na aula inaugural da ENSP em março.
O diretor também relembrou sua trajetória no Centro. “Sou trabalhador do Cesteh, um lugar onde há muitos companheiros e companheiras com quem eu aprendi, professores na minha formação aqui na Fiocruz. Em particular, é um momento de muito carinho, de lembrar de momentos importantes e de pensar no futuro”, afirmou Menezes.
Após fazer uma série de agradecimentos afetuosos, a chefe do Cesteh, Rita Mattos, comentou o processo de organização e a escolha do nome do seminário, ‘Cesteh Rumo aos 40 Anos de Formação na Ação: Raízes e Sementes’. Ela afirmou que a programação tem “muita raiz e também muitas sementes”, referindo-se aos convidados - uns há décadas ligados ao Centro e outros mais recentes. “É um momento de reflexão sobre os próximos 40 anos, quando provavelmente muitos de nós não estaremos aqui. Embora tenhamos nos preocupado com temas candentes como a informalidade, da uberização e da precarização do trabalho, ainda há muitas questões do chamado chão de fábrica”, disse Rita mencionando exemplos como a contaminação por benzeno e amônia, causas históricas dos movimentos pela saúde dos trabalhadores.
A atividade marca o início das comemorações dos 40 anos do Cesteh e tem como foco promover reflexões sobre temas emergentes relacionados à produção-trabalho, ambiente e saúde. O seminário também se propõe a discutir estratégias para transformar o Estado em promotor de políticas públicas diante das transformações globais e da crescente fragilização dos direitos sociais. Além disso, visa a estabelecer uma agenda para os próximos anos, fortalecer a participação do Centro na 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador em 2025 e reafirmar seu compromisso com a saúde coletiva e os movimentos sociais.
Assista à manhã do primeiro dia na íntegra no canal da ENSP no YouTube.
Nenhum comentário para: Plataformas, Indústria 4.0 e Precarização do trabalho: Ricardo Antunes abre seminário de 40 anos do Cesteh
Comente essa matéria:
Utilize o formulário abaixo para se logar.