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"O SUS é repleto de paradoxos"; analisa Eduardo Melo, coordenador-geral do Observatório do SUS

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Publicado em:09/10/2024

Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e Professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), desde julho de 2023 Eduardo Melo é coordenador-geral do Observatório do SUS. Nesta entrevista ao OTS, Melo comenta como o trabalho no Sistema Único de Saúde tem sido um dos focos de atuação do Observatório por ele coordenado.

No mês de julho deste ano o Observatório do SUS completou 1 ano de atividades. Gostaríamos que comentassem como e por que surgiu a ideia de organizar um Observatório do SUS. Que as principais pautas do Observatório nestes 12 meses e que conquistas podem ser comemoradas?

Diante da grandeza e complexidade do SUS, e do grau de especialização crescente da saúde coletiva, nosso propósito foi o de buscar uma maior visão de conjunto, agregar contribuições produzidas por diferentes atores internos e externos, e identificar as principais tendências, desafios e agendas em disputa.

Elegemos como foco a conjuntura, as políticas e as experiências do SUS. Nesse primeiro ano, priorizamos o que consideramos ser alguns de seus desafios estruturais. Penso que conseguimos mobilizar atores e produzir proposições relevantes, em torno de aspectos críticos do Sistema, para os quais buscamos dar mais visibilidade.

Os relatórios dos seminários que organizamos em parceria com a Abrasco são um bom exemplo da face concreta deste esforço, assim como os movimentos que desencadeamos  para produzir desdobramentos. De toda forma, um ano é pouco, ainda há muito o que fazer.

Numa perspectiva mais geral, que balanço o Observatório faz da trajetória do SUS até o momento, e quais são seus principais desafios na atual conjuntura?

O SUS é repleto de paradoxos. Os avanços são inegáveis, especialmente se considerarmos o contexto, que é desfavorável às políticas universais, em que eles foram produzidos em áreas como Saúde Mental, APS [Atenção Primária à Saúde], HIV/AIDS e transplantes, dentre outros.

Há grande heterogeneidade entre as realidades do SUS, problemas graves no acesso aos cuidados especializados, que por sua vez refletem outros pontos críticos, e a co-existência, muito desfavorável para o SUS, com um setor privado de saúde que reforça a saúde como bem de mercado e não como um direito de cidadania.

O reconhecimento social que o SUS obteve na pandemia ainda não contribuiu, até o momento, para um enfrentamento mais efetivo dos entraves em financiamento, regionalização, gestão do trabalho e da educação e nas relações público-privadas, que são, sem dúvida, grandes desafios do SUS.

O Observatório do SUS coloca a "gestão do trabalho e da educação na saúde" como uma de suas pautas – tema muito importante para o Observatório dos Técnicos em Saúde. Você vislumbra possibilidades de cooperação entre os Observatórios?

Certamente. Ainda que o OTS aborde com mais foco e profundidade os técnicos em saúde, e que estes possuam singularidades na formação e atuação, além de sofrerem mais fortemente os efeitos da desigualdade, creio que o trabalho em saúde e a interprofissionalidade, as condições gerais de trabalho, bem como a inscrição mais geral no cenário do SUS são solo comum dos trabalhadores da saúde e da gestão do trabalho e da educação.

O Observatório do SUS se debruçou sobre o tema “carreira no SUS” neste primeiro semestre de 2024. Que expectativas você tem sobre esse tema em relação à 4º Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, que será realizada em dezembro deste ano?

A precarização do trabalho se acentuou no SUS, o que é grave se considerarmos que o cuidado em saúde é fortemente dependente de trabalho humano e de continuidade, o que é difícil de se obter com vínculos frágeis.

Há condicionantes estruturais para as carreiras, como o financiamento, limitações impostas administração pública, a formação e regulação do mercado de trabalho, mas há também um bloqueio ideológico, ligado ao dispositivo neoliberal, que naturaliza a impossibilidade das carreiras. Precisamos enfrentá-lo.

A conferência e seus desdobramentos podem jogar papel importante nisto, desde que enfrente concretamente estas questões, notadamente junto às instituições políticas e governos.

De certo, não há solução mágica e há diferentes arranjos de carreira possíveis. O importante é começar, num modo gradual, que mostre que é possível, que faz diferença tanto para trabalhadores quanto para usuários, e que acumule forças pelo exemplo.

No relatório "Carreiras no SUS: Obstáculos e Alternativas", do Observatório em parceria com a Abrasco, foram sistematizadas 18 proposições. Dentre elas estão “Necessidade de desenvolvimento de estratégias de formação permanente pois a formação é estruturante para a proposta de carreiras no SUS” e “Privilegiar o regime estatutário e estabilidade dos profissionais como fatores que favorecem a permanência dos profissionais em contraponto aos modelos de OSS, Fundações e empresas públicas. Mas, avaliar a aplicabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de acordo com a natureza jurídica da organização, considerando se ela representa um modelo de precarização ou não”. O Observatório planeja iniciativas para defender ou monitorar a adoção e implementação destas propostas?

O Ministério da Saúde tem mapeado experiências de carreira bem como a situação dos vínculos de trabalho no SUS. Além disso, instituiu-se comissão para tratar do tema e elaborar proposições. Nossa intenção é de acompanhar tal processo, além de identificar experiências que nos pareçam promissoras.

 O mesmo relatório propõe “Pensar nas carreiras por nível de atenção e começar pela APS, pois estabelece um diálogo estratégico com a população, com a opinião pública”. Além dos diferentes níveis de atenção, há particularidades, por exemplo, entre as diferentes categorias e níveis de formação das trabalhadoras e trabalhadores do SUS. Como você vê esta questão em relação às técnicas e aos técnicos do SUS?

Pensar em carreiras temáticas e multiprofissionais não significa ignorar especificidades das profissões, sejam elas de ordem técnica, como escopo de atuação; formativa ou da dinâmica do mercado de trabalho. Neste sentido, os trabalhadores técnicos devem ter suas especificidades consideradas.

De que forma os observatórios da área da saúde, como o Observatório do SUS e o OTS, podem contribuir para a democratização e o controle popular na saúde pública?

Creio que acompanhando processos-chave, produzindo materiais oportunos , acessíveis e com linguagem e conteúdo mais facilmente apreensíveis, promovendo debates e outras atividades que envolvam diferentes atores sociais, bem como ofertando subsídios para as políticas públicas.

Jornalista: Paulo Schueler. Imagem: Virginia Dantas (ENSP).

Fonte: Observatório dos Técnicos de Saúde (EPSJV/Fiocruz)
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