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Avaliação da pós-graduação e processos da publicação científica podem convergir para a Ciência Aberta?

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Publicado em:25/10/2024
Por Barbara Souza

Como os sistemas da avaliação da pós-graduação e da publicação científica podem convergir para a abertura e a democratização da ciência no Brasil? Este questionamento foi tema de debate na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) nesta terça-feira (22/10). Proposto pelo Núcleo de Ciência Aberta (NCA/ENSP), o evento discutiu dilemas atuais e as perspectivas na área. A atividade se inseriu na Semana Internacional do Acesso Aberto de 2024, que ocorre de 21 a 27 de outubro. Os participantes debateram problemas que levaram a um cenário considerado pouco solidário e de competição danosa entre cientistas, entre programas de pós-graduação e entre periódicos, além dos possíveis caminhos para superá-los. 

Conduzido pela Vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias de Lima, o encontro contou com dois convidados. O coordenador da área de Saúde Coletiva da Capes, Bernardo Horta, destacou as recentes mudanças no âmbito da avaliação da pós-graduação no país, detalhando alguns dos principais aspectos. A outra convidada foi a pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz-PE e coordenadora-geral de Educação da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Eduarda Cesse, que abordou a pluralidade da pós-graduação na Fiocruz, bem como a complexidade da gestão de 46 programas Stricto Sensu em todo o país. 

Também é professor do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, Horta explicou a nova estrutura de critérios avaliativos da Capes e a incorporação de critérios qualitativos, ressaltando um esforço contra uma lógica meramente quantitativa nas avaliações. O palestrante falou ainda sobre a importância da valorização das revistas científicas brasileiras. “O suporte aos periódicos nacionais tem sido discutido na Capes. Em algumas áreas, como a da saúde coletiva, há um histórico de indução, já com resultados positivos, pois algumas das publicações chegaram ao quartil superior. Mas temos que discutir, quando falamos disso, que o apoio não deve partir só da Capes, mas também da comunidade como um todo”, ponderou ao comentar sobre a frequente dificuldade em encontrar revisores de artigos, por exemplo. 

Luciana Dias de Lima, que é também Co-Editora Chefe da revista Cadernos de Saúde Pública, reforçou seu posicionamento sobre a questão. “Teríamos como avançar no âmbito da saúde coletiva pela valorização dos nossos periódicos? Eu acho que sim, pois temos um conjunto importante de revistas sérias, com um trabalho comprometido, e que merecem um aporte mais regular e sustentado de recursos”, comentou ao defender um “apoio mais sustentado de financiamento” aos periódicos da área da saúde coletiva. “Há uma desigualdade absurda em relação aos grandes publishes internacionais”, apontou. 

Já Eduarda Cesse expôs números que revelam a dimensão da pós-graduação na Fiocruz, ressaltou as assimetrias - especialmente do ponto de vista da distribuição regional dos cursos. A coordenadora-geral de Educação da VPECI/Fiocruz destacou o aniversário de 10 anos, em 2024, da Política de Acesso Aberto da instituição, listou as ações implementadas nesse âmbito e levantou reflexões sobre o desafio de conciliar esse movimento com a avaliação dos programas de pós-graduação. “Temos que fazer esse tipo de debate, discutir as discordâncias, mas fazer a tarefa de casa que é participar do processo da avaliação, senão estaremos fora do processo”. 

A palestrante provocou reflexões sobre indicadores qualitativos para avaliação de artigos que permitam um olhar mais personalizado, flexível e que possibilite uma avaliação voltada para a redução das assimetrias e, assim como os demais participantes, sobre contribuições para o melhor reconhecimento de periódicos nacionais e de acesso aberto. “Ainda reféns de altas taxas de publicação, como possibilitar uma produção de artigos com maior impacto social e acadêmico e que contribua para uma avaliação mais justa, considerando a diversidade das áreas de conhecimento, com valorização da ciência local e internacionalização?”, completou. 

Neste ano de 2024, em que completa 10 anos, a Política de Acesso Aberto da Fiocruz manteve o tema de 2023: “comunidade acima da comercialização”. Isso reforça a importância de se priorizar o acesso amplo e irrestrito ao conhecimento e apoiar práticas mais democráticas e colaborativas para a produção e disseminação científica que possam atender melhor às necessidades da sociedade e da comunidade acadêmica. O Núcleo de Ciência Aberta da ENSP propôs o debate por se preocupar com o fortalecimento do controle da comunidade científica sobre o conhecimento por ela produzido, por exemplo, através do apoio mais efetivo aos periódicos mantidos por instituições acadêmico-científicas e a redução do poder de influência dos grandes grupos editoriais privados, como afirmaram os palestrantes.

“A percepção de que o conhecimento científico é um bem comum da humanidade pela Unesco, no final dos anos 1990, junto a de que o mercado editorial estava impondo preços abusivos de assinaturas, impulsionou o movimento de ciência aberta. Mas impulsionou também, com as mudanças tecnológicas e informacionais, a criação de outros modelos de negócio das editoras, que hoje são grandes empresas globais de análise de dados e informações num movimento de adesão parasitária ciência aberta”, afirmou Luciana Dias ao lembrar da fala de Tatiane Pacanaro Trinca, no Centro de Estudos realizado em abriu deste ano na ENSP. A vice-diretora citou cinco efeitos principais da dinâmica do mercado de publicação científica no Brasil:

    1- Destinação de um volume expressivo do orçamento de pesquisa para cobrir despesas com taxas de processamento de artigos (APC), que representa cerca de 10% do orçamento da pesquisa;
    2- fuga de artigos e queda da qualidade dos artigos submetidos a periódicos mantidos por associações e instituições brasileiras;
    3- priorização de temas de interesse da política científica de países do Norte, com dificuldade por desenvolvimento de uma ciência soberana, democrática e responsável;
    4- aprofundamento das desigualdades entre os países do Norte e do Sul Global no compartilhamento de avanços científicos e
    5- aumento do número de revistas científicas com condutas editoriais predatórias e de artigos retratados.

Em breve, a íntegra do debate estará disponível no canal da ENSP no YouTube! 

Trecho da apresentação de Bernardo Horta destaca evolução dos quesitos de ficha de avaliação da Capes


Trecho da apresentação de Eduarda Cesse lista pontos críticos das regras de avaliação da pós-graduação no Brasil






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