Pesquisadora fala sobre a importância de conferir visibilidade social às pessoas com Síndrome de Down
O Dia Mundial da Síndrome de Down (SD), celebrado mundialmente em 21 de março, tem o objetivo de conscientizar a população sobre a inclusão e promover alternativas para aumentar a visibilidade social das pessoas com SD. Em 2022, o tema “o que é inclusão para você?” busca avançar na pauta da inclusão, do respeito aos direitos humanos de todas as pessoas e à diversidade. Em entrevista ao Informe ENSP, a pesquisadora Laís Silveira Costa, do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP/Fiocruz), fala sobre a criação da data e as ações institucionais para promover a inclusão das pessoas com deficiência na Fiocruz. Além disso, ela, que é ativista pelos direitos da Pessoa com Deficiência e conselheira do Movimento Down, fala sobre a importância do cuidado integral à saúde da pessoa com síndrome de down. Confira.
Informe ENSP: Por que o "21/3" foi escolhido o Dia Internacional da Síndrome de Down? A partir de quando o Brasil incorporou essa data?
O tema celebrativo lançado em 2022 é “o que é inclusão para você?”; acho particularmente interessante pensar sobre o que fazemos, enquanto Instituição, que obstaculiza o avanço da pauta da inclusão, o respeito aos direitos humanos de todas as pessoas e à diversidade humana.
É sob o prisma das desigualdades sociais que a deficiência precisa ser entendida: como uma das consequências do analfabetismo, das condições indignas de moradia, da falta de acesso aos equipamentos e serviços públicos, das violências, da precariedade das condições de trabalho, da miséria e da fome. A depender da funcionalidade de seus corpos, mais ou menos barreiras se materializam para sua participação paritária na vida social, sendo as pessoas com deficiência intelectual as mais obstaculizadas. Pessoas com síndrome de Down estão em situação mais desvantajosa, portanto. E é importante notar que ao sistema de opressão mobilizado pela deficiência, justapõem-se os demais relativos à cor e raça, etnia, gênero, condições socioeconômicas, que vão materializar barreiras mais ou menos instransponíveis para essa população.
Informe ENSP: O país oferece um cuidado integral à saúde da pessoa com síndrome de Down? Onde precisamos avançar?
Laís Silveira Costa: O conceito ampliado de saúde, não limitado a doenças, que pressupõe a intersubjetividade, o protagonismo, que incorpore as suas preferências, que faça uma escuta destituída dos estigmas que marcam a vida das pessoas com síndrome de Down, não se efetivou até o momento, com exceção de manifestações pontuais.
Os inúmeros relatos da violência vivenciadas por mães e familiares ao receberem a notícia do nascimento de sua criança com SD, ou seja, com um tom de pesar e constrangimento, segue ignorado pelas escolas de graduação e pós-graduação de saúde. A naturalização da exclusão social das pessoas com deficiência apresenta maior correlação com o adoecimento, na literatura que investiga seus processos de saúde e doença, do que as questões específicas de seus corpos. Os direitos à informação e conteúdo voltados para sua saúde e bem-estar, à saúde sexual e reprodutiva, a inobservância de educação de qualidade considerando a funcionalidade de seus corpos, as barreiras ao mundo do trabalho e a maior prevalência de violência perpetrada contra essas pessoas, entre outros, indicam que nossa estrutura societária naturaliza que determinadas vidas têm mais valor do que outras. Não por acaso, no grupo de prioridades do calendário de vacinação contra Covid-19, essa população foi esquecida, em que pese sua maior exposição, risco de manifestação das formas mais graves da doença e de morte.
A produção de conhecimento sobre o tema segue apoiada no modelo biomédico que reduz a existência da pessoa à sua deficiência. Mas os estigmas são tantos, que mesmo os avanços no conhecimento sobre a saúde e o funcionamento do corpo biológico das pessoas com deficiência não se disseminam de forma eficaz. Trocando em miúdos, quando em contato com instituições de saúde, pessoas com deficiência acabam destituídas de grande parte de sua humanidade e os cuidados ofertados não incorporam, a contento, conhecimentos existentes voltados para aprimorar sua saúde e bem-estar.
De toda forma, vale ressaltar alguns avanços instituídos no SUS para esse público-alvo, a exemplo da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, de 2010, e das diretrizes da sociedade Brasileira de pediatria, de 2020, que visam orientar os profissionais nos diferentes pontos da rede de atenção, de acordo com os ciclos de vida das pessoas com deficiência. Entretanto, para que as orientações que abordam as especificidades dessa população se efetivem, precisam ser disseminadas e apropriadas pelos trabalhadores da saúde. Note-se que nem mesmo a busca ativa da população com deficiência e suas necessidades é uma atuação sistemática das equipes de saúde da família. Como pensar em efetivar e qualificar um cuidado para uma população que segue ignorada?
Mais especificamente para a população com T21, foram elaboradas as Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome de Down, publicadas pelo Ministério da Saúde em 2012. O documento representa importante conquista e orienta familiares e profissionais sobre os principais cuidados de saúde relacionados às pessoas com síndrome de Down.
Adicionalmente, foi lançada versão em comunicação fácil, chamada “Cuidados de Saúde às Pessoas com Síndrome de Down”, subsidiando que as próprias pessoas com SD se conscientizem e protagonizem, com mais autonomia, seus processos de saúde. Entretanto, a exemplo do ocorrido com as outras orientações mencionadas, barreiras atitudinais seguem impedindo a valorização e disseminação desse conhecimento.
Por fim, gostaria de chamar atenção nessa data de luta que o pouco compromisso com a ressignificação social dessa população – atuação que deveria ser orquestrada no território, coordenada por uma atenção primária forte (que, entretanto, tem observado seu orçamento minguar e precarizado as relações de trabalho) –, tem levado a práticas eugenistas. Avançamos com testes de diagnóstico precoce da SD, mas não com as políticas para validar seus direitos, e nem com a eliminação das barreiras listadas na LBI que impedem o exercício de seus direitos cidadãos. Vale alertar que em vários países da Europa, a combinação da testagem precoce e dos estigmas associados a essa população tem levado à eliminação das pessoas com SD: quase não nascem mais crianças com T21.
Quando não nos estarrecemos diante da prática do aborto eugênico, e o confundimos com a defesa do legítimo direito de a mulher de abortar de forma segura no SUS, então há muito sobre a ética em saúde, sobre a bioética, que está a nos escapar. Ao nos mantermos neutros diante dessa realidade, estamos nos afirmando como seres humanos superiores a outros seres humanos.
Informe ENSP: Como a Fiocruz vem discutindo o tema da inclusão das pessoas com deficiência e do enfretamento ao capacitismo? De que forma esse debate vem sendo ampliado no Congresso Interno?
Laís Silveira Costa: Em 2017, a Fiocruz instituiu o Comitê Fiocruz pela Inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência. Por ter participação delimitada pelas pessoas que trabalham nos campi Fiocruz, e pela magnitude das barreiras à inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, o Comitê não tem sido capaz de respeitar a bandeira de luta “Nada sobre nós sem nós”.
As dificuldades são diversas, uma vez que a Instituição não dispõe de orçamento dedicado à acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência de porte compatível com a demanda. Mesmo com todas as limitações, o Comitê foi capaz de elaborar a Política da Fiocruz para acessibilidade e Inclusão das pessoas com deficiência e tem tido sua atuação reconhecida pelas unidades diversas da Fiocruz. Houve intensa mobilização de seus integrantes no último Congresso Interno, em dezembro de 2021, e a pauta da inclusão das pessoas com deficiência foi finalmente transversalizada nas teses diversas. A transversalidade da luta por uma instituição que reflita e respeite a diversidade humana nas prioridades estabelecidas no CI 2021 será uma importante aliada do avanço da pauta nos campi. Também temos comissões para discutir parâmetros para avaliação biopsicossocial, e atuamos em comissões de apoio ao discente com a pauta da inclusão social.
Outra mudança que vem acontecendo na Fiocruz diz respeito à inclusão de critérios de equidade nos editais de pesquisa fomentados pela Fundação. Em 2020, a Rede PMA lançou edital que reconhece as condições desiguais de participação e acesso aos recursos de pesquisa por parte das pessoas com deficiência e (ou) seus cuidadores, e, ademais, priorizou temas invisibilizados por violência epistêmica; considerou, ainda, outros circuitos de opressão por gênero, cor, raça e etnia etc.
No referido Edital foi contemplado projeto de pesquisa sobre a temática, o que tem favorecido a sua transversalização em unidades diversas da Fiocruz. Ressalte-se que a vivência de pesquisar em Rede com a participação de pessoas com deficiência tem aumentado a consciência do papel que desempenhamos, enquanto pesquisadores da Fiocruz, na manutenção ou redução das barreiras à participação de pessoas em função da funcionalidade de seus corpos. Além disso, o referido projeto instituiu um Fórum Interinstitucional, que se reúne de três a quatro vezes por ano, com participação de pessoas com as mais diversas deficiências, trabalhadores e pesquisadores das áreas sociais. No Fórum, atuamos na ressignificação social das pessoas com deficiência e testemunhamos o embrião de algo que ainda não se materializa plenamente no processo de atenção à saúde das pessoas com deficiência: um encontro intersubjetivo, marcado pela escuta daquilo que pessoas tradicionalmente invisibilizadas têm a dizer. No momento, estamos finalizando o processo editorial de um livro, no âmbito desse Fórum, que contará com a participação de interlocutores plurais, favorecendo a aproximação com o território existencial das pessoas com deficiência ao produzir espaço de escuta da subjetividade que lhes é, violentamente, negada nos mais diversos espaços sociais.
Na ENSP, foi criado recentemente um GT de Equidade e Diversidade, assim como em várias outras unidades da Fiocruz, indicando que o enfrentamento do tema começa, mesmo que ainda embrionariamente, a ganhar mais organicidade. Neste ano, a Escola lançou edital de pesquisa que também reconheceu a iniquidade de oportunidades decorrentes dos circuitos de opressão citados, mostrando possível amadurecimento institucional em relação ao tema.
Da mesma maneira, vale ressaltar que o coletivo Feminista “8M Fiocruz”, em sua Carta Manifesto, também jogou luz sobre o necessário combate à corponormatização e ao capacitismo institucional, conforme se depreende do documento disponível aqui.
Fotos: Eduardo de Oliveira/Revista Radis
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