Comunidade ENSP expõe impactos negativos da PEC 241
A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, reuniu pesquisadores das mais diversas áreas do ensino, pesquisa, inovação, assistência e da gestão a fim de dimensionar os impactos, riscos e danos à saúde e à condição de vida das pessoas desencadeados pela Proposta de Emenda à Constituição 241/2016, cuja votação ocorreu na segunda-feira (10/10). Na opinião dos especialistas, a PEC, além de representar um ataque aos direitos sociais, ameaça o direito à Saúde, conquistado na Constituição de Federal de 1988. Hermano Castro, diretor da ENSP, alerta para o destino da verba que não será aplicada em duas áreas consideradas fundamentais no desenvolvimento de nosso país. "Para onde vai o dinheiro que deveria ser investido na Saúde e na Educação? Certamente, essa verba será reservada ao pagamento de juros de dívidas que teriam de ser, pelo menos, auditadas. A PEC não contempla a destinação desse recurso. Que ajuste fiscal é esse que prejudica a Saúde e a Educação?", questionou. No dia 30 de setembro, o Conselho Deliberativo da Fiocruz publicou uma carta sobre os impactos da 'PEC da desigualdade'. Confira os depoimentos dos pesquisadores, professores e alunos da ENSP.
Ary Miranda, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP:
“A PEC 241 afronta a Constituição, e isso é importante destacar, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reafirma a necessidade progressiva do estado de bem-estar. A PEC propõe o congelamento, por vinte anos, do investimento público, baseado na correção da inflação do ano anterior.
Nosso campo, o da Saúde, já é extremamente subfinanciado, haja vista que o setor público participa com apenas 42% do recurso geral. Nos países capitalistas com sistema universal, esse valor chega a 85%.
Agora, um dado muito preocupante se baseia no estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese), demonstrando o seguinte: se a PEC 241 fosse aplicada desde 2002, teríamos redução na Educação de 47% dos recursos, ou seja, encolhimento na ordem de R$ 377 bilhões. Na Saúde, por sua vez, essa redução seria em torno de 26%, ou seja, na escala de R$ 300 bi. A área social é claramente subfinanciada no Brasil, e há a necessidade de aumentar o investimento deste campo.
Em minha opinião, a lógica é enxugar as atribuições do Estado com os compromissos sociais e lançá-las ao mercado. É o que está por trás disso.”
Cristiani Vieira Machado, pesquisadora do Departamento de Administração em Saúde e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
"A PEC 241 representa o maior ataque aos direitos sociais desde a Constituição de 1988. Ela expressa um movimento de ruptura com o pacto constitucional estabelecido em torno da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que a destinação de recursos mínimos para a Saúde e Educação se coloca como prioridade, como condição fundamental para assegurar patamares básicos de cidadania. A eventual aprovação dessa PEC levaria ao congelamento de recursos por vinte anos, com prejuízos graves para os investimentos e custeio das ações de Saúde e Educação, como já foi demostrado por projeções de especialistas. As consequências podem ser gravíssimas, com piora de indicadores, como mortalidade infantil, e níveis de escolaridade, que vinham melhorando aos poucos nas últimas décadas, por conta da expansão dos serviços públicos nessas áreas. Além disso, a proposta ignora a importância da Saúde e Educação para o próprio desenvolvimento nacional, compreendido em sentido amplo. Não é por acaso que ela está sendo chamada de 'PEC da desigualdade' ou 'PEC da maldade'. Ela representa um retrocesso civilizatório ao colocar interesses econômicos espúrios de alguns grupos acima da vida e do bem-estar da população brasileira."
Alex Molinaro, vice-diretor de Desenvolvimento Institucional e Gestão da ENSP
"A PEC 241/16 talvez seja a face mais visível do que propõe o governo Temer, que chegou ao poder sem o voto popular. Essa Proposta de Emenda Constitucional só poderia ser colocada por um governo como esse, que não teria condições de submetê-la ao escrutínio popular, às eleições. Precisamos nos mobilizar, resistir e lutar para que as conquistas sociais, conseguidas até agora com muita dificuldade, não sejam revertidas por um governo que não se submeteu à vontade popular e, portanto, não é democrático."
Luciana Dias de Lima, pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP
“O pacto federativo expresso na Constituição Federal de 1988 sugere forte interdependência entre os governos, sendo os três entes federativos corresponsáveis pelo financiamento do SUS. Entretanto, ao longo das últimas décadas, observa-se tendência de redução do peso relativo da esfera federal no gasto público em saúde, que passa de mais de 70%, no início dos anos 1990, para cerca de 44,7%, em 2011, devido ao aumento da participação dos municípios e, mais recentemente, dos estados.
Por um lado, a redução da participação federal relativa no financiamento setorial pode ser explicada pelo processo de descentralização e definição de regras mais rígidas de vinculação de receitas das esferas subnacionais para a Saúde a partir de 2000. Por outro, suscita enormes preocupações em razão do importante papel redistributivo que possui o governo federal em federações heterogêneas, como é o caso do Brasil.
Municípios e estados apresentam condições diferenciadas em termos de capacidades institucionais, financeiras e dependência das transferências intergovernamentais. Embora esforços quanto à desconcentração do gasto federal em saúde, para regiões mais carentes, tenham sido realizados ao longo da implementação do SUS, as transferências setoriais não foram suficientes para romper com as desigualdades regionais, nem com a situação desfavorável dos municípios de porte médio. Ambas as situações são decorrentes das diferenças na arrecadação direta de impostos e de outras transferências não exclusivas da saúde, oriundas da União e estados, respectivamente, do FPM e ICMS.
Essa situação tende a se agravar com a aprovação da PEC 241, e os municípios e estados mais dependentes das transferências federais do SUS serão os mais atingidos. Alguns terão poucas chances de ampliação de recursos próprios para a saúde, pois a disponibilidade dessas fontes é relativamente mais baixa e já estão no seu limite máximo de gasto. Outros precisarão empreender maior esforço fiscal e comprometer parcelas ainda mais elevadas de seus orçamentos para compensar as perdas de receitas federais.”
Gisele O’Dwyer, coordenadora do Projeto Teias – Escola Manguinhos
“O Sistema Único de Saúde sempre foi subfinanciado, apesar dos esforços dos últimos governos. A PEC 241 é um retrocesso. Preocupa-me a destinação de verba para a pesquisa, para a atenção pré-hospitalar, que depende de recurso federal estadual e municipal. A PEC representa um desmonte do SUS e inviabilizará, a médio prazo, todas as nossas conquistas.
Jefferson Pereira Caldas dos Santos, representante dos Estudantes Fiocruz
A apresentação da PEC 241 está inserida num contexto muito maior. Ela representa a velha visão das elites econômicas nacionais e transacionais, que não aceitam, de nenhum modo, reduzir suas margens de lucro mesmo num período de crise econômica, ainda que ela tenha sido gerada por esses mesmos atores. Com a crise, tais atores passaram a querer cobrar a conta dessa “crise” dos trabalhadores por meio de cortes de salários, direitos e diminuição do que eles chamam de “gastos” sociais, o que na verdade são investimentos. O discurso deles é o de preservação da austeridade fiscal às custas do sacrifício de todo o povo por gerações, já que está PEC quer se fazer valer por vinte anos. Esse discurso de austeridade é falso, pois, do nosso orçamento, cerca de 42% são gastos com o pagamento de juros e amortização da “dívida”; uma dívida que, com certeza, já foi paga e, hoje, só serve para escravizar nosso país e o povo diante dos interesses internacionais.
Se essa PEC for aprovada irá acabar com o pouco de políticas sociais que ainda temos no país, já que ela só incide nos ditos “gastos” e não sobre a falsa dívida. Se aprovada, é a destruição do Estado brasileiro como conhecemos, acabando com a saúde e educação pública principalmente. O mais grave disso tudo é que esse projeto não foi referendado pelo povo, pelas urnas; ao contrário, saiu perdedor. Com o quadro da derrota eleitoral, as elites econômicas nacionais e internacionais passaram a apostar na desestabilização econômica e, posteriormente, na política, para que fosse aplicado o Golpe de Estado, que visava à implementação dos interesses dessas elites derrotadas nas eleições. A implementação da PEC 241 é, em última análise, o real motivo do golpe de Estado dado no Brasil. O golpe foi para manter os rendimentos dos rentistas e entregar o país ao capital internacional e nacional.
Confira a entrevista concedida pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, à Carta Capital sobre a PEC 241.
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