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Enfermagem Integra Fiocruz: atividade discute caminhos, desafios e trabalho da categoria profissional no Brasil

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Publicado em:26/05/2023
Por Barbara Souza e Danielle Monteiro

Questões de gênero, raça, classe social, representação política e de formação profissional foram apresentadas como os principais desafios da enfermagem durante as atividades do segundo dia da ‘II Semana da Enfermagem Fiocruz’. Realizado na manhã desta quinta-feira (25/5), no auditório da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o debate ‘Caminhos e desafios da enfermagem contemporânea’ contou com a presença de auxiliares, técnicos e enfermeiros dispostos a discutir conquistas e dificuldades atuais da profissão.  

Coordenadora de Saúde do Trabalhador (CST/Cogepe/Fiocruz), Marisa Augusta de Oliveira destacou dois grandes grupos de desafios: os macropolíticos e econômicos e os de formação. A enfermeira afirmou que ainda há um “longo e difícil” caminho para o respeito ao pagamento do piso salarial, conquistado recentemente. Além disso, ela citou a necessidade que ainda persiste de cumprimento do descanso noturno, disponibilidade de equipamentos de proteção individual adequados e dimensionamento das equipes às necessidades dos serviços. “Precisamos de melhores condições de trabalho. Temos o reconhecimento simbólico, conquistado na pandemia, que não se refletiu na prática. Esse título de heróis também é uma tentativa de silenciamento da nossa categoria”, analisou Marisa.  Do ponto de vista da formação, a coordenadora do CST disse que existe um déficit de trabalhadores de enfermagem, mas que é preciso ampliar essa força de trabalho com qualidade. “Temos que combater a formação precarizada, pois ela prejudica nossa capacidade crítica e de luta, fragilizando a militância da categoria. Nossa formação ainda é muito conservadora. É necessário termos uma formação que englobe a bioética do cuidado, mais informações sobre o SUS, saúde pública e os determinantes sociais da saúde, por exemplo”.  

Professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (DSP/UFMA), Carlos Leonardo Figueiredo Cunha seguiu a mesma linha ao defender uma maior participação política dos profissionais da enfermagem. “Precisamos de um corporativismo positivo, levar nossas bandeiras da enfermagem para os espaços de decisão e promover uma melhor articulação política”, defendeu. Também enfermeiro, Carlos Cunha analisou contradições que marcam o processo de formação de profissionais de enfermagem nos dias de hoje. “Há políticas indutoras que levam à universalização do ensino através da privatização. O que ocorre é uma proliferação desordenada de cursos de enfermagem. Assim, a qualidade caiu e o capital social da profissão tende a acompanhar a queda, assim como a remuneração”, explicou o professor.  

Atualmente, 80% dos cursos na área de enfermagem são privados. E, enquanto 35% dos enfermeiros se formam em faculdades públicas, esse total entre os técnicos é ainda menor: apenas 6%. Outra contradição apontada pelo professor Carlos é o que chamou de “questão valorativa”, na qual os profissionais “ofertam uma assistência na qual não confiam”. Ele explicou que existe um apoio ao SUS apenas na retórica, pois na prática é o setor privado que é valorizado. “Os sindicatos que lutavam pelo serviço público de saúde hoje defendem ter acesso a planos de saúde”, comentou ao afirmar ainda que 60% dos profissionais de enfermagem que atuam na rede particular não têm assistência básica nos locais onde trabalham.  


Também participou desta mesa a chefe de Enfermagem do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), que é também representante da Asfoc-SN, Mariana Machay Pinto Nogueira. Ela celebrou a realização do evento, que teve este ano sua segunda edição. Além disso, Mariana também fez um apelo pela necessidade de mais valorização e respeito pelo trabalho da enfermagem. “Somos profissionais que deixamos nossos entes queridos para cuidar dos entes queridos de outras pessoas. Quem faz isso nem sempre consegue ficar bem. É preciso garantir o cuidado a esse trabalhador, afinal um dos grandes desafios é manter a saúde mental em meio a tudo isso”, disse. As palestras tiveram a moderação de Patricia Marques Santos, vice-coordenadora de Atenção à Saúde do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e uma das organizadoras da Semana da Enfermagem Fiocruz. 

Bioética e o trabalho da enfermagem brasileira

Em seguida, a pesquisadora da ENSP e coordenadora do projeto de pesquisa Mundo do trabalho e saúde, Maria Helena Machado, fez uma apresentação sobre bioética e o trabalho da enfermagem brasileira. Em uma análise sociológica da enfermagem, Maria Helena chamou a atenção para a essencialidade da profissão. Segundo a pesquisadora, a enfermagem reúne os seguintes elementos essenciais do projeto de profissionalização descrito pela chamada sociologia das profissões: conhecimento esotérico próprio e vasto mercado de trabalho exclusivo. “A enfermagem é reconhecida como uma atividade exclusiva da Saúde. Trata-se da maior categoria profissional do SUS e da maior força de trabalho feminina na Saúde, além de ser precursora do trabalho profissionalizado e qualificado na área”, destacou a pesquisadora. Ela ressaltou também que a enfermagem é pioneira da profissionalização das equipes técnicas, caminhando atualmente para se tornar uma profissão exclusivamente universitária. É também, segundo ela, uma profissão da Saúde que está em todos os lugares, já que atua onde existe a necessidade de assistência e cuidados de saúde à população.

Além de pioneira do trabalho feminino formal, profissionalizado e institucionalizado na Saúde, a enfermagem detém número significativo de pessoas negras e pardas, assim como concentra o maior contingente de profissionais indígenas na Saúde, sendo mais de 10 mil em todo o território nacional. Segundo Maria Helena, em uma sociedade elitista e preconceituosa, que nega o racismo estrutural e desrespeita povos originários, a enfermagem se mostra acolhedora, diversa, generosa e inclusiva. “A maior parte dos problemas no mercado de trabalho da enfermagem, inclusive a demora de três décadas para a aprovação do piso salarial, passam por essa questão racial”, alertou. No entanto, para Maria Helena, essas três fortalezas da categoria profissional são também desafios estruturais que precisam ser trabalhados e discutidos; e que implicam a busca por políticas públicas específicas para mulheres, negros e povos indígenas.


Outro desafio imposto à categoria profissional apontado pela pesquisadora diz respeito ao boom de escolas de enfermagem na modalidade presencial que não possuem o rigor da qualidade da formação profissional, assim como o crescimento de escolas on-line, que têm formado profissionais em grande escala. “O mundo do trabalho da enfermagem avança para um perigoso descompasso entre oferta x demanda de mão-de-obra, gerando desemprego aberto e estrutural, além de formatos e modalidades de empregabilidade inadequadas e impróprias, como ‘pejotização’ do atendimento de enfermagem, ‘uberização’ da força de trabalho, ‘cooperativização’ da assistência, subempregos, subjornadas e subsalários”, observou.

Outro fator que merece a atenção dos profissionais de enfermagem, apontado pela pesquisadora, diz respeito ao piso salarial da categoria, finalmente aprovado pelo Congresso Nacional após anos de luta: “É muito importante enfermeiras e enfermeiros fazerem uma conta. Afinal, são três décadas sem piso salarial. Quanto o Estado brasileiro deve a cada um de vocês? É uma dívida”, alertou. Segundo a pesquisadora, soma-se a esse cenário de desafios, a devastação de direitos sociais e trabalhistas, confiscados em anos recentes. Ela lembrou também que a situação de trabalho da categoria foi agravada pela pandemia, conforme revelaram pesquisas recentes sobre as condições de trabalho e saúde mental de trabalhadores (as) da Saúde, conduzidas pela Fiocruz. 

“A equipe de enfermagem foi o contingente de profissionais de saúde que mais foi a óbito por Covid-19, conforme revelado pelo recente estudo Inventário dos óbitos dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19 no Brasil, realizado também pela Fundação”, lembrou Maria Helena. 

Por fim, a pesquisadora salientou que a pandemia deixou uma herança de problemas a serem enfrentados por profissionais de enfermagem, como sequelas físicas e psíquicas; esgotamento e cansaço por excesso de trabalho; más condições de trabalho; biossegurança insuficiente e inadequada, multiplicidade de vínculos precários e temporários; entre outros. 




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