EDUARDO S. PONCE MARANHÃO
30/03/2016 13:27
Entrevista concedida a Zuenir Ventura em 1998
para o livro ?1968: o que fizeram de nós?
ZUENIR VENTURA -- Você tem sido muito coerente com os princípios da sua juventude.
Como foi sua trajetória pós-68?
CÉSAR BENJAMIN ? A idade talvez tenha me diferenciado um pouco. Pode ser que eu
tenha vivido mais intensamente o sonho de 68 porque tinha 14 anos e não 20 ou 21. É uma
diferença grande, nessa fase da vida. Não era sequer universitário, estava terminando o
que hoje se chama o primeiro grau. Além disso, para mim, 68 durou 10 anos. Vivi na
clandestinidade a partir de 69, até agosto de 71, quando fui preso. Em seguida, tive uma
experiência muito marcante, que foi um longo período em solitária. Passei mais de três
anos e meio sem ver ou falar com ninguém, sem olhar uma paisagem, sem ter uma notícia
do mundo. Enquanto meus amigos viviam outras experiências, como o exílio, eu era
confrontado com o silêncio. Isso me conduziu ao limiar de sentimentos e percepções que
estão presentes na minha vida até hoje, para o bem e para o mal.
ZUENIR VENTURA -- O psicanalista Helio Pellegrino dizia que você só não enlouqueceu
porque tem uma cabeça muito boa. Dá para você verbalizar a experiência?
CÉSAR BENJAMIN ? Não. É a experiência do silêncio. Como nunca fui condenado, não
sabia quanto tempo permaneceria preso. Fiquei cinco anos na prisão, entre 71 e 76, a maior
parte no período Médici. A ditadura estava fortíssima, inabalável. Eu era muito jovem,
nunca tinha visto a mudança de um ciclo político. Só conhecia a própria ditadura. Estava
convencido de que ia ficar pelo menos 20 anos naquela pequena cela. Talvez fosse viver
toda a minha vida ali. Me preparei para isso.
ZUENIR VENTURA -- Quais foram os momentos mais difíceis?
CÉSAR BENJAMIN ? A fase de interrogatórios é sempre muito difícil. Quando eu estava
saindo da Polícia do Exército da Barão de Mesquita, um oficial comentou que meu
primeiro interrogatório havia durado trinta horas, ininterruptamente. Minha grande
lembrança desse período é a sede. Você grita muito e não recebe água, e tudo recomeça. Vi
meu corpo secar. É uma lembrança assustadora. Até hoje, quando bebo um copo d´água,
faço uma espécie de ritual interior de agradecimento, silenciosamente. Depois, já na
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solitária, um momento difícil foi a noite do golpe militar no Chile, em 73. Os militares
vieram comemorar a morte de Allende na minha cela. Foi assim que tive a notícia. Foi o
fundo do poço. Depois dos golpes no Uruguai, na Argentina e no Brasil, o Chile era o
bastião da resistência. Fiquei muito abalado, chorei. Mas também houve gestos de grande
humanidade, que eu gosto de lembrar. Na Polícia do Exército da Vila Militar, eu ficava nu
na cela completamente vazia. Os ladrilhos eram muito frios, de modo que eu passava as
noites em pé. Com alguma freqüência, os sentinelas me emprestavam mantas nas
madrugadas, o que lhes poderia custar a prisão. Eu devolvia as mantas antes do dia
clarear. Depois, nesses anos todos, de vez em quando alguém enfiava um jornal por baixo
da porta. Isso me permitia recordar em que data estava, pois não era fácil manter a noção
do tempo, que é psicologicamente importante. Eu não chegava a ver quem fazia isso, e
essas pessoas não poderiam esperar qualquer retribuição minha. Eram gestos gratuitos, de
pura bondade. Havia duas datas muito emotivas para mim: o meu aniversário e o Natal.
Sempre me esforcei para não deixá-las passar sem que eu percebesse.
ZUENIR VENTURA -- Seu aniversário quando é?
CÉSAR BENJAMIN ? Cinco de maio. Nesses dias, eu me lembrava muito de uma poesia
do Fernando Pessoa chamada ?Aniversário?, que começa assim: ?No tempo em que
festejavam o dia dos meus anos / Eu era feliz e ninguém estava morto?. Sempre fui um
leitor de Pessoa. Um verso resumia exatamente o que eu sentia: ?O que sou hoje é estar eu
sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio.? Tenho também a lembrança forte de
um Natal. Eu estava no Batalhão de Manutenção de Armamentos, onde passei a maior
parte do tempo, uns três anos. Minha cela era pequena e encravada no chão, sem nenhuma
vista para fora. Havia três portas até se chegar nela, duas de grade e uma maciça, a da
própria cela. Quando se está preso, é engraçado, a visão tem pouca importância, porque
quando se vê uma coisa ela já está junto. Você só vê o que já está acontecendo ao seu lado.
Em compensação, a audição se desenvolve de maneira espetacular. Mais do que a audição
(pois eu fiquei surdo de um ouvido durante os interrogatórios), é a capacidade de
interpretar sons. Eu sabia o que acontecia em volta, fora da cela, interpretando sons. Nessa
noite de Natal, pressenti que vinham pessoas em minha direção, porque ouvi o barulho do
molho de chaves que abria as três portas. Eu reconhecia esse molho, especificamente, e
sabia diferenciá-lo dos outros. ?Vai chegar gente.? Fiquei esperando. Abriram a primeira
porta, a segunda, a terceira e entraram na minha cela uns dez ou doze soldados, um
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sargento, um tenente, trazendo uma bandeja de latão com avelãs, aquelas coisas de Natal.
Um deles disse: ?Nós estamos de serviço e o quartel nos deu uma ceia. Viemos aqui dividir
com você.? Eu tive vontade de chorar ali mesmo, na hora, mas me segurei, sem conseguir
dizer nada. Fiquei mudo. Só quando saíram eu me permiti chorar. Foi um desses gestos
gratuitos de solidariedade, a que me referi. [nesse momento do relato, Cesinha faz um
grande esforço para não chorar] Em outra noite, aconteceu uma coisa parecida, mas
engraçada: começaram a abrir as portas de madrugada e eu me levantei do colchão. Entrou
uma comitiva militar na cela, fardada, bastante formal, liderada por um general. Ficaram
me olhando, sem dizer nada, até que o general perguntou: ?Você está desgostoso da vida??
Eu disse: ?Não.? Todos foram embora, imediatamente. O único diálogo foi esse. Nunca
entendi por que um general foi me visitar de madrugada para fazer essa pergunta.
ZUENIR VENTURA ? Você nunca pensou em contar essa experiência em livro?
CÉSAR BENJAMIN ? Acho que nunca vou contar, porque só escreveria no momento em
que me achasse suficientemente maduro para isso. Um homem que consegue contar a sua
vida, com algum valor, é um sábio. Acho que nunca vou ser tão sábio. Poderia sair uma
coisa mistificada: um menino que lutou, que foi meio herói. A minha vida, porém, é muito
mais complexa do que isso. Não saberia contá-la. Preferi continuar em silêncio.
ZUENIR VENTURA ? Quando você saiu do PT e por quê?
CÉSAR BENJAMIN ? Fui expulso do Brasil em 76 e voltei em 78, antes da anistia,
animado com o avanço do movimento pela redemocratização e o ressurgimento do
movimento operário. Ajudei a fundar o PT e militei nele, intensamente, até 95. Saí quando
comecei a ver coisas muito estranhas. Na verdade, foi um processo que culminou em 94,
mas começou em 89. Você deve se lembrar como foi aquela campanha. Aliás, não foi uma
campanha, mas um movimento no Brasil inteiro: primeira eleição presidencial depois de
décadas! O Lula começou com 2,5%. Não tínhamos nada, mas éramos milhares, cheios de
garra. O povo foi entendendo isso. Me lembro de uma noite ali no Catete, em frente a uma
loja de televisores, uma pequena multidão de umas 50 pessoas vendo o horário eleitoral, e
eu no meio. Eu participava da coordenação do programa de governo da campanha, e
naquela noite o nosso programa de TV estava especialmente bem-feito, transmitindo
muita autenticidade. Senti uma eletricidade percorrendo as pessoas, uma emoção, um
silêncio profundo, emotivo e respeitoso. Cheguei em casa e disse para a minha mulher:
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?Nós vamos ganhar a eleição?. E ela: ?Você está louco?. Praticamente ganhamos, pois
saímos de 2,5% e chegamos a 49%. Paradoxalmente, foi no fim dessa campanha que me
acendeu a luz amarela com o Lula.
ZUENIR VENTURA ? Como assim?
CÉSAR BENJAMIN ? Na reta final, houve o episódio da grosseira manipulação do debate
Lula versus Collor na Globo. No dia seguinte, fizemos uma manifestação de protesto na
porta da emissora, uns oito mil militantes. A edição do debate foi numa sexta à noite; a
manifestação foi no sábado; no domingo foi a eleição. Collor venceu por pequena margem,
e a edição do debate foi decisiva para esse resultado. Nos dias seguintes, fui para São
Paulo. Lá, logo depois dessa seqüência de eventos, encontrei o Lula, que me disse:
?Cesinha, sabe quem me ligou anteontem?? Como eu não sabia, ele completou: ?O
Alberico, da Globo.? Justamente quem tinha feito a montagem do debate, conforme os
jornais haviam noticiado.
Fiquei calado e o Lula prosseguiu: ?Jantei com eles ontem. Derrubamos três litros de
uísque?. Aquilo doeu. Enquanto colocávamos oito mil militantes na porta da Globo, a
nossa maior liderança jantava e bebia com a direção da emissora. Ele se justificou: ?Não
vou brigar com a Globo, não é, Cesinha?? Ali me acendeu uma luz amarela: algo estava
muito errado. O Brizola estava se expondo publicamente, contestando a Globo e
defendendo o Lula, enquanto o Lula jantava com a direção da Globo, escondido. Hoje
compreendo que, naquele momento, o Brizola começou a ser destruído definitivamente, e
o Lula, demonstrando uma espinha muito flexível, começou a desbloquear sua carreira
política. Eu não exigiria que ele hostilizasse a Globo, poderia fazer qualquer coisa, mas não
derrubar três litros de uísque com eles naqueles dias. Isso me pareceu falta de dignidade
pessoal.
ZUENIR VENTURA ? Você tem uma explicação para isso?
CÉSAR BENJAMIN ? Hoje eu compreendo o que aconteceu. A partir de 89, o Lula passou
a ter uma difícil equação política para resolver. Queria ser presidente, e para isso precisava
ter um partido político suficientemente forte para sustentar essa pretensão. Mas esse
partido não podia ser aquele que havíamos construído, um partido vivo e militante. Com
aquele PT, ele seria sempre vetado pela elite do país, como foi em 89. Se queria chegar à
presidência, demonstrando-se confiável, precisava transformar o partido em outra coisa. O
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Zé Dirceu ganhou importância porque se tornou o grande operador dessa transformação.
O Lula não é um operador. A dobradinha que se formou atendia aos dois: ao Lula, porque
a destruição do PT militante pavimentaria o seu caminho à presidência, já na condição de
um candidato dos de cima, o que ele sempre quis ser; e ao Zé Dirceu, pois, se tudo desse
certo, ele seria o sucessor natural do Lula. Houve uma combinação de interesses. Isso
exigia um processo de desmontagem do PT, de transformação do partido numa máquina
eleitoral poderosa, mas inofensiva. Foi nessa operação que os dois se lançaram,
conjuntamente. Mas a luta política é algo vivo. Em 93 o PT fez um congresso e a nossa
chapa ganhou, contra a Articulação. Foi então que eles se deram conta ? isso é uma
interpretação minha ? de que o projeto não podia ficar ao sabor do debate de idéias,
sempre sujeito a tantas incertezas. Eles teriam que ter algo mais poderoso do que o
convencimento. Introduziram no PT uma arma nova: dinheiro. Quem, numa disputa ou
numa guerra, introduz uma arma nova, desconhecida, adquire uma superioridade
monumental sobre o adversário. É por isso que os chamados ?operadores? ganharam
importância: nessa época, Delúbio Soares, por exemplo, era o obscuro representante da
CUT no FAT, que é uma enorme fonte de dinheiro. Nenhum de nós pôde perceber, em
tempo real, a dimensão da mudança que estava acontecendo, até porque tudo se passava
nas sombras. O fato é que a Articulação começou a manejar recursos crescentes. Isso
absorveu muitas prefeituras do PT ? Santo André, Ribeirão Preto, muitas outras. Os
esquemas foram se multiplicando. Marx tem uma frase em que ele fala no ?poder
dissolvente? do dinheiro. Onde o dinheiro domina, as qualidades se dissolvem. Lula e Zé
Dirceu foram dissolvendo o PT em um banho de dinheiro, cooptando todos os que podiam
cooptar. Patrocinaram uma seleção negativa, que favorecia os piores.
ZUENIR VENTURA ? Você não pensou em denunciar ao Lula?
CÉSAR BENJAMIN ? Quando comecei a ver gente lombrosiana ganhando cada vez mais
importância, procurei o Lula e ele disse para eu não me meter. Foi quando decidi debater
na direção nacional o que estava acontecendo: era muito grave! Mas, naquele momento,
ninguém mais se propunha a enfrentar o Lula e o Zé Dirceu.
ZUENIR VENTURA ? Você tinha provas?
CÉSAR BENJAMIN ? Àquela altura, isso não era mais novidade. Na medida em que os
esquemas se tornam grandes e influentes, deixam sinais, seus efeitos são percebidos,
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mesmo por quem não tem provas materiais. As notícias começam a circular nos
corredores. Decidi então que o gesto que me restava, em nome de 16 anos de militância no
PT e em nome da história da esquerda, era fazer um alerta na instância máxima do partido,
o Encontro Nacional. Lá, em Vitória, comecei a tratar do assunto da tribuna, de onde eu
avistava o plenário e a mesa. Quando comecei a falar, vi o Zé Dirceu se levantar, ficar de
costas para a mesa e de frente para o plenário. Enquanto eu falava, ele fazia sinais para a
turma de Santo André. De repente, meu pronunciamento foi interrompido de maneira
violentíssima. Vieram para me espancar, diante de todo mundo. O meu discurso foi
interrompido e instaurou-se o caos. Depois, alguns me contaram por que eles agiram com
tanta violência: acharam que eu ia abrir os esquemas. Não ia, simplesmente porque não os
conhecia. Mas, como levantei o assunto, eles se apavoraram e partiram para a porrada. Ali
foi meu último momento no PT. Como não consegui da direção nacional nenhum debate,
escrevi uma carta de desfiliação e saí do partido. Eu nunca me profissionalizei na política,
sempre trabalhei como qualquer cidadão e vivi do meu trabalho. Isso garantiu minha
autonomia diante da máquina burocrática. Muitos não tiveram essa possibilidade.
ZUENIR VENTURA ? Como você está vendo o Brasil?
CÉSAR BENJAMIN ? Com pessimismo. Tive uma forte ligação intelectual e afetiva com
uma geração de grandes brasileiros, que vem dos anos 30, mais ou menos de Gilberto
Freyre até Darcy Ribeiro. Entre eles, temos Sérgio Buarque, Caio Prado, Álvaro Vieira
Pinto, Roland Corbisier, que eu não conheci; Celso Furtado, Inácio Rangel e Darcy, que
foram meus amigos. São uns 10 ou 12 intelectuais de grande estatura, trabalhando com
diferentes perspectivas, freqüentemente divergindo entre si, mas com algo em comum:
todos gostavam muito do Brasil e tentavam decifrar o nosso enigma. O horizonte de
Furtado era transformar o Brasil em uma economia industrial desenvolvida. O do Caio
Prado era completar a transição do Brasil-colônia ao Brasil-nação, processo que ele
chamava de revolução brasileira. O do Gilberto Freyre era a potencialidade da cultura de
síntese que se formara aqui. O do Darcy, o mais utópico de todos, era o do Brasil como um
novo projeto civilizatório para substituir a civilização fria e triste dos países desenvolvidos,
que está chegando ao fim.
ZUENIR VENTURA ? Era uma geração de otimistas, não?.
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CÉSAR BENJAMIN ? Mas não era um otimismo bobo. Decorria de um enorme trabalho
intelectual e de uma inteireza moral. Era um otimismo construído pelo esforço de decifrar
o enigma brasileiro e sinalizar caminhos. Até os anos 20 acreditava-se que o Brasil não
teria futuro. Havia uma série de argumentos para mostrar isso. A construção da idéia de
que somos um país viável, com futuro, é uma reviravolta importante em nossa história.
Hoje, estamos perdendo o contato com essa herança. O que me manteve nessa longa
militância, dos meus longínquos 13 anos até os meus 53 atuais, foi a crença de que o Brasil
vai dar certo. O Darcy dizia: ?Quando o Brasil der certo, vai dar muito certo. Isso aqui vai
ser a nova Roma.? Exageros à parte, ele tinha certa razão, porque basta conseguirmos meia
dúzia de coisas mais ou menos fáceis e triviais para garantir dignidade a todos e, a partir
daí, construir um projeto civilizatório novo. Temos sol, alegria, música, sensualidade,
sincretismo, coisas que os países lá de cima não têm. O Darcy inverteu todos os
argumentos que eram jogados contra nós: ?Vocês são mestiços, tropicais, resultado da
reunião de gente desgarrada do mundo inteiro. Isso aí não pode dar certo.? Ele respondia:
?Isso é que é bom, isso é que vai dar certo!? Eu acho estimulante esse ponto de vista. Mas
ele nos incita a buscar caminhos próprios.
ZUENIR VENTURA ? Mas pelo jeito, você acha que o Brasil está longe de dar certo, não?
CÉSAR BENJAMIN_ A atual crise brasileira é muito grave. E, lamentavelmente, o sistema
político que substituiu o regime militar falhou, pois não é capaz de gestar alternativas
nacionais consistentes. É comandado, de um lado, por forças supranacionais, que
controlam a formulação e a execução da política econômica; de outro, por forças
subnacionais, que formam bancadas no Congresso Nacional ? a bancada do agronegócio,
da construção civil, das escolas privadas ? e recebem pedaços do Estado em concessão.
Fazer política, no Brasil, é gerenciar esse arranjo. Não há nenhuma instância pensando a
dimensão nacional e o longo prazo. Não ouvimos falar mais na esperança-Brasil, mas sim
no custo-Brasil. Estamos saindo da história. Isso me dói.
ZUENIR VENTURA ? Mas e o Bolsa Família e o PAC?
CÉSAR BENJAMIN ? Ô, Zuenir! O Bolsa Família é uma migalha: transfere 0,3% do PIB.
Dá 60 reais a cada família, em média. Isso representa 15 reais por mês por pessoa, 50
centavos por dia, um pãozinho! Se o nosso horizonte de expectativas passou a ser esse, se
consideramos isso uma grande conquista, então nos tornamos um povo de quinta
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categoria. O sistema distributivo relevante no Brasil é a Previdência Social, nascida na
Constituição de 88, que transfere 8,2% do PIB na forma de direitos, não de favores. Ela
está sendo desmontada, gradativamente substituída por esse programa baratinho, que
nega direitos e distribui favores, sob aplausos do Banco Mundial. Isso é uma merda.
Você fala do PAC. Muitas críticas se podem fazer ao plano de metas do Juscelino ou ao II
PND do Geisel, mas eles mudaram o Brasil. Traduziam um esforço intelectual sério,
buscavam levar a economia brasileira a novos patamares. O PAC é intelectualmente
indigente, é uma reunião de projetos que já estão aí rolando há anos. Juntaram os projetos
numa apostila e chamaram de plano. Mas ele não tem visão de futuro, não propõe
nenhuma mutação, não tem qualidade. Serve para o Lula viajar, inaugurando
insignificâncias e promessas.
O aspecto mais relevante, no Brasil contemporâneo, é a ascensão da mediocridade como
valor. Não me refiro apenas ao governo, mas à sociedade. Pensamos pequeno, fazemos
tudo malfeito e compensamos isso com doses cavalares de marketing. Nem sempre foi
assim. No início da década de 1950, o Brasil contratou uma equipe de geólogos, chefiada
por um norte-americano, para descobrir petróleo aqui. Eles escreveram um parecer,
dizendo que não tínhamos petróleo. O país ficou indignado. Getúlio respondeu, criando a
Petrobrás. Hoje sabemos que o laudo não era uma sacanagem, como na época se pensou,
pois o Brasil tem petróleo no mar. O laudo estava certo, para os padrões técnicos da época.
Mesmo assim, nós reagimos com base na nossa auto-estima, em uma visão de futuro, na
crença de que éramos capazes de fazer, e acertamos na mosca. Achamos petróleo
inverossímil, a dois mil metros abaixo do nível do mar. O país criou a Petrobrás em 53,
quando não tinha técnica, não tinha quadros, era uma economia fraquíssima. Mas ousava.
Eu poderia dar muitos exemplos assim. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial
houve a expectativa de um Plano Marshall para a América Latina, que não veio. Sabe o que
o Brasil fez? Criou o BNDES! Havia uma idéia de Brasil que nos permitia reagir ativamente
aos desafios vindos do sistema internacional.
Nosso lugar natural é muito periférico, Zuenir. Sempre que deixamos o sistema-mundo
definir o nosso lugar, fomos para o fim da fila. Só evitamos isso, no século XX, com um
grande esforço endógeno. O que perdemos nos últimos vinte anos foi justamente a
capacidade de sustentar esse esforço, até mesmo de concebê-lo ou simplesmente imaginá-
lo. Estamos indo para o nosso lugar natural.
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ZUENIR VENTURA ? O que seria hoje uma visão de longo prazo?
CÉSAR BENJAMIN ? Deixe-me dar um exemplo. Estamos vivendo o fim do ciclo do
petróleo, que no século XX se associou às técnicas metal-mecânicas. Há uma nova família
de técnicas que será decisiva no século XXI: as biotecnologias. A grande matéria-prima das
biotecnologias é a diversidade genética, e o Brasil dispõe de 60% da diversidade genética
do mundo. Não precisamos procurá-la sob a terra ou o mar. Ela está, basicamente, na
Amazônia, expondo-se de modo exuberante. Hoje, porém, não somos capazes de fazer, em
relação às biotecnologias, o que o Getúlio fez em relação ao petróleo. Por que a Petrobrás é
poderosa? Porque reúne um núcleo de mais ou menos sete mil brasileiros de alto nível
técnico _ especialistas em robótica, em eletrônica, em química, em geologia, em todas as
engenharias _ organizados numa estrutura que tem uma sinergia de saberes. O Brasil
precisaria criar hoje uma ?Petrobrás? da biotecnologia, para, daqui a dez ou quinze anos,
ter sete mil zoólogos, geneticistas, meteorologistas, biólogos, bioquímicos trabalhando
juntos, tendo em vista assumirmos a vanguarda em um setor novo, de ponta. Mas o
sistema político brasileiro sequer percebe que esse tipo de questão existe. Nos limitamos a
medir, a cada ano, quanto destruímos da floresta para extrair madeira e plantar soja ou
pastagem, atividades que são do período Neolítico. É desesperador. Eu poderia te dar
inúmeros exemplos do que seria um projeto nacional para o século XXI, mas me sinto
falando sozinho. Os partidos estão preocupados em costurar alianças para as eleições
municipais de 2008. O horizonte deles termina aí.
ZUENIR VENTURA ? Que passa por um projeto de educação, não?
CÉSAR BENJAMIN ? Todos sabem que a educação brasileira é um desastre. A cada ano,
jogamos na rua multidões de analfabetos funcionais. Aprendem a soletrar o nome, a ler o
letreiro de um ônibus, mas não são capazes de escrever uma carta dizendo: ?Prezada mãe,
estou aqui?. Há tempos, uma notícia chamou minha atenção. Um rapaz de 20 anos foi
preso em São Paulo por furto. Ele estava na escola desde os oito anos, e na delegacia
mandou um bilhete para a mãe. O jornal publicou uma foto do que ele escreveu. O bilhete
era quase indecifrável, parecia escrito em língua estrangeira. Estava na escola há doze anos
e não conseguia escrever quatro linhas! Coloque-se na posição desse rapaz. Que sentido
tem a vida dele? Ano após ano numa escola que não lhe ensina nada, enquanto os meios de
comunicação só falam em competitividade! A vida se transforma numa enorme perda de
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tempo. Nesse vazio de possibilidades, tudo é igual, tudo é possível, não há horizontes de
crescimento e de transcendência, não há futuro, e o próprio crime se banaliza.
ZUENIR VENTURA ? O que de mais urgente precisaria ser feito nesse campo?
CÉSAR BENJAMIN ? O economista Márcio Pochmann, da Unicamp, fez um cálculo
interessante: que esforço o Brasil teria que fazer para atingir, em dez anos, o nível que o
Chile tem hoje na escola de segundo grau? O resultado é o seguinte: teríamos que criar
cinco milhões e 700 mil novas vagas no ensino médio, formar 120 mil professores, criar
100 mil novas turmas, construir 50 mil salas de aula. Se o governo Lula dissesse: ?Eu não
vou fazer isso tudo, mas vou começar a fazer, vou começar uma revolução na educação?, eu
o apoiaria. Bastaria isso. Mas o que ele faz? Faz o Pro-Uni, um engodo. Como as faculdades
privadas cresceram muito no governo Fernando Henrique e ficaram com capacidade
ociosa, o governo Lula compra vagas nessas escolas de péssima qualidade e as oferece para
cursos à noite. Isso é brincar com o Brasil. A estrutura do ensino superior brasileiro não é
adequada às necessidades do país, pois as faculdades privadas se multiplicaram sem
controle, sempre oferecendo os cursos que têm menos custos. Seria preciso alterar a
estrutura do ensino superior, mas enfrentar isso exige uma grandeza que perdermos.
Estamos sempre em busca das soluções mais fáceis, que invariavelmente desembocam no
marketing. Enquanto oferecemos cursos ruins e de baixo custo, com professores
desestimulados, a China está formando 80 mil doutores em Física, a Finlândia assumiu a
ponta em telecomunicações, a Índia é o novo pólo mundial da informática.
ZUENIR VENTURA ? Qual a sua maior crítica ao governo Lula?
CÉSAR BENJAMIN ? É ter rebaixado os horizontes de expectativa da nação. Um povo não
se define tanto pelo que é, mas pelo que quer vir a ser. Nosso horizonte está muito
rebaixado, ficou pequenininho. Os políticos se apresentam como campeões da caridade, e
não como portadores de projetos para o país. O Lula disseminou isso, com sua enorme
capacidade de nivelar por baixo e cooptar. O MST tem convênios com o Incra, o PC do B
tem o Ministério dos Esportes, o banqueiro tem o juro, o pobre tem o Bolsa Família. Todo
mundo se dá um pouquinho bem, enquanto o Brasil caminha alegremente para o cu do
mundo. Estamos virando um país em que tudo é malfeitinho: o professor não dá uma aula
decente, passa trabalho; o aluno não aprende, faz trabalho para ganhar a nota; o Congresso
Nacional vira uma casa de despachantes; a polícia arma o bandido. As instituições estão
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deixando de funcionar, substituídas por uma enorme farsa. Taí outra coisa que me faria
apoiar o governo: ?Eu vou convocar a sociedade para, juntos, fazermos as coisas
funcionarem. Professor vai dar aula de boa qualidade, congressista vai debater questões
relevantes e fazer leis, juiz vai julgar e polícia vai combater o crime.? Já seria um bom
programa de governo... Mas o exemplo teria que vir, é claro, do próprio governo.
ZUENIR VENTURA ? Otimista por natureza, você parece ter feito a opção pelo
pessimismo.
CÉSAR BENJAMIN ? Não sou pessimista. Mas também não quero aderir ao otimismo
idiota do marketing. Com todas as minhas imensas limitações, quero ajudar a reconstruir
um otimismo que decorra de um pensamento robusto e de uma vontade vigorosa. Eu não
acho que o Brasil não vai dar certo. Mas, para que dê certo, precisamos fazer um imenso
esforço intelectual, político e moral. Precisamos pensar e trabalhar seriamente. Sinto-me
mais próximo da geração a que me referi e mais afastado da esquerda atual. Nosso povo
não tem motivos para seguir a esquerda que está aí. Ela não se mostrou à altura da sua
própria utopia, mergulhou no terreno da hipocrisia. E a política institucional brasileira
faliu.
Estamos vivendo o fim do impulso que a sociedade teve nos anos 80, com o fim do regime
militar e a redemocratização, que construiu atores, esperanças e instrumentos novos, como
a Constituição de 88, o Ministério Público, as eleições diretas, movimentos sociais, PT,
MST, CUT, etc. Esse processo deu, à minha geração, a esperança de conseguir fundir
democracia e justiça social. O Lula de 89 representava esse impulso renovador, que sofreu
um baque com a eleição de Collor. Mas o impulso permaneceu vivo enquanto existiu uma
oposição pulsante ao projeto de desconstrução de Collor e Fernando Henrique.
Permaneceu existindo uma esperança, a idéia de que um dia isso ia chegar lá! Quando o
Lula ganha em 2002 e, junto com o PT, rasga a fantasia, integrando-se ao sistema
tradicional de poder, o impulso reformador dos anos 80 realmente se esgota. Começa a
anomia. Hoje, os partidos só discutem o loteamento de cargos, muitos dos quais, aliás,
perfeitamente medíocres.
ZUENIR VENTURA ? Por que há tanto interesse em nomear um diretor do DNER?
CÉSAR BENJAMIN ? Porque cada órgão, cada diretoria, gerencia orçamentos, organiza
licitações, faz compras, atende ou deixa de atender pedidos, e é isso que interessa. A
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democracia recente brasileira ? o governo Lula acelerou esse processo ? criou lobbies que
pilham sistematicamente o Estado nacional. O Estado deixou de ser um espaço
organizador de um projeto e se transformou em um terreno aberto à acumulação
primitiva. O presidente do Brasil tem 25 mil cargos para nomear, enquanto o presidente da
França tem 300. Com isso, ele quebra a espinha do Congresso, que se apequena e passa a
viver em torno dessas negociatas. Tem gente boa lá, mas a banda podre é que se sente
prestigiada e cresce. Estabelecem-se relações cínicas, que contaminam toda a nação.
ZUENIR VENTURA ? Você ainda acredita no estado nacional?
CÉSAR BENJAMIN ? Tempos atrás, li no jornal que dona Marisa tinha feito uma viagem
de Brasília por terra e, ao voltar, disse para o marido: ?Luiz Inácio, as estradas estão muito
esburacadas!? Aí o presidente da República foi pessoalmente lançar a operação tapa
buraco. Disse publicamente que dona Marisa o alertara para o problema. Isso foi notícia
durante semanas. Fiquei deprimido. Você consegue imaginar o presidente da França
cuidando de tapar buracos? O presidente da China? O dos Estados Unidos? O primeiroministro
da Alemanha? Isso é uma atividade rotineira do oitavo escalão. Aqui, para minha
surpresa, ninguém gargalhou quando o presidente foi cuidar de buracos! Não há mais
Estado, Zuenir, estamos em vôo cego. Povos sem estado se lascam.
ZUENIR VENTURA ? Você acha que estamos nos lascando?
CÉSAR BENJAMIN ? Isso só não é ainda claro porque a conjuntura internacional está
muito favorável. Nossa economia é muito sensível aos choques internacionais, e vivemos
atualmente um choque positivo. Mas, em algum momento, o ciclo se reverterá. Aí os
capitais voláteis irão embora. Vamos descobrir que somos exportadores de soja e minério
de ferro e que 96% dos empregos que criamos nos últimos seis anos foram de empregada
doméstica, balconista, vigilante e moto-boy. Nossa população está virando a massa
trabalhadora desqualificada do século XXI. O governo Lula anuncia um saldo comercial de
US$ 149 bilhões em quatro anos, magnífico para o padrão brasileiro. Agora, pegue o
balanço de pagamentos como um todo. Você vai ver que US$ 149 bilhões entraram pelo
saldo comercial, mas US$ 119 bilhões saíram como remessas de serviços e rendas. Não fica
quase nada aqui. É uma pilhagem. O Brasil é um ótimo lugar para se ganhar dinheiro e um
péssimo lugar para se investir. O que as multinacionais fazem? Aplicam aqui na produção
de commodities, nas quais temos grandes vantagens comparativas, ou nos mercados
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financeiros. Depois tiram o dinheiro e investem na China. Esse processo está mascarado
pelo marketing, pelos pequenos favores e pela melhor conjuntura internacional dos
últimos 50 anos.
ZUENIR VENTURA ? Quer dizer que o sucesso de Lula no exterior também é marketing?
CÉSAR BENJAMIN ? Fico espantado quando ouço dizer que o Brasil está
promovendo a integração sul-americana. Do ponto de vista econômico, o Brasil está
desagregando a América do Sul. Ele tem superávit com todos os países do continente, isto
é, drena recursos deles. Como a conta financeira do nosso balanço de pagamentos foi
desregulamentada, esses recursos saem daqui com extrema facilidade, sem controle. Ou
seja, nós somos a grande porta de saída dos recursos da América do Sul para o mundo.
Quem quer integrar e é o mais forte não pode agir assim, tem que fazer déficit com o mais
fraco, ou pelo menos buscar formas de compensação com ele. A China tem superávit com
os Estados Unidos e déficit com seus vizinhos, para ligá-los a ela em torno de um projeto
regional. Para constituir um bloco sólido depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos se esforçaram para criar déficit com os aliados (o Plano Marshall e a construção de
bases militares faziam parte dessa política), irrigaram seus parceiros e conseguiram
integrá-los ao seu projeto geopolítico. O Brasil faz o contrário: drena recursos de todo o
continente, joga para fora e diz que tem uma política integradora. A esquerda fica
repetindo isso.
ZUENIR VENTURA ? Voltando a 68, qual foi o maior legado político do movimento?
CÉSAR BENJAMIN ? Não consigo ver nenhum legado, digamos, orgânico por causa da
própria natureza do movimento. Mas em algumas áreas ou frentes houve um legado
significativo, sim. Por exemplo, a mudança de condição da mulher. A geração das nossas
mães é completamente diferente da de nossas amigas e dos nossos filhos. Minha filha,
como você viu, acaba de entrar com o namorado em casa e vai para o quarto com ele. Acho
que houve um questionamento de estruturas que estavam esclerosadas, não só no mundo
capitalista, mas também no bloco soviético. Foi uma fissura. Houve em 68 a explosão de
uma energia que disse ao poder que o poder não podia tudo.
ZUENIR VENTURA ? Você acha que os governos de FH e Lula levaram valores de 68 ao
poder?
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CÉSAR BENJAMIN ? O Fernando Henrique está muito longe de ter a estatura intelectual
que lhe dão. Quando se tornou presidente, fui reler seus textos, como um dever de ofício.
São uma fraseologia que não diz nada, um sociologuês que não leva a lugar nenhum.
Quanto ao Lula, ele se destacou como sindicalista no melhor momento para se fazer
política sindical: uma ditadura fraca, caminhando para o fim, uma economia crescendo em
altas taxas, com pleno emprego, salário muito achatado e com as multinacionais prontas
para dar aumento salarial. As filiais brasileiras estavam assumindo papéis importantes nas
estratégias internacionais dessas empresas, e o trabalho no Brasil era baratíssimo. As
multinacionais do ABC paulista tinham muita folga para negociar. O Lula teve méritos,
senão não teria aproveitado esse bom momento. Mas também deu a sorte de pegar uma
conjuntura sindical extremamente favorável. Quando ele surgiu no cenário nacional,
encontrou uma oposição crescente, porém ainda dispersa, que precisava de um pólo de
aglutinação. Dentro dessa oposição havia setores marxistas que sonhavam com a revolução
operária. O Lula foi a chegada do Messias. Era o que a esquerda esperava: a idéia de um
operário metalúrgico liderando uma revolução socialista se encaixava direitinho na
doutrina.
ZUENIR VENTURA ? Sem falar nos intelectuais, não é?
CÉSAR BENJAMIN ? A junção de pessoas e movimentos, que estavam relativamente
dispersos, gerou o PT e criou um impulso que durou até, pelo menos, 89. Um partido
jovem, militante, aglutinando católicos, marxistas, sindicalistas. Foi um sonho que eu
sonhei. Hoje eu vejo que foi um grande erro.
ZUENIR VENTURA ? Você acha? Por quê?
CÉSAR BENJAMIN ? O PT nasceu querendo reinventar a história, dizendo que ela
começava com ele. O que acontecera para trás não tinha valor. Renegou a mais brilhante
geração de intelectuais brasileiros e não compreendeu o movimento endógeno do Brasil.
Tudo era impuro e ele era puro. Como não foi capaz de construir uma doutrina em bases
sólidas, acabou facilmente cooptado pelo que há de pior. Não se constituiu nem mesmo
como um partido reformista sério, o que já estaria de bom tamanho. Num partido
arrogante e frágil, sem história, Lula e Zé Dirceu encontraram um campo fértil para
implantar a estratégia desagregadora que conceberam.
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