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Drogas psiquiátricas e iatrogenia: mesa redonda discute danos causados por medicamentos

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Publicado em:10/12/2024
Por Barbara Souza

E quando o tratamento adoece e causa mais sofrimento? Relatos de ex-pacientes e pesquisa científica apresentados durante o 8º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas acenderam um alerta para os efeitos prejudiciais do uso desses medicamentos. Realizada nesta quinta-feira (5/12), na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), a mesa redonda Diagnósticos e Drogas psiquiátricas: dependência versus autonomia levantou o debate, com a coordenação de Andrés Techera, do Observatório Latino Americano e Caribenho de Direitos Humanos e Saúde Mental. As palestras e discussões estão disponíveis na íntegra no canal da ENSP no YouTube, com tradução para inglês, espanhol e Libras. 


Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, Tiago Pires Marques abriu as apresentações. Ele propôs que sensações de despersonalização e de irrealidade do mundo, comuns em pessoas em tratamento psiquiátrico, são causadas pelos medicamentos utilizados e não pela natureza do indivíduo ou por alguma doença. Foi o que chamou de “insegurança ontológica iatrogênica”, retomando conceitos descritos pelo autor Ronald Lang. “Iatrogênica porque é, paradoxalmente, provocada pela própria medicação. Essas drogas não produzem apenas efeitos secundários, mas sim uma outra estrutura da existência e da experiência”, alertou Marques.


Ele citou Lang para detalhar a ideia de insegurança ontológica. “O indivíduo, nas circunstâncias comuns da vida, pode se sentir mais irreal do que real. Num sentido literal, mais morto do que vivo, precariamente diferenciado do resto do mundo, de modo que a sua identidade e autonomia estão sempre em questão. Pode faltar-lhe a experiência da sua própria continuidade temporal. Pode não possuir um sentido predominante de consistência ou coesão pessoal”. As conclusões expostas por Marques são resultados de estudos desenvolvidos num projeto que coordena com a consultoria do pesquisador da ENSP Paulo Amarante. A pesquisa busca construir conhecimento sobre a área de saúde mental, reunindo estudiosos de diferentes disciplinas e também valorizando os saberes de pessoas que vivem com diagnósticos psiquiátricos. “Trata-se de uma pesquisa colaborativa, envolvendo essas pessoas na construção do projeto em todas as fases, discutindo inclusive as metodologias”, explicou. 

Em seguida, a psicóloga formada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UniSul) Mariana Witte Lins compartilhou sua vivência como sobrevivente da psiquiatria. Ela é administradora de uma página on-line que reúne pessoas com experiências semelhantes, como internações e usos de diferentes medicamentos. Após apresentar brevemente a origem do movimento de direitos civis dos sobreviventes da psiquiatria, Mariana focou na questão da perda de autonomia desses indivíduos. “Pessoas com diagnósticos psiquiátricos têm suas experiências redefinidas enquanto sintomas da psiquiatria. Essa redefinição causa a perda de autonomia e cria dependentes do sistema de saúde mental”, explicou. A palestrante completou dizendo que, num sistema que segue o modelo biomédico, são ignorados os contextos ligados a opressões sociais e de violências, verdadeiras raízes do sofrimento mental. 

Como obstáculos para a superação desse cenário, ela citou a concepção de saúde mental vigente, a falta de apoio às decisões dos pacientes e a retirada inadequada dos medicamentos. “As pessoas estão recebendo informação de que a doença mental é uma ‘doença como qualquer outra’ e que há um desequilíbrio químico. Além disso, quando decidimos tentar parar com a medicação, ouvimos que estamos sendo resistentes ao tratamento e ameaçam nos tirar das psicoterapias. Quando há a retirada da droga, ela é feita de forma rápida e perigosa”, argumentou Mariana.

A terceira e última palestrante foi a psicóloga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Camila Teodoro, que também se identifica como sobrevivente da psiquiatria. Ela relatou sua história de vida, contando como passou de uma “adolescente que sentia tudo muito intensamente”, que lidava com as dores escrevendo e se relacionando com a arte, para uma adulta que emendou depressão com crises maníacas, um diagnóstico de transtorno bipolar e tentativa de suicídio. “Sem avaliação aprofundada e cuidadosa do motivo do sofrimento, os profissionais que me atenderam passavam a ideia de que tinha um desequilíbrio químico no cérebro, como se tivesse ‘contraído’ depressão como se pega uma gripe, e que o remédio certo iria fazer passar. Só não passou como surgiram outros sintomas e, por consequência, outros diagnósticos”, contou. 

Em sua trajetória, Camila percebeu que os diversos medicamentos que os psiquiatras receitaram geravam novos problemas. “Ao contrário do que se propunha a fazer, que era cuidar da minha saúde mental, a medicação provocou perturbações emocionais, comportamentais e afetou meu modo de existir no mundo. Por conta das mudanças de humor, perdi relações, perdi amigos, emprego, libido e, por fim, perdi o sentido de viver. Foram dez anos de luta contra doença provocada pelo remédio que prometia me tratar”, disse a psicóloga. A virada de chave veio em 2017, quando assistiu à primeira edição do seminário A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. “Muitas vezes falta um olhar crítico dos profissionais de saúde para a questão do uso dos psicofármacos. Muitos deles desconsideram a experiência e a dinâmica existencial humana e usam os medicamentos como pílulas mágicas que vão supostamente o que está supostamente desarranjado no cérebro. Só que esses medicamentos causam desarranjo no cérebro. A iatrogenia passou despercebida pelos diversos profissionais que me atenderam”. Camila ponderou ao dizer que acredita na utilidade dos remédios psiquiátricos, desde que “sejam receitados de forma consciente e com cuidado para não medicar aspectos sociais e existenciais”.

Assista à mesa redonda e as debates que a sucederam no canal da ENSP no YouTube:




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