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Pesquisa analisa política pública para pessoa com deficiência

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Publicado em:25/04/2014
Tatiane Vargas

Ao longo das últimas décadas, diversos avanços foram obtidos em relação às políticas públicas para pessoas com deficiência no Brasil e no mundo. A participação efetiva dessas pessoas na definição de políticas, por exemplo, foi um grande avanço, pois demonstra a significativa conscientização da sociedade sobre o tema.

Apesar dos progressos, diversos obstáculos ainda se colocam pela frente, de forma que é possível afirmar que a política de atenção à saúde da pessoa com deficiência no Brasil e no mundo ainda é precária.

No intuito de explorar a questão, a terapeuta ocupacional Vania Mefano desenvolveu a pesquisa Política pública para pessoa com deficiência: Brasil e experiência internacional. O estudo foi orientado pelo coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e pesquisador da Escola, Nilson do Rosário, no âmbito do mestrado em Saúde Pública da ENSP. 

Segundo Vania Mefano, "para a garantia do sucesso da política pública para pessoa com deficiência é necessária, entre outras medidas, a presença mais efetiva do Estado". Confira abaixo a entrevista sobre o desenvolvimento e os resultados da pesquisa.

Informe ENSP: Qual foi o principal objetivo da pesquisa Política pública para pessoa com deficiência: Brasil e experiência internacional?

Pesquisa analisa política pública para pessoa com deficiênciaVania Mefano:
O principal objetivo do estudo foi analisar a política nacional de saúde da população com deficiência no Brasil a partir de documentos nacionais e internacionais e expor a relevância do problema dada às condições socioeconômicas desse grupo populacional e ao vazio na abordagem do tema na área da saúde, tanto por parte do poder público como por parte da academia. Percebi a necessidade de discutir de forma mais profunda os problemas e tentar com isso alterar um pouco a situação de invisibilidade do tema.

Informe ENSP: De que maneira se deu o desenvolvimento do estudo?

Vania Mefano:
Minha experiência profissional de mais de 30 anos na área da assistência deixou uma forte marca do modelo assistencial biomédico que valoriza principalmente a intervenção no tempo certo e na forma correta. Inicialmente minha pergunta para a pesquisa buscava esclarecer o sistema de assistência no SUS, a avaliação dos serviços, os modelos e a cobertura de saúde. Os estudos na área de concentração de políticas públicas que tive acesso nas disciplinas do mestrado e através do meu orientador me instigaram questionamentos importantes que relacionei com a militância que exerço nos temas relativos à pessoas com deficiência.

Estar em contato com concepções contemporâneas sobre deficiência, como o Modelo Social da Deficiência e o Modelo da Diversidade fomentou reflexões importantes que relacionam a discussão sobre Modelos de Saúde, Atenção Primária e os cuidados de saúde da pessoa com deficiência, tema que me identifiquei profundamente. A pouca produção científica no cenário nacional também influenciou a escolha deste caminho.

Um estudo sobre avaliação de política foi se delineando como o melhor caminho, pensando que seria o primeiro passo para um caminho de pesquisa que pretendo que seja longo. A ausência de uma série histórica de dados sobre a assistência pesou negativamente na evolução do trabalho enquanto a publicação da nova política para pessoas com deficiência - Plano Viver sem Limites - e o Relatório Mundial sobre a Deficiência da OMS (2011) - tiveram uma grande influência positiva na escolha do tema.

Informe ENSP: Quais resultados foram obtidos com a pesquisa?

Vania Mefano:
A pesquisa em fontes de dados secundários internacionais mostrou que a atenção de saúde a pessoas com deficiência, em todos os países, infelizmente é precária. A procura por assistência em saúde é maior nas mulheres dos países de alta renda. Desse grupo são as pessoas com deficiência as que necessitam de mais cuidados de saúde nos serviços de internação e ambulatório em todas as idades e em qualquer extrato econômico.

Em todos os países e na população em geral existe um número significativo de procura de serviços de saúde sem sucesso, sendo a prevalência nos países de baixa renda e nas pessoas com deficiência. A procura por internação de pessoas com deficiência tem maior concentração na faixa etária de 60 anos ou mais de idade, já a busca por atendimento ambulatorial é entre 50 e 59 anos. As barreiras de acesso são uma realidade mundial, no entanto existem diferenças entre os países de acordo com o nível econômico.

Nos países de alta renda, pessoas com deficiência enfrentam dificuldades no acesso aos serviços universais de saúde devido às causas relacionadas ao transporte, equipamentos, falta de conhecimento por parte de profissionais da saúde das especificidades no cuidado de pessoas com deficiência. Referem pouco ou nenhuma assistência de cuidados básicos de saúde. Nesses países foram observados dificuldades na aquisição de equipamentos que auxiliam locomoção, órteses e outros equipamentos de acessibilidade imprescindíveis para independência e melhora na qualidade de vida em algumas situações de incapacidade.

Nos países de baixa renda as principais barreiras de acesso estão relacionadas às dificuldades de pagamento pelos serviços de saúde e pelo transporte, com o agravante da realidade que nesses países há ausência de serviços universais de saúde. A realidade de crianças com deficiência é drástica. O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Criança (Unicef) sobre a Situação Mundial da Infância / Crianças com Deficiência - 2013, sinaliza que as crianças com deficiência são as menos propensas a receber cuidados de saúde ou ir à escola. Elas estão entre as mais vulneráveis a violência, abusos, exploração e negligência, especialmente se estão escondidas ou em instituições – como é o caso de muitas delas, ainda nos dias de hoje, devido ao estigma social ou ao custo econômico para criá-las.

O resultado combinado é que as crianças com deficiência estão entre as pessoas mais marginalizadas no mundo. Crianças que vivem na pobreza estão entre aquelas com menor probabilidade de usufruir, por exemplo, dos benefícios da educação e de cuidados de saúde, mas para crianças que vivem na pobreza e têm deficiência é ainda menor a probabilidade de frequentar a escola ou centros de saúde no local onde vivem.

Uma análise comparada entre países de alta e baixa renda mostra que quanto mais perto dos decís econômicos mais baixos, maior a incidência de deficiências e menor acesso de saúde e quanto mais próxima aos decís socioeconômicos mais altos, menor a incidência de deficiência e menos barreiras de acesso. Em todos os países, os grupos vulneráveis, como mulheres, pessoas vivendo em situação de pobreza extrema, e idosos apresentaram incidências superiores de deficiência, sendo que nos países em desenvolvimento as taxas são mais altas.

Informe ENSP: Qual panorama da política para pessoa com deficiência no Brasil atualmente?

Vania Mefano:
Segundo dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, no Brasil 23,91% da população possuem 'alguma deficiência' com maior concentração entre as mulheres, em área rural, nas regiões norte e nordeste do Brasil, na seguinte ordem: afrodescendentes, pardos e indígenas.

Essa pesquisa está direcionada a apenas uma parte desse grupo, ou seja, as pessoas com grande dificuldade e os que não consegue de modo algum realizar as funções intelectuais, motoras e sensoriais (visual e auditiva). A razão deste recorte se dá pelo fato de que as políticas públicas de cuidados de saúde na atenção primária, secundária e terciária para este grupo populacional são específicas dadas à carga de incapacidades e de cuidados de saúde envolvidos. Pessoas que apresentam dificuldades funcionais de moderada à grave no Brasil são em torno de 8,27% da população e no mundo, de acordo com as pesquisas, variam entre 2,2% e 3,8%.

Segundo dados do IBGE de 2010, 59% das pessoas com deficiência pertencem ao grupo de idade entre 15 a 64 anos, 34% com 65 anos ou mais e 7% entre 0 a 14 anos de idade; a média da variação do nível de ocupação quanto ao gênero em todas as deficiências foi de 57,3% para os homens e 37,8% para as mulheres, uma diferença de 19,9 pontos percentuais ; mais de 23,7 milhões de pessoas com deficiência em idade ativa não estão ocupadas; mais da metade das pessoas com deficiência (61,1%) não possuem instrução ou apresentam nível fundamental incompleto.

A assistência de saúde tanto no SUS quanto na medicina suplementar não atende a necessidade da população. Na saúde suplementar apenas 21,39% das pessoas com deficiência possuem planos de saúde. Desse total, o grupo que se encontra no segundo décil de renda representa apenas a 2,31% e para as pessoas com deficiência mais ricas (último décil) 61,54% desfrutam de algum plano de saúde.

No SUS existem algumas variações de acordo com o tipo de atenção. Na atenção especializada, com exceção de casos pontuais que conseguem desenvolver um bom trabalho, a maioria da população esta descoberta. Neste seguimento que realiza os serviços de média e alta complexidade, os programas demandam recursos financeiros de grande porte, com equipe multidisciplinar, um cardápio vasto de equipamentos de acessibilidade que em muitos casos são de alto custo.

Apesar de insuficientes, pode-se dizer que, se existe alguma ação de saúde para pessoas com deficiência é nesse segmento que ela acontece. Na atenção básica a situação é diferente, pois efetivamente não existe acessibilidade e não há investimento político para esse nível de atenção para pessoas com deficiência. Por se tratar de ações que dependem da compreensão e efetivação de outra concepção de saúde e cuidados, a pessoa com deficiência esta invisível.

Compreendendo a potência dessas ações no território e sabendo da necessidade desse tipo de intervenção na vida das pessoas com deficiência, a constatação dessa realidade é no mínimo inquietante. Esta pesquisa apresenta uma análise modesta sobre alguns aspectos dos cuidados na atenção primária, secundária e terciária no território nacional. No entanto ela mostra que apesar dessa realidade, existe uma legislação farta que determina uma política clara de atenção em saúde. O Plano viver sem Limites e seu correspondente na Saúde - a Rede de Cuidados às Pessoas com Deficiência - é mais uma delas.

Informe ENSP: O que se pode concluir sobre a política pública para pessoa com deficiência em nosso país?

Vania Mefano:
A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde (Portaria Nº 793, de 24 de abril de 2012) tem avanços importantes. Destaco como o principal deles o aspecto orçamentário uma vez que existe verba específica para a reforma, construção e custeio dos serviços de reabilitação - atenção especializada. No entanto a regulação dessas ações ainda deixa muito a desejar. Vale ressaltar que essas ações estão em conformidade com o modelo biomédico da deficiência.

Em relação à atenção básica e cuidados de saúde com promoção e prevenção de doenças secundárias à deficiência, medidas que expressam uma forma de cuidados de saúde aos moldes do modelo social da deficiência, o Plano não dedica medidas de incentivo e regulação o que representa um mau prognóstico. Algumas reinvindicações antigas dos movimentos sociais estão contempladas no Plano, como a expansão do cardápio de equipamentos dispensados pelo SUS; expansão nas ações preventivas de doenças reconhecidamente evitáveis.

O que se pode observar é que os municípios que se enquadram nos critérios de elegibilidade para a implantação de serviços e que possuem gestores afeitos ao programa, tomaram a frente e começaram a executá-lo, que hoje representa uma minoria. Os municípios onde o programa não tem o mesmo apoio as ações são inexpressivas. Realidade majoritária no território nacional.

Nesse sentido, essa pesquisa apresenta a análise diversos autores que tratam da descentralização de políticas públicas em estados federativos, o papel do Estado e a importância de medidas de regulação e incentivos para efetivação dessas políticas. Considerando nossa realidade geográfica de dimensão continental e o tema específico da deficiência na forma como historicamente vem sendo tratado, chama a atenção para a necessidade de medidas efetivas e mais contundentes como a presença mais efetiva do Estado para a garantia do sucesso dessa política.

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