Exposição ao benzeno nos postos: avanços e retrocessos na nova legislação
A exposição ao benzeno, substância cancerígena presente nos combustíveis, foi discutida na ENSP durante os dias 23 e 24 de novembro por pesquisadores, técnicos e integrantes dos movimentos sociais. Com foco nos trabalhadores dos postos de gasolina, mas também pensando nos riscos que correm os usuários e a população que vive no entorno dos postos, os debates falaram das legislações que buscam diminuir a exposição ao benzeno. Um dos debatedores do Ceensp que discutiu o tema foi Alexandre Jacobina. Ex-coordenador de Vigilância da Saúde do Trabalhador da Bahia e representante do Ministério da Saúde na Comissão Permanente do Benzeno, ele conversou com o Informe ENSP sobre o “Anexo 2” da Norma Regulamentadora número 9 (NR9) que finalmente incluiu os postos de combustíveis no conjunto de leis que regulamentam as atividades que lidam com o benzeno. Para Jacobina, o documento é um avanço no sentido de diminuir o risco dos trabalhadores expostos, mas algumas das concessões feitas pela subcomissão que elaborou o texto são encarados por ele como um retrocesso. Para saber por quê, leia, a seguir, a entrevista completa com Alexandre Jacobina.
Informe ENSP – Alexandre, primeiramente, para traçarmos um panorama histórico, por que os postos de combustível não foram incluídos no Acordo Nacional do Benzeno, de 1995?
Alexandre Jacobina - Na época em que a Comissão Nacional do Benzeno foi criada, havia um problema grave de contaminação química, principalmente na siderurgia e na indústria química. (Na época, inclusive, apareceu a situação grave da morte de um médico na Bahia, na indústria química). Ao meu ver, naquele momento, não se incorporou os postos porque não havia condição operacional para incluir um segmento tão grande. São 40 mil postos no Brasil, com 500 mil trabalhadores.
Informe ENSP – Por que você vê retrocessos no “Anexo 2”da NR9, que regulamenta finalmente os postos?
Alexandre Jacobina - O “Anexo 2” foi construído dentro da Comissão Nacional do Benzeno por uma subcomissão específica. Ele representa, sim, um avanço, porque trata pela primeira vez de um seguimento de alto risco com baixíssima cultura de saúde e segurança e com invisibilidade tanto na área técnica quanto pela população. Agora, há um retrocesso por conta das concessões que foram feitas para se firmar o acordo, uma vez que a comissão é tripartite, formada por trabalhadores, governo e patrões. Nós perdemos a avaliação ambiental, que analisa a quantidade de benzeno na atmosfera. Ela é um item importante da avaliação de saúde. Perdemos também o indicador biológico e teremos que trabalhar com outras instrumentos legais para garantir a aplicação desse indicador. Ele ajuda na prevenção, enquanto o hemograma é um indicador que aponta um problema de saúde já existente. O indicador biológico precisa ser feito a cada seis meses e a série histórica tem que ser avaliada.
Informe ENSP – Um outro ponto de destaque é que o “Anexo 2” só inclui uma das etapas de exposição nos postos. Você pode detalhar?
Alexandre Jacobina - O mundo tem adotado o controle de vapor de benzeno em dois estágios: o descarregamento, quando se capta os vapores no descarregamento do combustível nos postos e o estágio dois, que se refere ao abastecimento do veículo. A opção da subcomissão foi manter o controle só do estágio 2. É uma disputa política. De um lado, os trabalhadores e o governo. De outro, os empresários, que não aceitaram o controle do descarregamento porque exige recursos. Mas a saúde do trabalhador também é cara. Você tem a contaminação, o adoecimento e a melhor forma de se fazer controle é o controle coletivo, em que você reduz ou elimina a exposição. Não é uma máscara, não é um equipamento que você coloca no trabalhador que resolve o problema. São necessários equipamentos que protejam todo o sistema, inclusive o consumidor, que também está exposto. Vale chamar a atenção para a característica dos postos no Brasil, que são verdadeiros pontos comerciais. Tem lanchonete, churrascaria, até mesmo consultório dentário dentro dos postos de combustível. Houve então um negligenciamento por parte do poder público, principalmente municipal, a quem cabe o alvará de funcionamento, e está se deixando livre a utilização desse espaços que a própria legislação brasileira reconhece que têm alto de risco de contaminação.
Informe ENSP – A seu ver, o governo e os trabalhadores não deveriam ter cedido e feito essas concessões?
Alexandre Jacobina – Para se ter uma ideia, nós recentemente tivemos uma tomada de decisão do Inmetro que obriga a troca de todas as bombas de gasolina do país nos próximos 15 anos para haver maior controle com relação à sonegação. Quando se discute saúde, sempre entra essa questão dos custos, mas quando se discutiu o controle da venda do produto, para controle de sonegação, a decisão foi tomada. A meu ver, a discussão tripartite, de consenso, é importante, mas acho que chega um momento que o estado tem que tomar uma decisão. A tentativa é de consenso, mas se não houver, o governo tem que decidir pela saúde dos trabalhadores. Mas, volto a dizer, isso não tira a importância do anexo ao começar a regular essa atividade, que é a primeira de serviços com exposição química a passar por esse tipo de regulamentação.