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Conheça projeto que prepara profissionais de saúde para atendimento à população LGBTQIAPN+

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Publicado em:09/07/2024

Por Bruna Abinara e João Tuasco*

Falta de acolhimento pela sociedade, invisibilização da existência, receio de sofrer preconceito e vulnerabilidades socioeconômicas atravessam a vida da população LGBTQIAPN+. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Pólis, houve aumento de 970% nos registros de violência contra a população LGBTQIAPN+ pelos serviços de saúde na cidade de São Paulo, entre 2015 e 2023. Os dados mostram que violências físicas corresponderam a 45% dessas ocorrências, enquanto violências psicológicas, 29%, e sexuais, 10%. Além disso, aproximadamente metade desses episódios ocorreu em casa.  

Frente a números como esses, é imprescindível pensar em como violências estruturais e cotidianas infringem os direitos dessas pessoas em relação ao acesso à saúde. Em entrevista ao Informe ENSP, a pesquisadora Fátima Cecchetto, do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), comentou o tema. Ela coordena a pesquisa "DGER Saúde: Boas Práticas Profissionais na Saúde Integral, Inclusiva e Afirmativa da População LGBTQIAPN+" ao lado do pesquisador João Alves, coordenador adjunto. A sigla DGER significa Diversidade de gênero, de expressões e relações.  

A proposta de estudo foi selecionada pelo Edital de 2023 do Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e dos Serviços de Saúde (PMA), promovido pela Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB/Fiocruz). O programa fomenta pesquisas coordenadas por servidores da Fundação, para potencializar a produção de conhecimento científico, o desenvolvimento de tecnologias sociais e a criação de soluções inovadoras. 

Confira a entrevista na íntegra com os coordenadores da iniciativa:  

Há um expressivo aumento na violência contra LGBTQIA+. Qual a importância de termos profissionais preparados para atender esse grupo num contexto de vulnerabilidade? 

Fátima Cecchetto: Os profissionais, trabalhadoras e trabalhadores, estão na linha de frente dos serviços e atuam na interface entre o Estado e a sociedade. Eles são os responsáveis pela implementação das políticas públicas e, sem eles, não é possível que essas políticas cheguem até a população. Eles se equilibram entre as normas institucionais e a capacidade de ser sensível às demandas dos indivíduos. Então, um bom treinamento garante que esse profissional conseguirá atender às demandas do público, da população e, ao mesmo tempo, seguir normas e regras institucionais. 

João Alves: O programa se propõe a oferecer esse conhecimento aos profissionais para que possamos combater os preconceitos e estereótipos. Para que possamos oferecer essa formação num desenvolvimento cada vez mais intenso, cada vez mais amplo quando nós pensamos na competência dos profissionais da Saúde. A capacitação será integrada com a cultura, para que alcancemos cada vez mais níveis superiores de ações necessárias ao desenvolvimento da equidade na saúde de um modo geral. 

Quais são os principais objetivos do projeto 'DGER Saúde: Boas Práticas Profissionais na Saúde Integral, Inclusiva e Afirmativa da População LGBTQIAPN+'? 

Fátima Cecchetto: Os principais objetivos são conhecer e identificar os principais problemas que a população LGBTQIAPN+ enfrenta para ter o acesso às políticas e aos serviços. Depois, identificados esses problemas, quais são as estratégias para enfrentar essas dificuldades, tanto do ponto de vista institucional, quanto da população? Com a população consegue acessar os serviços?  

Outro objetivo é formar profissionais para que eles fiquem capacitados a atender esse público. Essa formação inclui um curso com algumas oficinas, que também serão discutidas com eles. Nesse modelo de oficina, adotamos uma metodologia mais participativa, propomos alguns temas e as pessoas desenvolvem a partir do que elas conhecem, do que elas sabem. Nada melhor do que a população e os trabalhadores para identificar quais são as melhores estratégias para enfrentar essa questão do acesso aos serviços. O objetivo é enfrentar as discriminações que esse público recebe, enfrentar os preconceitos: a homofobia, a transfobia, tudo isso está presente nesse universo. Com esse projeto, também pretendemos conhecer e identificar boas práticas para o enfrentamento dos preconceitos. 

Como o projeto está sendo desenvolvido? 

Fátima Cecchetto: Estamos na fase inicial do projeto, fazendo o que chamamos de pré-campo e conversando com parceiros e colaboradores de algumas instituições, como o Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), por exemplo. Estamos conversando com os parceiros para formar uma equipe de trabalho, além do Conselho de Ética, que é o primeiro passo.  

O segundo momento será para fazer dois estudos. O primeiro é quantitativo, em que estamos fazendo um levantamento da amostragem. O segundo é um trabalho mais qualitativo, no qual serão desenvolvidos grupos focais com trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Único de Saúde, além de lideranças do movimento LGBTQIAPN+. 

O estudo qualitativo envolve a realização de entrevistas e grupos focais com trabalhadores e trabalhadoras do SUS, junto a algumas personalidades e figuras proeminentes no mundo LGBTQIAPN+. Os encontros servirão para conhecer os principais problemas e as estratégias que já existem para enfrentar essa questão da transfobia, do racismo e da homofobia.  

A partir dos grupos focais, vamos levantar as expectativas as práticas, as dificuldades, os limites que eles têm para o acesso aos serviços. Depois, vamos analisar e sistematizar esses dados, o que vai formar a base dos temas que serão tratados nas oficinas. Sempre a partir de metodologia mais participativa, numa interação dialógica. Nesse caso, não existe o pesquisador e o sujeito, existe uma interação de pessoas que estão pensando sobre um tema e as principais estratégias para enfrentar o problema. É um estudo quanti-quali, que vai trabalhar com essas duas vertentes tanto qualitativa, quanto quantitativa. 

Quais são as primeiras impressões e os principais resultados esperados? 

Fátima Cecchetto: A principal impressão é que os trabalhadores dos serviços médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos realmente reconhecem os limites e algumas dificuldades no acesso da população LGBTQIAPN+. Eles reconhecem algumas dificuldades e são muito abertos para qualquer tipo de iniciativa que venha favorecer o acesso desse grupo. Não encontramos nenhuma resistência, pelo contrário: muita abertura e muita vontade de participar e colaborar com esse trabalho na formação dos profissionais que vão atuar com esses grupos. Até o momento, temos muita expectativa de que o trabalho vai dar bastante certo.  

Como resultado, esperamos uma sensibilização dos profissionais do SUS voltada para o acesso da população LGBTQIAPN+ aos serviços. O nosso desfecho é esse: sensibilizar os profissionais e capacitá-los mais ainda e desenvolver as oficinas, que também estamos chamando de cursos, e produzir algum tipo de material instrucional que fique disponível tanto para os trabalhadores e trabalhadoras, quanto para a população LGBTQIAPN+.  

Qual a importância de desenvolver a pesquisa em diálogo com a população LGBTQIAPN+ e com os profissionais da saúde? 

Fátima Cecchetto: A importância da ideia de desenvolver uma metodologia participativa é horizontalizar o trabalho para que consigamos fazer, de fato, uma troca dialógica entre as percepções que temos a partir da academia e as práticas das pessoas que estão na linha de frente do serviço, interagindo face a face com o público. Porque nós conhecemos bem alguns problemas e temáticas relacionadas a questões de gênero, à questão da transfobia, conhecemos o mundo acadêmico, intelectual e as ideias em torno disso, mas os trabalhadores e trabalhadoras estão de frente com os serviços, enfrentam os problemas e conhecem o público. Eles sabem quais são as dificuldades desse público atravessado por vários marcadores de diferença, como classe, geração e lugar onde mora. Assim, quando conversamos com os profissionais que atuam com a população LGBTQIAPN+, normalmente, eles falam que são pessoas que moram em áreas vulnerabilizadas, que vêm de territórios periféricos. Muitos têm dificuldade de chegar até o serviço por questão financeira, de meio de transporte. Muitos se ‘autoexcluem’ dos serviços, porque têm receio de sofrerem preconceitos, muitos não são reconhecidos na família, muitas pessoas atendidas nos serviços não têm apoio em casa.  

João Alves: A realidade que nós temos na Saúde de um modo geral quando direcionado para a saúde da população LGBTQIAPN+, – ou seja, a diversidade sexual, de gênero, relacional e de expressões – nos remete a uma desigualdade e a um Estado em que a qualidade da atenção oferecida para essa população ainda está abaixo quando comparado com a população hétero ou a população não LGBTQIAPN+. Preconceito e estereótipos comprometem intensamente a qualidade do serviço prestado e o desenvolvimento das políticas públicas. 

Fátima Cecchetto: Então, muitas vezes, o serviço é o único local onde elas podem ter essas expressões de gênero e de sexualidade. Essa é a importância a ideia, de trocar com esses profissionais para fazer um grande trabalho conjunto a fim de promover saúde junto à população LGBTQIAPN+. 

O nome do projeto é “DGER Saúde: Boas Práticas Profissionais na Saúde Integral, Inclusiva e Afirmativa da População LGBTQIAPN+”. O projeto irá buscar boas práticas? Elas não existem?  

Fátima Cecchetto: Eu não diria que não existem boas práticas, porque as políticas estão aí, mas elas estão em um nível macro. Por isso, precisamos fazer o processamento dessa política para que ela consiga se efetivar na ponta, já que há uma distância entre o que é planejado e o que é possível de fazer nos serviços. Então, o importante é encurtar essa distância entre a política pública macro e a micro social, para que possam acontecer na abordagem com o público.  

Não diria que não existam boas práticas, mas, talvez por questões burocráticas, muitos profissionais não conseguem ter acesso à capacitação. Muitos serviços se encontram às vezes com ausência e falta de profissionais. Precisamos entender como está esse cenário, porque as políticas existem. Precisamos processar essa política de modo que ela consiga atender as pessoas que estão na ponta. 


*Estagiários sob a supervisão da jornalista Barbara Souza



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