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Evento na ENSP pelo Dia de Luta da PcD critica exploração capitalista do ‘mercado da deficiência’

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Publicado em:25/09/2024
Por Barbara Souza

Como o sistema capitalista tem se organizado para explorar as pessoas com deficiência? Que interesses estão por trás da visão capacitista que medicaliza a vida de tanta gente desde a infância? Questões como essas permearam a manhã de debates do seminário “Rearranjo das forças capitalistas e a necropolítica para eliminação das pessoas com deficiência”, realizado nesta segunda-feira (23/9), na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Pesquisadores, militantes da luta pelos direitos da pessoa com deficiência, representantes de movimentos sociais de territórios vulnerabilizados e gestores lotaram o auditório da instituição. 


O diretor da ENSP, Marco Menezes, celebrou o tema do evento e associou ao mote “Reparação histórica, desigualdades e a construção do comum” que guiou as comemorações do aniversário de 70 anos da Escola neste mês de setembro. Para ele, o encontro em referência ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (21 de setembro), data do calendário oficial da ENSP, marca o compromisso da instituição com a agenda. “Inclusão, diversidade, educação emancipatória e enfrentamento ao capacitismo. Trazer nossa instituição para esse lugar de luta é muito importante”, afirmou. Marco citou ainda ações de divulgação e popularização da ciência sobre o tema, como as cartilhas sobre a saúde das pessoas com deficiência, destacou o curso de Especialização em Direitos Humanos, Acessibilidade e Inclusão promovido pela Escola e reforçou a importância da participação social. “Hoje, falar de políticas públicas é falar sobre a disputa pelo orçamento público, sobre o papel do Congresso Nacional na destinação de recursos para a saúde e para os avanços sociais. É preciso também lembrar das eleições municipais, que são muito importantes nesse momento, com um olhar para os territórios. Por isso, o tema do evento foi muito bem pensado”. 

Na mesa “Capitalismo e necropolítica: desafios percebidos pela juventude”, Acauã Pozino, membro da Unidade Popular pelo Socialismo no estado do Rio de Janeiro, descreveu o momento atual do capitalismo e explicou a criação do chamado mercado da deficiência, com diversos impactos na realidade. Em sua análise, ele destacou que, para o sistema produtivista, a existência de pessoas com deficiência no mundo do trabalho, por exemplo, é um problema material. Por isso, foram criados artifícios para “incluir” esta parte da população sem prejuízos às classes dominantes.

“O mercado da deficiência hoje adquire uma nova forma através da diagnostificação de tudo. A conscientização sobre a neurodivergência está sendo explorada pelos monopólios que financiam o fascismo para geração de mais lucro”, afirmou Acauã ao criticar a venda de produtos e serviços voltados para supostos tratamentos destinados a pessoas com deficiência. “Quando não consegue nos eliminar, o capitalismo nos explora como mercadoria. Temos que dar a resposta para isso nas ruas, organizados coletivamente, em espaços como este aqui, ditando a nossa política para a sociedade e o mundo que a gente quer”, concluiu.



Mestranda em Letras na UFBA e influencer, Amanda Soares participou da mesma mesa e fez reflexões sobre a necropolítica como estratégia de eliminação das pessoas com deficiência. Ela afirmou ser comum a compreensão da pessoa com deficiência através da filantropia, da solidariedade e de um pacto de empatia, o que considera “muito redutivo”. Por outro lado, explicou, “enxergar essas pessoas como seres que produzem é entrar em embate com o capacitismo e com o capitalismo na forma que se estrutura hoje”. Amanda defendeu mais sinceridade nas ações de inclusão e ressaltou as diversas formas de esvaziamento da subjetividade das pessoas com deficiência. “A juventude precisa de muito mais do que uma discussão de capacitismo para conseguir resistir. Ela precisa de uma discussão sincera sobre subjetividade”. 

Os impactos da medicalização da vida na educação como mais uma estratégia de exclusão das pessoas com deficiência foi o tema em debate na segunda mesa do evento. Mestranda em Educação na USP, Mariana Rosa falou sobre como o capacitismo é conveniente para o avanço da pauta neoliberal nas escolas. Ela explicou que o preconceito opera a partir do modelo médico da deficiência, que é individual e baseado em diagnósticos. “Aprendemos desde cedo que a deficiência é um problema, uma ausência”, lamentou. Nessa lógica, há algo a ser tratado, curado ou eliminado. Tal raciocínio capacitista é interessante para o mercado que vende produtos e serviços com essa finalidade, inclusive no mundo da educação. “Para o neoliberalismo, não interessa eliminar a PcD, mas sim explorar a deficiência como uma mercadoria. Para cada pessoa, é oferecido um modelo de intervenção diferente. A chamada educação inclusiva virou um produto e o ensino virou um protocolo”.

Já a diretora do Centro de Referência em Educação Inclusiva (CREI), do Sesc e do Senac, Maria Antônia Goulart, palestrou sobre a medicalização da infância e a desresponsabilização da escola. A convidada criticou o discurso corriqueiro de que as escolas não estão aptas para receber alunos com deficiência e questionou a insistência num modelo de educação que, segundo ela, “não serve mais a ninguém”. Na análise de Maria Antônia, categorizar comportamentos e características das crianças em doenças e diagnósticos é uma forma de garantir que elas se encaixem numa proposta de ensino já obsoleto para todos, independentemente da presença de deficiência. Para ela, a patologização e a medicalização servem para encaixar os estudantes numa forma. “As escolas precisam falar de aprendizagem antes mesmo da questão das crianças com deficiência. Como as crianças e adolescentes de hoje aprendem no geral?”, questionou a diretora do CREI. Maria Antônia afirmou que a resposta a esta pergunta provocará uma discussão que levará a alterações profundas em toda a estrutura educacional para as quais os agentes desse setor ainda não estão dispostos. 


Homenagem e reconhecimento
Também durante o evento, a Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella (MDHC), recebeu a 2ª edição do Selo Fiocruz pelo Mérito na Luta Anticapacitista, uma iniciativa conjunta da ENSP e do Comitê Fiocruz pela Inclusão e Acessibilidade das pessoas com deficiência. A honraria foi entregue pelas mãos da pesquisadora da ENSP, Laís Costa, e do membro do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade das Pessoas com Deficiência, Gabriel Simões. A secretária foi escolhida pela contribuição que tem prestado à causa da PcD no cargo que ocupa, sendo ainda a primeira mulher a coordenar uma Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. “Foi sob sua gestão que, pela primeira vez na história do nosso país, o termo capacitismo entrou na legislação. Foi com a sua parceria incansável que a campanha do enfrentamento ao capacitismo foi disseminada no país. Pela primeira vez o compromisso com a comunicação universal, estabelecida na Conferência, menciona a necessidade de avançar com a mediação de pessoas com deficiência intelectual e psicossocial”, afirmaram Laís e Gabriel durante a homenagem. 


“É necessário politizar o debate para além da luta por acessibilidade”, disse Anna Paula Feminella na cerimônia que abriu o evento. A secretária defendeu o Estado presente, com mais orçamento e planejamento, e lembrou da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que teve a presença do presidente Lula e de ministros. Ao lado dela, também estiveram na mesa de abertura a subsecretária municipal da pessoa com deficiência do Rio de Janeiro, Flávia Cortinovis, o coordenador-geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, Arthur Medeiros, além de Manoel Negraes, do Comitê Fiocruz pela Inclusão e Acessibilidade das pessoas com deficiência, e de Agna Cruz, mulher preta com deficiência, ativista e atleta paralímpica. 

A subsecretária falou da urgência de se pensar na vida adulta das pessoas com deficiência, citando o emprego apoiado como uma política a receber mais atenção. Antes dela, Arthur Medeiros reforçou o compromisso do governo federal com a pauta, lembrou da atualização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência e destacou a formação e a capacitação dos profissionais para “assistência qualificada e oferta do cuidado adequadamente”. Já Manoel Negraes denunciou a invisibilidade sofrida pelas pessoas com deficiência e afirmou que vivem um “dia a dia de luta por direitos básicos”. Agna Cruz contou brevemente sua história, defendeu o fortalecimento dos movimentos sociais não apenas no Dia de Luta, mas durante o ano todo, e declarou sobre a maternidade: “não sou mãe atípica, sou só mãe”.  

Assista às mesas da manhã:




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