Pesquisador reforça importância da vacinação e defende ações integradas para redução da transmissão do sarampo
Na quarta-feira, dia 11 de maio, a Fiocruz emitiu alerta sobre a importância da vacinação contra o sarampo. O texto chama atenção para o avanço da doença em todo o território nacional e apresenta os dados do Boletim Epidemiológico, divulgado em janeiro pelo Ministério da Saúde, que mostram mais de 40 mil casos e 40 mortes causadas pelo sarampo desde 2018 – sendo mais da metade em crianças menores de 5 anos.
A Fundação também informa que neste ano, até março, o Ministério da Saúde confirmou 14 infectados, sendo 12 no Amapá e dois em São Paulo, além de 98 casos suspeitos da doença no período.
A vacina tríplice viral que imuniza contra sarampo, caxumba e rubéola é um dos principais imunizantes do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e sua distribuição é gratuita durante todo ano no Sistema Único de Saúde (SUS). Para evitar o aumento no número de casos, o MS lançou em abril a Campanha de Vacinação contra o Sarampo em 2022 para trabalhadores da saúde, e em maio, para crianças menores de 5 anos.
Em entrevista ao Informe ENSP, o pesquisador José Fernando de Souza Verani, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), fala sobre a reintrodução da doença no país e destaca as ações necessárias para ampliação da cobertura vacinal. Ele, que participou das avaliações de programas de imunização e de vigilância epidemiológica da pólio e do sarampo no Brasil, Egito, Síria, índia e em vários países da África, aponta a produção de fake news como um dos motivos para redução da cobertura vacinal, fala sobre os índices necessários de cobertura vacinal e reforça a importância de uma política de apoio ao Programa Nacional de Imunizações e ao SUS. Confira.
Informe ENSP: Em 2019, o Brasil perdeu a certificação de país livre do sarampo. Qual é o principal motivo para a reintrodução da doença?
Fernando Verani: O vírus do sarampo, altamente transmissível, foi reintroduzido no Brasil através da fronteira de Roraima e Amazonas com a Venezuela, em 2018. Naquele ano, tivemos dois surtos, e as coberturas com duas doses da vacina não passaram de 71,5%, segundo dados do MS. Baixas coberturas vacinais, tanto na Venezuela como no Brasil nos últimos anos, resultaram no aumento da população suscetível, ou seja, desprotegida para a doença. Uma das estratégias para conferir uma alta proteção contra o sarampo é manter altas coberturas (>95%) com duas doses da vacina e homogêneas, isto é, todos os municípios e áreas terem a cobertura acima do preconizado. Além da vacinação de rotina, as campanhas de quatro em quatro anos complementam a cobertura vacinal, já que há sempre um grupo de suscetíveis que vai se acumulando a cada ano, pois a vacina – uma das mais efetivas disponíveis no PNI – tem uma efetividade de 90 a 95%. Segundo os dados do SI-PNI (DataSus), a partir de 2016 assistiu-se ao declínio sustentado das coberturas vacinais, não só para o sarampo como para as outras vacinas do Programa de Imunizações, cenário ideal para que a transmissão comunitária do sarampo e de outras doenças controladas fosse reestabelecida. A consequência, na falta de contenção eficiente dos surtos, foi o espalhamento da transmissão do sarampo em todo o país.
Informe ENSP: Essa tendência de aumento ocorre no mundo inteiro ou é um episódio isolado?
Fernando Verani: Nos últimos anos, o declínio das coberturas vacinais mostra-se constante em várias regiões do mundo, particularmente naquelas cujos países são mais pobres. A pandemia de Covid-19, a partir de 2020, contribuiu para a desestruturação dos serviços de saúde, da Atenção Primária e prejudicou próprio suprimento de imunobiológicos. No entanto, é preciso chamar a atenção para o fato de que as coberturas vacinais já vinham declinando antes da pandemia.
Informe ENSP: Qual é o índice de cobertura vacinal ideal para redução da transmissão?
Fernando Verani: Para quebrar as cadeias de transmissão do vírus do sarampo é necessário que se obtenha coberturas mínimas e homogêneas de 95%, com duas doses de qualquer das vacinas contendo vírus do sarampo.
Informe ENSP: Na opinião do senhor, quais são os principais motivos para queda da cobertura vacinal no Brasil?
Fernando Verani: As baixas coberturas vacinais devem-se à falta de prioridade no combate às doenças transmissíveis, de modo geral, à falta de uma política clara e objetiva em apoio ao Programa Nacional e ao SUS. As altas coberturas obtidas em anos anteriores, ao longo dos 46 anos do PNI, deveram-se a essas políticas de priorização (do PNI e do SUS), com estratégias de mobilização social forte, de formação/capacitação permanente dos profissionais da Atenção Primária e de coordenação efetiva do Ministério da Saúde articulado com os estados da federação e outras instituições como a Fiocruz e outras da sociedade civil. Observamos essa falta de coordenação também ao longo da pandemia de Covid-19. Ressalto que, nos primeiros meses da pandemia, a equipe do MS e da SVS se articulava efetivamente com os estados em relação às medidas e ao acompanhamento do novo coronavírus. Por razões políticas, esse processo foi interrompido com a mudança de equipe. Mobilizar o público para os benefícios da vacinação e seus impactos na ocorrência das doenças é um aspecto crítico de programas de imunização e controle de doenças transmissíveis. A participação da sociedade civil no PNI, tanto na mobilização social quanto em apoio logístico nas campanhas, mostrou-se um diferencial importante para alcançar as metas de erradicação (pólio), eliminação (sarampo e tétano neonatal) e controle (outras doenças alvo do PNI) das doenças preveníveis por vacinação (imunopreveníveis). O negacionismo e as fake news veiculados pelas redes sociais nos últimos anos também estão entre os fatores que contribuem para baixas coberturas vacinais, gerando recusa vacinal e hesitação em relação aos imunizantes.
Informe ENSP: Quais ações o governo brasileiro deve adotar, na sua opinião, para aumentar a cobertura vacinal e reduzir a transmissão do vírus no país?
Fernando Verani: Neste momento, algumas medidas estão sendo adotadas pelo MS em articulação com Bio-Manguinhos/Fiocruz, como o projeto em parceria com a SVS para resgatar as altas coberturas vacinais. Há curso on-line do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) para reciclagem de profissionais da Atenção Primária, com algum foco em imunização. Mas, a meu ver, falta uma política mais agressiva de diagnósticos e inquéritos de cobertura vacinal, com um protagonismo do PNI em capacitação/reciclagem programada dos profissionais em todos os níveis operacionais do programa. Nos anos 1980 e 1990, a ENSP/Fiocruz exercia, com o PNI, um protagonismo na formação/capacitação de profissionais de Imunização e Vigilância Epidemiológica, desenvolvendo materiais pedagógicos (Programa Ampliado de Imunização - PAI e Curso Básico de Vigilância Epidemiológica - CBVE) e participando diretamente de cursos presenciais em todo o país, com apoio da OPAS. Algumas secretarias de saúde mantém atividades de formação permanente/continuada na área de imunizações, mas sem uma articulação com outras esferas institucionais.
Foto sarampo: Portal Fiocruz
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