12º CBA debate as aproximações entre agroecologia e saúde
Por Vinícius Mansur
A aproximação entre os campos da saúde e da agroecologia foi o enfoque da conferência ‘Promover Saúde’, realizada na tarde desta terça-feira (21) na arena da Fundição Progresso, durante o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA).
A atividade foi antecedida de uma intervenção da atriz do Centro do Teatro do Oprimido Raquel Dias e, em seguida, coordenada pela professora da Universidade Federal do Ceará e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e da Associação Brasileira de Agroecologia, Raquel Rigotto.
“Hoje nós vamos inventar o conceito de promoção da saúde agroecológica”, brincou a coordenadora, antes de convidar as três mulheres que compuseram a mesa.
Agrotóxicos
A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, coordenadora do Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Fiocruz e ativista da Campanha Nacional Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Aline Gurgel, foi a primeira a falar e detalhou como os agrotóxicos são um problema para a soberania e segurança alimentar e nutricional.
Ela destacou como os países ricos têm lucrado vendendo muitos agrotóxicos proibidos lá para os países do sul global, onde os venenos são permitidos, com destaque para o Brasil. “Esses países exportam riscos e agrotóxicos obsoletos nesses países vem sendo usados aqui”, criticou.
De acordo com a pesquisadora, o uso de agrotóxicos no Brasil cresceu 6 vezes nos últimos 20 anos e a regulação dessas substâncias foi radicalmente flexibilizada a partir de 2016. Atualmente 1496 ingredientes ativos são permitidos no país. Tudo atrelado ao modo de produção do agronegócio.
“Ele promove o monocultivo genético e, assim, a perda da sociobiodiversidade. Quando uma praga ataca um tipo genético, não há diversidade para permitir que outros resistam. Assim são reduzidas ou morrem polinizadores e, com eles, culturas como a melão, da melância, do maracujá. Isso já vem acontecendo em várias regiões do Brasil”, exemplificou.
“A agroecologia é o modelo possível de enfrentamento ao agronegócio. Uma ruptura e uma transição para um modelo socialmente justo, ambientalmente saudável e sustentável e também uma forma de justiça ambiental e cognitiva, respeitando a ancestralidades e os povos”, defendeu Aline Gurgel.
O perigo dos ultraprocessados
Assim como o uso intensivo dos agrotóxicos, o crescimento da oferta de ultraprocessados também é produto do modelo que sustenta o sistema alimentar hegemônico. Essa foi a afirmação da segunda palestrante da mesa, a nutricionista, coordenadora técnica do Guia de Alimentação do Brasil e professora titular do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo, Patrícia Jaime.
O Nupens é responsável por cunhar a definição de alimentos ultraprocessados na literatura científica nacional. Entre as características comuns a esses produtos, estão o fato de serem hiper-palatáveis, objetos de marketing agressivo e com grande potencial de desregular as refeições, promover o consumo compulsivo e impactar negativamente a saúde das pessoas.
“As evidências científicas são muito consistentes – mais de 30 meta-análises - em relacionar os ultraporcessados e a mais de 20 desfechos de saúde, como o câncer e, atualmente, estão muito associados à depressão”, explicou a pesquisadora.
Estudos mais recentes têm demonstrado como o consumo de ultraprocessados cresce entre os brasileiros. Os dados apresentados por Patrícia Jaime indicam que, na década de 1980, cerca de 10% das calorias da população brasileira vinham desses produtos, número que hoje alcança os 23%. Este consumo tem aumentado mais entre os mais pobres e entre os indígenas. “A dieta brasileira está piorando e piorando para padrões muito altos”, alertou.
Para além dos reflexos na saúde individual e coletiva, Patrícia Jaime também chamou atenção para os impactos ambientais dos ultraprocessados, produzidos por indústrias de grandes pegadas de carbono e hídrica, com altos índices de contaminação de solos e águas.
“O que tudo isso tem a ver com a agroecologia? O olhar sistêmico. Na realidade somos a mesma turma, que faz um enfrentamento ao sistema alimentar hegemônico que mata as pessoas e destrói o meio ambiente”, definiu.
Aproximações virtuosas entre agroecologia e saúde
A terceira e última palestrante foi a recém-doutora em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e professora da Universidade Federal do Cariri, Ada Pontes Aguiar.
“Existem aproximações virtuosas entra a agroecologia e os cuidados integrais com as vidas para promover saúde? Suspeito que sim. Listei seis perspectivas”, introduziu Ada Pontes.
A primeira trata do protagonismo das mulheres na agroecologia e nos cuidados integrais com as vidas. A segunda é a compreensão profunda de que somos natureza e, por isso, estamos integrados às diversas teias ecossistêmicas da vida. A terceira diz respeito a percepção integrada entre os desafios atuais existentes no planeta e o compromisso com a visibilização de caminhos outros que já estão sendo construídos para garantir a produção da vida. “É preciso reconhecer e regar essas sementes”, disse a doutora pela ENSP.
A quarta perspectiva destaca a valorização de diálogos interdisciplinares e interculturais para construção compartilhada de conhecimentos que considere radicalmente os diversos saberes produzidos por povos e comunidades historicamente vulnerabilizadas. O quinto ponto da lista é o compromisso de construir uma ciência engajada com o enfrentamento dos desafios planetários e civilizatórios em curso. Por fim, descolonizar e “corazonar” a saúde, a agroecologia e os cuidados integrais com as vidas.
“Nosso lado é esse. Não é só valorizar, mas perceber que esses conhecimentos precisam vir à tona para viabilizar uma transição”, conclui Ada.
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