ENSP 69 anos: Escola debate o enfrentamento ao assédio moral e sexual
No mês em comemoração aos seus 69 anos, a ENSP promoveu nesta terça-feira, 18 de setembro, a mesa ‘Quebrando o silêncio: fortalecendo o apoio contra o assédio moral e sexual’. A atividade contou com a participação da assistente social da Coordenadoria de Saúde do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT/RJ) Karla Valle, que falou sobre a violência laboral e o assédio moral e sexual nas relações de trabalho. O debate foi coordenado pelo assessor técnico da ENSP Lisâneo Melo, que destacou o enfrentamento da Escola nos casos de assédio moral e sexual, e apontou as instâncias que devem ser procuradas nestes casos. Na mesa data, foi relançada a 'Cartilha de Assédio Moral e Sexual no Trabalho', com apresentação da coordenadora da Coordenação Geral de Gestão de Pessoas da Fiocruz, Andrea da Luz.

A Sociedade do cansaço e a cultura do desempenho
A assistente social do TRT/RJ, Karla Valle trouxe para o debate com a comunidade da ENSP reflexões sobre a violência laboral e o assédio moral e sexual nas relações de trabalho, a partir sua experiência profissional nos atendimentos a trabalhadores e também fruto de sua jornada acadêmica, como doutora em serviço social e professora substituta da UFRJ. Ela abordou em sua palestra como identificar, enfrentar e prevenir a violência e o assédio nas relações de trabalho. Valle iniciou o debate destacando que a sociedade do século XXI é a sociedade da cultura do desempenho, trazendo a intensificação laboral e a maior pulverização dos limites entre o tempo de vida e trabalho. “Isso leva ao que alguns autores apontam como o fenômeno da vida reduzida. Estamos diante de uma sociedade do cansaço e do doping, na qual as pessoas usam medicamentos e drogas para resistir", salientou ela.
Segundo ela, nesta cultura, corpo e saúde estão associados ao culto à longevidade individualizada, à medicalização desenfreada e à ordem estabelecida de submissão aos padrões determinados pela cultura imposta. “Com isso, se despolitiza a concepção de saúde transformando a em mais um aspecto restrito a esfera individual ou íntima e, portanto, enfraquecendo o debate sobre o sofrimento no trabalho”, advertiu ela. Neste contexto, a assistente social apontou que o trabalhador vive três crises: a da vida pessoal; a de sociabilidade; e a de autorreferência pessoal.
"Estamos diante de novas formas de adoecer que permeiam a dimensão da autoagressividade, numa sociedade em que estar vivo passou a se resumir ao sobreviver. Estamos cada vez mais hiperconectados, adicionando ao nosso trabalho o gerenciamento da comunicação, ou seja, adicionado mais uma dimensão ao nosso trabalho, e isso vem aumentando os problemas de saúde decorrentes do estresse”, alertou Valle. Na perspectiva da dimensão da hiperconectividade, ela trouxe o conceito da Telepressão, que tem como característica o sentimento de aflição e urgência em responder e-mails, mensagens instantâneas de texto e voz de supervisores, clientes e colegas - mesmo em horários de folga e férias. “A Telepressão traz o crescimento da possibilidade de fiscalização do trabalho diário e das chances de majoração do tempo regulamentar de trabalho. Ela se caracteriza pela pressão imediatista por trabalhar fora do horário do expediente. É um fenômeno que interfere no processo de recuperação pós-trabalho, pois está relacionado ao estresse e à falta de foco nas atividades, afetando a qualidade do serviço e a produtividade; alimentando uma cultura institucional de disponibilidade ou prontidão contínua, e também se configurando em Teleassédio moral e sexual”, explicou ela.
O sofrimento no trabalho
Sobre o sofrimento no trabalho, de acordo com a assistente social, advém do medo de não satisfazer as incansáveis exigências; da defasagem entre o trabalho real e o trabalho prescrito; do contexto que leva o sujeito a executar mal o seu trabalho; do não reconhecimento no trabalho; da intensificação da carga de trabalho e degradação progressiva das relações de trabalho; e da vergonha por queixar-se do seu emprego, visto que há pessoas em situações piores. “A participação consciente do sujeito em atos injustos é resultado de uma atitude calculista para manter seu lugar, conservar o seu cargo, sua posição, seu salário, suas vantagens. Assim, pessoas de ‘bem’ participam, contribuem, incitam e se omitem diante do mal ou injustiça cometido contra outra pessoa, em nome da finalidade pessoal e organizacional. O problema levantado é a atuação pessoas de ‘bem’ no mal como sistema de gestão, como princípio organizacional”, destacou ela. O Conflito Laboral
Karla Valle também trouxe para o debate o conceito de conflito laboral, que denota a necessidade de mudanças institucionais e pode ser positivo à organização. No conflito, há espaço para que as ponderações transcendam a dimensão pessoal e se foquem na organização do processo de trabalho e do ambiente laboral. “Em um conflito, as reclamações são faladas, explicitadas. Já no assédio, existe o não falado, o não explicitado. no conflito há uma relação de horizontalidade. Há assédio moral onde não pode haver conflitos”, explicou ela.
A Violência Laboral
A violência laboral é conceito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que debate este fenômeno específico do mundo do trabalho como uma associação entre a violência psicológica e moral. Segundo Valle, todas as formas de comportamento agressivo ou abusivo que possam causar dano físico, psicológico ou desconforto em suas vítimas e se correlacionem com o ato de produzir, são consideradas violência laboral. “A categoria violência laboral viabiliza a reivindicação de uma série de demandas latentes que nunca foram consideradas, acerca de comportamentos abusivos no mundo do trabalho que não são assédio moral, propriamente dito”. De acordo com a assistente social, a violência laboral pode ser provocada por distorções gerenciais, que envolvem a gestão por injúria, por discriminação, por manipulação, por fofoca, e por pressão.
Pilares do Assédio Moral e Sexual
Karla lembrou que a discriminação e a humilhação são os pilares do assédio moral e sexual. Segundo ela, a causa maior do assédio moral deve ser buscada em três tendências gerencialistas: o hiato entre os objetivos fixados e os meios atribuídos; a defasagem maciça entre as prescrições e a atividade concreta; a distância entre as recompensas esperadas e as retribuições efetivas. “Todo assédio moral é organizacional. Ao buscar a causa de assédio moral não se deve buscá-la nas pessoas, mas, principalmente, na forma como o trabalho é organizado e como as tarefas são distribuídas e administradas pela gestão. Não há, em geral, distúrbios psiquiátricos naqueles que assediam e, sim, uma racionalidade planejada. Há que se analisar o processo produtivo antes de se culpabilizar pessoas”, afirmou ela. Ela lembrou ainda que assédio é uma forma de disciplinar e enquadrar. É uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no meio ambiente laboral, cuja causalidade se relaciona com as formas de organizar o trabalho e a cultura organizacional, que visa humilhar e desqualificar um indivíduo ou grupo, degradando suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional “A intencionalidade é constatada pela repetição e duração do ato. Não podemos confundir o assédio moral com o conflito. Há assédio justamente onde não pode haver conflitos”, ressaltou Valle.
De acordo com Karla, o suicídio no trabalho tem fortes vínculos com a organização do trabalho, cada vez menos tolerante à diversidade humana (embora se fale muito disso) e mais demandante de uma pessoa dotada de uma personalidade resiliente. "O assédio moral é parte de uma engrenagem voltada ao alcance de altos índices de produtividade e desempenho. É uma ferramenta de gestão", explicitou.
Sobre o assédio sexual, ela citou a Lei 14.540 de 2023, sancionada pelo presidente Lula, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal. Ela destacou também, que o assédio sexual é crime e se configura por chantagem ou por intimidação. “O assédio sexual é uma violência que não é motivada pelo sexo, mas pelo poder. O agressor possui poder para prejudicar a vítima se houver resistência. Ele se expressa por gracejos inoportunos, abusivos, inadequados, que possa ser desencadeado por superior hierárquico. Nestes casos, a resposta da vítima que vai determinar se a conduta de natureza sexual é ofensiva ou não, diferente do assédio moral. O desafio é a não culpabilização do alvo. Para isso, é imprescindível uma política organizacional que legitime, incentive e promova o não”, ressaltou Karla.
Por fim, a assistente social do TRT/RJ Karla Valle, apontou estratégias imediatas e individuais sobre o que fazer caso você esteja sendo alvo de assédio, além do que fazer caso presencie alguém sendo alvo de assédio. Confira na apresentação de Karla Valle, os slides com os apontamentos. Clique aqui e abra a apresentação.
Relançamento da Cartilha de Assédio Moral e Sexual no Trabalho no aniversário da ENSP

Dando continuidade ao debate proposto pela mesa da manhã, na parte da tarde, foi relançada na ENSP a ‘Cartilha de Assédio Moral e Sexual no Trabalho’, com a participação da Coordenadora da Coordenação Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe/Fiocruz), Andrea da Luz; da ouvidora-adjunta da Ouvidoria Fiocruz, Daniela Bueno; e da chefe do Serviço de Gestão do Trabalho da ENSP, Andrea Couto. A mesa foi coordenada pelo assessor técnico da ENSP, Lisâneo Melo.
A Cartilha, além de renovar o compromisso da Fiocruz com os valores democráticos e a constituição de ambientes saudáveis, pautados por relações éticas nos mais diversos espaços de trabalho, reforça que continuaremos intolerantes com todas as formas de violência dentro e fora da instituição. *Com informações do Portal Fiocruz.
Confira, abaixo, o vídeo da apresentação do relançamento da Cartilha na íntegra.
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