Direito à saúde como parte da transformação social

No início de sua apresentação, José Manuel Pureza disse que nenhum conhecimento é neutro ou afastado da realidade. Segundo ele, a multidisciplinaridade é a única forma de trabalhar a realidade. “Sou daqueles que entendem que as leis são tudo, menos salvação da nossa vida. No entanto, podem ser elementos essenciais para utilizar na luta política e social”, afirmou.
Pureza destacou pontos importantes sobre a questão saúde como direito. “Estamos bem por termos leis como a Declaração Universal de Direitos Humanos e não devemos desdenhar de ferramentas que nos ajudam nos combates diários.” Ele considera que a primeira vantagem das normas de direito é que elas servem para confrontarmos o consenso quanto ao entendimento neoliberal sobre a privatização da saúde, por exemplo. Essa forma dominante do pensamento pode ser útil como argumento importante, mas não resolve.
“A saúde tem sexo, idade, raça, condição física. Saúde como direito é algo que se inscreve claramente no processo histórico de construção de direitos humanos dos mais excluídos e discriminados. Os direitos humanos são conquistas e resultados de processos de turbulência, e não de consensos, de finais felizes. O resultado dessas rupturas é a emancipação social, resgata vidas destruídas.” Portanto, segundo Pureza, falar de saúde como direitos humanos é falar de alteração da ordem estabelecida, porque os poderes estabelecidos têm sempre o objetivo de neutralizar, envolvendo o processo de mobilização coletiva. Então, para ele, saúde como direito não termina com a consagração desse entendimento na lei, apesar de isso ser importante.
Quanto à especificidade do direito à saúde, Pureza entende que o doente que está em casa é uma pessoa fisicamente mais frágil para combater pela sua dignidade traduzida em saúde, e essa vulnerabilidade física não permite a força para luta.
Para o pesquisador português, a linguagem do pensamento econômico intimida. “A maneira de ver o mundo por meio do endeusamento do mercado financeiro não permite ver que, do outro lado, está o direito de dignidade das pessoas. O indivíduo, no mercado, procura maximizar o seu bem-estar pessoal, não tem filhos, nem afeto, nem amigos, nada que fuja ao domínio da racionalidade. Estamos mergulhados nessa forma de ver o mundo. Não há debate, virou senso comum”, comentou.
“Na Europa, temos uma configuração dramática. Estamos num retrocesso esmagador. A ideologia da privatização impera como benigna, eficiente, cheia de virtudes, mas, se quisermos levar a sério a saúde como direito, devemos dar total prioridade à dignidade das pessoas”, disse Pureza.
O último ponto destacado pelo palestrante foi a concessão de saúde. Segundo ele, a concepção neoliberal considera saúde como responsabilidade de cada um: cabe aos próprios indivíduos o dever de ser saudável e de evitar o risco em saúde, além da responsabilidade de adotar um estilo de vida saudável. Pureza defendeu outro tipo de concessão de saúde: a justiça sanitária. Por meio dessa concepção, o importante é a saúde ampla, positiva, não só ausência de doença, mas condições sociais, econômicas, culturais e de vida com qualidade. “Não há saúde ampla sem mobilização coletiva. Conceber direitos como um produto da lei coloca tudo na esfera pública, mas temos de considerar a vida privada, a relação entre as pessoas", finalizou.
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