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Movimentos sociais são foco de mestrado na ENSP

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Publicado em:05/10/2012

A tríade saúde, trabalho e ambiente tem norteado os processos de qualificação voltada para militantes e lideranças que atuam nos processos da reforma agrária, nos assentamentos e na construção das alternativas ao agronegócio. A partir disso, a ENSP, articulada com outras instituições e iniciativas, está desenvolvendo um curso de mestrado profissional em Trabalho, Saúde e Ambiente e Movimentos Sociais. O curso é dirigido à população do campo e da floresta, da qual fazem partem camponeses, agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados, temporários, assentados, acampados, comunidades de quilombos e tradicionais, populações que habitam ou usam reservas extrativistas, ribeirinhos, pessoas atingidas por barragens, entre outras.

 
Confira, abaixo, a entrevista ao Informe ENSP concedida pelo pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) Marcelo Firpo, um dos coordenadores desse novo projeto.   
 
Movimentos sociais são foco de mestrado na ENSPInforme ENSP: É sabido que existe, no país, uma premente necessidade de formação nessa área. Hoje, o Brasil também conta com a recente Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Esse foi o pano de fundo para a criação do curso?
 
Marcelo Firpo: O curso nasceu de uma demanda dos movimentos sociais do campo, em especial do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Via Campesina, por meio de uma parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes e do Instituto de Educação Josué de Castro. Há uma necessidade de qualificarmos os militantes e lideranças que atuam nos processos da reforma agrária, nos assentamentos e na construção das alternativas ao agronegócio, em particular na chamada transição agroecológica. E o tema da saúde, trabalho e ambiente é central nessa discussão. 
 
Por outro lado, a qualificação de agricultores e militantes em cursos de graduação vem ocorrendo há algum tempo. Assim, é necessário avançar por meio de cursos de pós-graduação, principalmente no atual contexto de novas escolas técnicas rurais que precisarão de quadros afinados com os princípios da reforma agrária, segurança e soberania alimentar.  
 
A relevância do tema também está presente no SUS. A importância do tema tem sido apresentada pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), pelos profissionais de saúde, principalmente no campo da vigilância em saúde ambiental e dos trabalhadores, além do próprio Ministério da Saúde. 
 
Recentemente, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assinou a portaria que cria a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. Ela busca orientar as ações para melhorar o acesso à saúde dessas comunidades, além de prever medidas específicas para o sistema de vigilância em saúde e para monitorar problemas de saúde decorrentes do uso de agrotóxicos e transgênicos. Populações do campo e da floresta incluem os camponeses, agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados, temporários, assentados e acampados. Além desses, a portaria também define como populações do campo e das florestas as comunidades de quilombos e tradicionais, populações que habitam ou usam reservas extrativistas, além de ribeirinhos e pessoas atingidas por barragens, entre outras. A portaria é uma das razões para que o Ministério da Saúde, por meio de sua Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, discuta neste momento um apoio à realização do curso.
 
Outro elemento importante é a existência da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Várias entidades e instituições estão envolvidas na campanha, entre elas a Fiocruz. O motivo dessa grande mobilização nacional foi o fato de o Brasil, desde 2008, ter se tornado o principal consumidor mundial de agrotóxicos. Isso está diretamente relacionado com o modelo agrícola exportador de commodities rurais, como a soja, que concentra terras por meio de grandes propriedades e monocultivos. É um modelo de dependência química insustentável e injusto, pois gera inúmeros conflitos sociais e ambientais na disputa pela terra por camponeses e povos tradicionais (por exemplo, indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores). Ao mesmo tempo, compromete a segurança e a soberania alimentar do país. 
 
No ano passado, em 2011, por conta da Campanha Nacional contra o Agrotóxico e do papel da Fiocruz no movimento, a ENSP recebeu, para a sua aula inaugural, o coordenador do MST, João Pedro Stedile. Após inúmeras conversas com o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fundação (Asfoc) e pesquisadores, Stedile voltou à Fiocruz para uma reunião com a presidência. O objetivo do encontro foi apresentar propostas de cooperação. Nesse contexto, o diretor da Escola, Antônio Ivo de Carvalho, assumiu um compromisso público de apoiar a demanda de um mestrado profissional apresentada pelo Stedile. Desde então, um grupo de pesquisadores, sob a coordenação da professora e pesquisadora da ENSP Isabel Brasil, passou a trabalhar no projeto.
 
Informe ENSP: Com quais parcerias a ENSP conta no processo de desenvolvimento, coordenação e formação do curso?
 
Marcelo Firpo: A Escola sediará o curso e diplomará os alunos, mas a proposta envolve a articulação de várias unidades e pesquisadores que vêm atuando de forma engajada com os movimentos sociais, inclusive movimentos urbanos, e a campanha nacional. Temos ainda a participação de pesquisadores da ENSP e existem importantes iniciativas no âmbito da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e do Instituto Nacional de Controle de Qualidade de Saúde (INCQS/Fiocruz). O curso também conta com auxílio de outros centros da Fundação sediados em diferentes estados, como o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, em Pernambuco, por meio da pesquisadora Lia Giraldo. 
 
O curso dialoga com pesquisadores da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), que estão envolvidos na atual produção de um dossiê sobre agrotóxicos. Este será um importante documento que envolve pesquisadores e militantes, como Fernando Carneiro, da Universidade Nacional de Brasília (UnB), Raquel Rigotto, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso. 
 
Em qual fase está o curso e quais são seus principais focos? 
 
Marcelo Firpo: O edital do curso já está em fase adiantada, em breve será encaminhado à Comissão de Pós-Graduação da ENSP. O objetivo geral da formação, de acordo com o edital, é educar e qualificar profissionais graduados atuantes nos campos da saúde, da educação do campo, ciências agrárias, em áreas voltadas para a reforma agrária e comunidades camponesas. A formação será feita por meio do mestrado profissional, com vistas à consolidação de conhecimentos acerca do método, da teoria critica e do desenvolvimento de investigações na área trabalho, saúde e ambiente e movimentos sociais. 
 
Trata-se de uma proposta inovadora, com previsão inicial de formação de 30 educadores, em nível de pós-graduação stricto sensu. Os futuros mestrandos serão profissionais articulados principalmente à Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e às escolas de formação profissional em saúde. 
 
O curso segue os pressupostos da Educação do Campo – entendida como processo e resultado das contradições e conflitos em que camponeses e trabalhadores rurais estão envolvidos – e da pedagogia da alternância, que respeita a dinâmica de trabalho dos educandos com seus territórios. Dessa forma, o curso prevê a realização de cinco momentos que intercalarão o tempo escola com o tempo comunidade. 
 
Informe ENSP: De que forma o curso relacionará o campo da reforma agrária com a área da reforma sanitária e a implementação do SUS?
 
Marcelo Firpo: Entendemos que existe uma importante conexão entre os objetivos da reforma agrária e das demandas dos movimentos sociais do campo com a reforma sanitária e a organização do SUS. Em sua origem, a reforma sanitária possui um compromisso histórico de enfrentar as desigualdades e construir a democracia no país e na região, o que está expresso no referencial dos determinantes sociais da saúde. Por outro lado, como já mencionado, o tema dos agrotóxicos é atualmente central para inúmeros municípios brasileiros em termos de saúde do trabalhador e saúde ambiental, assim como para a vigilância e promoção da saúde. 
 
Além disso, o tema impacta o Sistema Único de Saúde (SUS) de forma mais ampla. Um exemplo em que podemos conferir esse impacto é o Seminário Agrotóxicos e Câncer, que será realizado nos dias 7 e 8 de novembro no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. Esse encontro é uma realização do Inca em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Controle de Qualidade de Saúde (INCQS/Fiocruz).
 
A proposta do curso coloca em prática a articulação entre a academia e os movimentos sociais emancipatórios. O que nem sempre é fácil em tempos de produtivismo acadêmico, que dissocia a produção dos pesquisadores, por meio de artigos em periódicos indexados, com sua inserção na resolução de problemas sociais e de saúde pública presentes na sociedade e demandados por movimentos sociais.
 
Ainda do ponto de vista acadêmico, entendo estar em jogo a construção de novas bases epistemológicas e sociais na produção de conhecimentos e práticas transformadoras, tal como vem sendo atualmente realizado pelo grupo da Abrasco no Dossiê Agrotóxicos. Precisamos inovar e praticar o que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chama Ecologia dos Saberes. Ou seja, a construção de novas alternativas epistemológicas, por meio da qual a ciência constitui-se em uma racionalidade mais ampla, que busca superar a dicotomia natureza/sociedade e sujeito/objeto, baseada numa forma mais complexa e dialética de compreender e atuar frente à realidade. Tudo isso em uma concepção construtivista que aproxime as ciências naturais às ciências sociais, bem como articule conhecimento científico e outras formas de conhecimento populares, comunitários e tradicionais presentes na cultura das populações do campo e das florestas. 
 
A proposta não é pensar somente em um único paradigma epistemológico, e sim em um paradigma social e político mais amplo, concebido mediante diálogos transdisciplinares e transculturais que possibilitem transições mais justas e autônomas, sujeitas a lógicas, dinâmicas e ritmos distintos, porém complementares, em direção a sociedades sustentáveis, saudáveis e democráticas.
 
Informe ENSP: Como estão organizadas as disciplinas e quais são os principais temas tratados?
 
Marcelo Firpo: As disciplinas e conteúdo ainda estão sendo discutidos. Até o momento, estão previstas sete disciplinas básicas no curso. São elas: Estado, sociedade e políticas públicas; Formação econômica e social do Brasil e a questão agrária; Trabalho, ciência e sociedade; Metodologia da pesquisa I; Metodologia da pesquisa II; Território, saúde, trabalho e ambiente; Agroecologia, território e promoção da saúde; Ferramentas e métodos em saúde, trabalho e ambiente. 
 
Está prevista maior concentração de carga horária nas últimas cinco disciplinas, pois se entende que elas apresentarão um grande desafio teórico-metodológico na formação de futuros pesquisadores críticos e militantes. Ou seja, veremos como analisar contribuições e limites das metodologias científicas existentes de saúde, trabalho e ambiente. Como as novas formas de construção de conhecimento incorporarão demandas e práticas dos movimentos sociais e influenciarão a saúde das populações do campo, bem como da população em geral, por exemplo, por meio do tema dos agrotóxicos e do entendimento da agroecologia enquanto estratégia de promoção da saúde. 
 
Informe ENSP: A organização deste mestrado já realizou alguns encontros. Surgiu algo novo, avanços ou alterações na proposta do programa? 
 
Marcelo Firpo: As oficinas, sob a condução de Isabel Brasil e participação da Direção da ENSP e do coordenador do mestrado profissional da Escola, Sergio Pacheco, reuniu um grupo de pesquisadores mais diretamente envolvidos com esta proposta, o que deverá se ampliar nas próximas fases. 
 
Durante as oficinas, foram discutidas as bases da proposta, as regras do mestrado profissional e sua articulação com as características inovadoras de um mestrado como esse. A previsão da Direção da ENSP, em consonância com o compromisso assumido pela Escola de desenvolver esse mestrado profissional, é que o edital seja discutido, formulado e finalizado até o final deste ano.

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