No dia internacional da mulher, ENSP debate legalidade do aborto e direito à vida
Uma luta pelo direito à vida das mulheres em uma sociedade que tem seu ordenamento jurídico feito por e para os homens. Durante o seminário Legalidade e ilegalidade do aborto: uma reflexão sobre a vida das mulheres, realizado na ENSP no dia Internacional da Mulher, juizas, juristas e pesquisadoras de saúde pública discutiram os múltiplos aspectos desse tema que, muitas vezes, é tratato em sociedade sob as lentes da religião e do autoritarismo machista. Ao tratar da questão da legalidade do aborto a partir de uma perspectiva jurídica, de saúde e social, o evento trouxe à tona informações importantes, sobretudo em um momento em que se levantam as vozes que querem calar as lutas femininas e qualquer outra que queira se opor ao modus operandi da opressão.
Primeira a falar, Lúcia Souto, pesquisadora da ENSP e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), traçou um breve panorama da luta história das mulheres contra a opressão machista. "Esse dia 8 de março é um dia de luta, não é um dia de comemorações vazias. A mulher tem uma luta milenar, literalmente milenar. Subjugadas a um silêncio monumental, quando não queimadas durante toda a idade média. Nesse momento há uma discussão planetária, global, puxada pela Nacy Fraser e Angela Davis, que é o feminismo para os 99%, colocando que a luta das mulheres tem que ser gragária, com uma agenda espandida. Nós vivemos uma hegemonia devastadora do capital finaceiro, que faz com que 1% da humanidade tenha a pretensão de mandar nos outros 99%. São menos de 1% de machos brancos adultos no comando que acham que podem subjugar a humanidade a essa pretensão devastadora deles, então a nossa luta é árdua".
Assista no vídeo, abaixo, a fala completa da pesquisadora Lúcia Souto
Luciana Boiteux, professora de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lembrou da importância de se reinvidicar que a luta pela legalidade do aborto é uma luta pelo direito a vida, algo de que os conservadores querem se apropriar. "Quando vão falar sobre o aborto, quando a criança está ainda na barriga da mulher, a mulher não é sequer considerada, somente a criança. Depois que a criança nasce e está ali nas ruas, também não ligam mais, não se preocupam que tenha edução, saúde, moradia. A criminalização do aborto é uma tentativa de imposição do controle social sobre a mulher".
Veja a fala completa de Luciana Boiteux no vídeo abaixo:
A juiza Simone Nacif, que é integrante da Associacão Juizes para a Democracia, falou sobre o tema do Direito insurgente no tocante ao acesso ao aborto seguro. "Numa sociedade capitalista, as relações sociais são estabelecidas de modo autoritario, patriarcal e a mulher é subalternalizada. No capitalismo, a norma é fetiche e a positivação jurídica atende aos interesses do dominante, do possuidor, do homem, daquele que é capitalizado. Dá ao homem a opção de não querer ter o filho, de não querer ser pai e nega à mulher o direito a saúde e à vida. A teoria do Direito insurgente mostra que é pela desobediência, pela insurgência que os direitos são construídos. Faz nascer o direito na luta concreta das tensões sociais e na crítica permanente das estruturas sociais".
Assista a fala compelta da juiza Simone Nacif no vídeo abaixo:
A juiza paraense Andrea Bispo encerrou a mesa fazendo uma explanação sobre como até mesmo a ideia do "amor materno" é uma construção social que acaba por ser utilizada pelos homens para justificar a dominção masculina. "Já naturalizamos o amor materno, abnegado, mas isso é uma construção social. Na França pré-revolução industrial, as crianças eram mandadas, assim que nasciam, para serem cuidadas por amas. A taxa de mortalidade infantil era muito grande. Com a revolução industrial e os primeiros censos, a sociedade se deu conta de que essa mortandade tinha um impacto na força de trabalho. É a partir desse momento que se começa a se propagandear a ideologia que diz que só a mulher é capaz de gerar um filho e que, portanto, ela é um ser especial. É claro que somos só nós que temos útero, mas é claro também que não somos só nós que somos capazes de cuidar de uma criança. Essa ideologização, essa sacralidade, que tem um viés religioso, ela de forma alguma pode integrar nossa ordem jurírica"