Pesquisa sobre impactos da regulamentação do ambiente alimentar nas escolas inicia fase de campo em abril
A pesquisa ‘Impacto da Regulamentação do Ambiente Alimentar Escolar’ está prestes a iniciar uma nova etapa. A partir de abril deste ano, o estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) em parceria com UFRJ, UFRGS, UFPE e UFMG visitará 268 escolas particulares de Niterói, Recife e Porto Alegre. Nesta fase, será realizada auditoria dos alimentos comercializados nas cantinas e de aspectos administrativos dos estabelecimentos. Vendedores ambulantes presentes no entorno escolar também serão abordados. Além disso, a pesquisa reunirá grupos de estudantes de 13 a 17 anos para saber o que eles pensam sobre a cantina de suas escolas e como acreditam que elas deveriam ser. A previsão é que o trabalho de campo termine em junho.
“Nas cantinas e pontos de venda informal, serão coletados dados sobre os alimentos disponíveis, incluindo variedade de marcas e sabores, preços, uso de combos e promoções como estratégia de venda e presença de publicidade de alimentos e bebidas”, detalhou a egressa do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública da ENSP e professora do Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé, Laís Botelho, uma das pesquisadoras à frente do trabalho. Pela ENSP, o estudo é coordenado pela pesquisadora Letícia Cardoso, em conjunto com os professores Letícia Tavares e Paulo César Castro, da UFRJ.
SAIBA MAIS: Estudo é um dos projetos selecionados pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela Vice-Direção de Pesquisa e Inovação da ENSP. Leia outros detalhes nesta entrevista.
Esse estudo dá continuidade à pesquisa ‘Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb)’, que investigou cantinas e pontos de venda informais nas capitais brasileiras, no Distrito Federal e em Niterói. Na nova investigação, foram revisitadas as três cidades escolhidas para repetir a pesquisa com as cantinas e ambulantes em duas fases: a primeira em 2023/24, e a segunda a partir de agora. Ao final da análise será possível comparar os dados ao longo do tempo. Além disso, a seleção de Recife, Niterói e Porto Alegre possibilita uma comparação interessante entre as cidades, que possuem contextos regulatórios distintos.
A capital pernambucana ainda não conta com leis municipais ou estaduais específicas, apenas um Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Vereadores apresentado pela sociedade civil organizada. Por outro lado, Porto Alegre já se destacava como uma referência nacional na promoção da alimentação saudável na escola, com um conjunto de leis e decretos municipais e estaduais mais consolidados. A capital gaúcha era uma das raras cidades com regulamentação referenciada no Guia Alimentar para a População Brasileira. Niterói está num nível intermediário, pois já havia restrições à comercialização e publicidade de produtos com altos teores de açúcar, gordura e sódio. Só que eram normas de difícil compreensão, pouco conhecidas e sem fiscalização. Uma nova lei foi regulamentada por decreto em 2024 após a primeira fase da pesquisa.
Os resultados das etapas anteriores já geraram consequências positivas, como o apoio a ações pela proibição da venda de ultraprocessados em cantinas escolares. Isso contribuiu, por exemplo, para a implementação de leis em Niterói e no Rio de Janeiro. Em Niterói, a Lei Municipal 3.766, de janeiro de 2023, foi um avanço importante, mas sua implementação ficou comprometida pela demora de mais de um ano do decreto regulamentador que define responsabilidades e mecanismos de fiscalização. “Nesse ínterim, organizações da sociedade civil, parceiras do estudo, intensificaram ações de incidência política. Os resultados parciais da pesquisa contribuíram para fortalecer o debate no município, impulsionando a promulgação do decreto 15.457 e, consequentemente, viabilizando a aplicação efetiva da legislação”, explicou Laís.
Em sua tese de doutorado, defendida na ENSP, Laís Botelho comparou os dados do Caeb com a primeira coleta de dados do estudo Impacto da Regulamentação do Ambiente Alimentar Escolar. Entre os achados, a pesquisadora destaca resultados que se referem à medida chamada índice de saudabilidade, uma nota de 0 a 100 para a qualidade nutricional do conjunto de alimentos comercializados na cantina.
“Em 2022, a mediana da nota das cantinas em Porto Alegre foi igual a 70, superior à de Recife (54) e à de Niterói (44), que apresentava o pior cenário. Em 2023, a saudabilidade das cantinas recifenses caiu para 50 pontos, na ausência de regulamentação. A mediana da nota de Niterói aumentou discretamente, de 44 para 46 pontos, após a promulgação da lei proibindo a comercialização e publicidade de ultraprocessados. Já Porto Alegre permaneceu com a maior nota entre as três cidades (62 pontos), mas a queda na pontuação indicou uma deterioração do ambiente alimentar escolar”, detalhou Laís.
Em relação à Niterói, a pesquisadora chama a atenção para dois aspectos. Embora o aumento de 2 pontos na mediana seja um resultado modesto, ele é um indicativo de que a deterioração do ambiente alimentar não apenas foi contida, mas também começou a ser revertida. Além disso, foi observado que a melhoria na nota de Niterói não necessariamente resulta da redução da oferta de ultraprocessados, mas, principalmente, do aumento na oferta de alimentos saudáveis. Os pesquisadores já esperavam uma resistência à eliminação dos ultraprocessados no princípio, já que ofertar alimentos saudáveis pode exigir mais estrutura e/ou planejamento. Isso sem contar com o receio de queda no faturamento. “Esperamos observar uma melhora mais acentuada na próxima avaliação, já que já houve tempo de adaptação e a cidade conta agora com um decreto regulamentador e, em tese, fiscalização”, diz Laís, esperançosa.
De acordo com ela, é importante observar ainda que, apesar do aparato legislativo considerado exemplar de Porto Alegre, o ambiente alimentar escolar piorou por lá. “Isso também aponta para a famosa questão das leis ‘que não pegam’, ou, nesse caso, que esmorecem. Esse fato ressalta a necessidade de intensificar a fiscalização e adotar estratégias que não apenas auxiliem na transição para um modelo de cantina escolar saudável, mas que também garantam a manutenção dos resultados positivos alcançados”, defendeu.
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