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Censo 2022: Pesquisador da ENSP comenta resultados recém-divulgados sobre os povos indígenas

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Publicado em:11/08/2023

Por Tatiane Vargas 

Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e professor do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ricardo Ventura Santos comenta os resultados do Censo 2022 sobre a população indígena. Segundo o antropólogo, o levantamento tem apresentado inovações em seus instrumentos e procedimentos de coleta de dados. O Censo Demográfico de 2022 aponta que o Brasil ultrapassou um milhão de indígenas. No último Censo, realizado em 2010, o IBGE contou 896.917 mil indígenas. Isso significa uma ampliação de 88% desde o Censo anterior. De acordo com o IBGE, o aumento expressivo pode ser explicado por diversos fatores, incluindo questões ligadas a inovações metodológicas implementadas para o Censo atual.

No evento 'O Brasil Indígena: Uma nova foto da população indígena', realizado na segunda-feira (7/8), em Belém, foram divulgados os primeiros resultados do Censo no âmbito da população indígena. Além do expressivo aumento de pessoas que se autodeclararam indígenas, o momento também foi marcado pelo atual protagonismo indígena no governo federal, com a presença da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que destacou em sua fala “Nunca mais o Brasil sem nós”. Para Ricardo Ventura Santos, membro do Grupo de Pesquisa da ENSP 'Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas', que atua desde o início dos anos 1990 nas áreas de pesquisa, formação e cooperação, o registro de mais de 1 milhão de pessoas declaradas indígenas no país, é, definitivamente, um momento histórico. 

"Os achados do Censo 2022 para a população indígena precisam ser colocados em um contexto temporal e sócio-político amplo. A população indígena quase que duplicou em relação ao censo anterior, e esse aumento não pode ser explicado unicamente por fatores de ordem demográfica (como fecundidade, mortalidade e migração, entre outros fatores)", apontou Ventura Santos. O IBGE enfatiza que há questões ligadas a inovações metodológicas implementadas para o Censo 2022, além do aumento da cobertura, que estão envolvidas no aumento da população indígena entre 2010 e 2022. "Nos próximos anos, com o aprofundamento das investigações, será possível ter um panorama dos muitos fatores envolvidos, um dos quais é uma maior quantidade de pessoas se reconhecendo como indígenas no país ao longo das décadas, em um processo de valorização de pertencimento étnico", frisou.

Crédito foto: Joédson Alves/ Agência Brasil. 

Este é o quarto censo na história recente do país no qual se tem a categoria 'indígena' como opção na pergunta sobre cor ou raça. De acordo com o pesquisador, desta forma, não somente o próprio Subsistema de Atenção à Saúde Indígena - parte da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas - como a coleta de dados sobre os povos indígenas nos censos demográficos, se atrelam às mudanças sobre as responsabilidades do Estado no contexto da Constituição de 1988. No artigo 231, por exemplo, a Constituição indica que são "reconhecidos aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. De acordo com Ventura Santos, visibilizar os povos indígenas nas estatísticas públicas, como é o caso do Censo 2022, faz parte de um longo processo histórico e sócio-político.

"O Censo 2022 tem muitas inovações metodológicas e de procedimentos relacionados à participação indígena que colocam as estatísticas públicas sobre os povos indígenas no Brasil em um outro patamar, tanto nacional como além deste cenário. Nosso Grupo de Pesquisa tem participado em discussões sobre a temática indígena em estatísticas públicas em perspectiva internacional, o que inclui análises sobre iniquidades em saúde. Esses novos resultados serão importantes na ampliação dessas discussões, como se pode exemplificar pela questão da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável no tocante aos povos indígenas. Citaria também a importância dos resultados do Censo 2022 no âmbito da implementação de iniciativas como a recente e pioneira “Resolução sobre a Saúde dos Povos Indígenas” da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2023. A proposição e elaboração dessa resolução, que dentre muitas questões aborda a importância de fontes e sistemas de informação para análises de iniquidades na saúde dos povos indígenas, envolveram importante participação da Fiocruz", explicou ele.

Ainda segundo a pesquisador, os resultados do Censo 2022 tem muitas implicações para as políticas públicas no campo da saúde. Os dados censitários são utilizados como denominadores nos mais diversos indicadores relacionados ao adoecimento e morte em populações humanas. Neste contexto, o Grupo de Pesquisa 'Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas' participou de inúmeras investigações sobre iniquidades em saúde ligadas a saneamento e mortalidade, entre outros temas, utilizando os dados de censos anteriores, em particular o de 2010. "A partir da pandemia de Covid-19 estivemos intensamente envolvidos em análises que demandaram a utilização de dados censitários sobre a população indígena, assim como em estudos mais recentes sobre cobertura vacinal. Também desenvolvemos ao longo dos últimos anos investigações de caráter antropológico e sócio-histórico sobre a quantificação dos povos indígenas pelo Estado Brasileiro. Portanto, são abordagens muito vinculadas à compreensão da trajetória das políticas públicas voltadas para os povos indígenas", pontuou Ventura Santos.

Para ele, a divulgação dos resultados do Censo 2022 abre um novo cenário para as atividades de pesquisa, formação e cooperação para o Grupo de Pesquisa da ENSP, assim como para as redes de pesquisa existente no país, em torno da temática da saúde e demografia dos povos indígenas. "Temos um particular interesse em desenvolver atividades em parceria com pesquisadores e pesquisadoras indígenas em torno da temática. Durante a divulgação do Censo de 2022, a centralidade dos dados censitários para a população indígena para as políticas públicas foi enfatizada por lideranças indígenas que atualmente ocupam cargos importantes como a Presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI/ Ministério da Saúde). Joenia Wapichana e Ricardo Weibe Tapeba, respectivamente, ao mesmo tempo que refletiram sobre as perspectivas do movimento etnopolítico indígena acerca da importância dos resultados do IBGE, ambos também indicaram a visibilização da população indígena como a chave para o planejamento das políticas públicas nas mais diversas áreas por parte do governo. 

Grupo de Pesquisa da ENSP: Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas

Pesquisadores do Grupo de Pesquisa 'Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas', criado no início dos anos 1990, e com longa trajetória de pesquisa, formação e cooperação com agências governamentais e não governamentais em temas relacionados à demografia dos povos indígenas, também fazem parte do Grupo de Trabalho  (GT) de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP).  De acordo com Ventura Santos, o GT tem atuado desde o início dos anos 2000 em iniciativas visando, entre outras questões, incentivar o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre as dinâmicas demográficas dos povos indígenas com ênfase na interface com os conhecimentos antropológicos; aprofundar a reflexão sobre fontes e metodologias de coleta de informações; ampliar a análise de séries históricas sobre indicadores de saúde e sócio demográficos para os povos indígenas; e disseminar a discussão e os resultados dos estudos desse campo do conhecimento. O Grupo de Trabalho de Saúde dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também é outra instância que tem participado desses debates.

"Nesse âmbito, a interação com o IBGE tem sido intensa. No que diz respeito ao Censo 2022, pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa da ENSP tiveram participação em etapas de consultas realizadas pelo IBGE na fase de planejamento do recenseamento - quando aconteceram discussões sobre as perguntas do questionário censitário - assim como em fases como a do censo piloto e do censo experimental em terras indígenas. Desse modo, é uma satisfação ter contato com esses primeiros resultados do Censo 2022", afirmou ele.

Por fim, o pesquisador destacou a dimensão da ampla rede de atores sociais e institucionais envolvidos no planejamento e execução do Censo 2022. "Essa questão foi bastante enfatizada no evento de divulgação dos dados realizado nesta segunda (7/8), em Belém. A participação indígena, desde a etapa de planejamento (envolvendo lideranças indígenas e organizações indígenas), assim como na execução (guias indígenas, tradutores indígenas, recenseadores e supervisores indígenas), atravessou todas as etapas do censo. Sem dúvida, o tamanho da população indígena recenseada reflete essa participação e protagonismo", concluiu.

Demografia dos povos indígenas

A Editora Fiocruz tem dois livros especificamente voltados para o tema: “Demografia dos Povos Indígenas no Brasil” (2005) e “Entre Demografia e Antropologia: Povos Indígena no Brasil” (2019). São obras que resultam da cooperação do Grupo de Pesquisa da ENSP com pesquisadores e pesquisadoras do GT da ABEP, do GT da ABRASCO e também com equipes do IBGE. Nessas coletâneas há trabalhos que analisam as características da população indígenas nos recenseamentos de 1991, 2000 e 2010.

Confira, abaixo, alguns exemplos de trabalhos do Grupo de Pesquisa da ENSP que abordaram dados dos censos demográficos em análises histórico-antropológicas e sobre a saúde e demografia dos povos indígenas:

https://journals.openedition.org/confins/51565?lang=pt

https://www.scielo.br/j/rbepid/a/PqsyRVJzNrhDBwTr5SjJCrG/?lang=pt

https://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/pages/iframe_print.php?aid=97

https://www.abrasco.org.br/site/gtsaudeindigena/2020/04/28/mortalidade-superlativa-povos-indigenas-e-as-tragicas-manifestacoes-das-desigualdades-em-saude/

https://www.thelancet.com/article/S0140-6736(16)00345-7/fulltext

https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/56685

Dia Internacional dos Povos Indígenas: OMS reforça combate aos DSS e enfoque intercultural como vitais para saúde dos povos indígenas das Américas

O 9 de agosto é marcado como o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A data, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, busca garantir condições de existência minimamente dignas aos povos indígenas de todo o planeta, principalmente no que se refere aos direitos à autodeterminação de as condições de vida e cultura, e aos Direitos Humanos. Este ano, o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, reforçou que combater os determinantes sociais da saúde e assegurar um enfoque intercultural são vitais para garantir a saúde dos povos indígenas da Região.

"As Américas abrigam mais de 70 milhões de povos indígenas, 7% da população da região. "No entanto, eles enfrentam enormes desigualdades na saúde. Entre elas, taxas mais altas de doenças não transmissíveis, como diabetes, e doenças transmissíveis, como tuberculose, malária e tracoma. As populações indígenas da Região também são afetadas de forma desproporcional pela mortalidade materna e infantil. Em alguns países, a taxa de mortalidade materna entre os povos indígenas é até sete vezes maior do que a da população não indígena e a mortalidade infantil é mais do que o dobro. Para resolver isso, os governos nacionais e locais devem intensificar os esforços para trabalhar com os povos indígenas para abordar os determinantes sociais da saúde e da equidade", destacou o diretor da Opas em uma mensagem nesta quinta-feira, 9 de agosto.


*Com informações da Agência Brasil, do IBGE e da OMS

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