Politica Nacional de Saúde Mental em debate no Abrascão 2018
Walter Ferreira Oliveira, que participou de sua última atividade como presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), falou sobre os desafios e caminhos da Politica Nacional de Saúde Mental. Para a discussão, ele listou quatro dimensões de análise: teórico conceitual; técnico-assistencial; poítico-jurídico; e cultural social. Sobre a primeira dimensão, Walter fez uma importante observação. “O governo atual colocou, pela primeira vez, nos Ministérios, coordenações e secretarias, profissionais que não possuem nenhuma relação com o Sistema Único de Saúde (SUS), com a Saúde Pública. O resultado disso é que as equipes de saúde mental não tomam conhecimento das pautas da área”, lamentou.
Para Walter, a atual conjuntura mostra uma ação célere, e competente do governo, no caminho de destruir o SUS e tudo o que foi alcançado na Reforma Psiquiátrica Brasileira. O professor chamou a atenção para a portaria que recoloca os manicômios e o dinheiro destinado às Comunidades Terapêuticas. “Nesse ponto, há configurações que precisamos ter em mente para pensar que estratégias vamos usar para nos defender. O pessimismo é uma arma do poder.”
O atual presidente da Abrasme citou, ainda, alguns desafios culturais e técnico-assistenciais. Para ele, vivenciamos um momento em que o saber tem sido nocivo pela forma como vem sendo produzido. “Tudo se reduz a números, e pouco ao real sofrimento das pessoas”. Walter mencionou, por exemplo, a perspectiva da doença mental, na qual o cuidado vem sendo centrado, há décadas, na tríade consulta + medicação + profissional de saúde.
“Atualmente, temos um grande número de pessoas diagnosticadas com doença mental. Nosso desafio é o cuidar. Precisamos pensar em novas alternativas de cuidado. O desafio é olhar para o outro (usuário), mas para nós também. Qual o campo da saúde mental queremos? Esse também é nosso desafio diário”, finalizou Walter.
A professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), Monica Torrenté, apresentou alguns retrocessos da Política de Saúde Mental e os perigos da contrarreforma, apontando alguns interesses em jogo no cenário atual. Monica alertou para os paradoxos de prevalência do suicídio, a chamada epidemia do suicídio. Além disso, pontuou algumas ações de resistência organizadas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, como o "Fora Valencius" e toda ocupação no Ministério da Saúde. “Essa contrarreforma se fez presente no momento mais exitoso da saúde mental. É preciso seguir semeando, reforçando e capilarizando com as bases para continuar lutando”, ressaltou ela.
Encerrando a discussão da mesa A quem interessa o retrocesso na Política Nacional de Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica, a professora da Universidade de Campinas (Unicamp), Rosana Onocko, trouxe para o debate alguns efeitos paradoxais da Reforma Psiquiátrica, entre eles: a desospitalização; a deriva burocrática; e a fragmentação da reforma. Em sua fala, a professora defendeu que a saúde mental não é diferente no SUS. Dando prosseguimento, Rosana falou sobre a redemocratização e reforma, destacando a criação do SUS e a criação de redes assistenciais com grande expansão de serviços comunitários.
Como retrocessos, citou a Portaria 3.588, de 21 de dezembro de 2017, que reintroduz, na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), o Hospital Dia (HD); institui o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD) IV; determina o reajuste do valor das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) de Hospitais Psiquiátricos (HP), segundo seu tamanho; além de estabelecer um nível secundário de atenção por meio de equipes especializadas de saúde mental.
Rosana apresentou a estimativa de valor do leito. De acordo com ela, em 2002, um leito custava R$ 9.067 reais/ano. Em 2012, o mesmo leito custava R$ 17. 524 reais/ano. “Em dez anos, diminuiu-se em 40% a quantidade de leitos em hospitais psiquiátricos, mas o orçamento cresceu, valorizando o leito/ano por volta de 93%, um pouco acima da inflação acumulada no período, que foi de 71,18%”, descreveu a professora.
Por fim, Rosana Onocko, citou alguns desafios para a Rede de Atenção Psicossocial, segundo evidências disponíveis e recomendações internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre eles estão: melhorar a distribuição regional dos serviços comunitários e serviços em geral; melhorar os mecanismos de coordenação do cuidado entre a Atenção Primária à Saúde (APS) e os serviços comunitários especializados; expandir a cobertura de serviços que visam recuperação e reabilitação; buscar estratégias ativas de combate ao estigma, além de estratégias de capacitação de equipes; e qualificar e avaliar permanentemente a RAPS.
Abrasco 2018