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Brasil diminui desigualdade social a cada ano

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Publicado em:26/03/2010

Convidado para a conferência de abertura do ano letivo de 2010 da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o economista e chefe do Centro de Políticas Sociais, filiado ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri, falou sobre Educação, distribuição de renda e desenvolvimento humano: uma abordagem transversal. O economista apresentou dados sobre a redução da desigualdade social no Brasil, fruto do aumento da renda da população. Explicou ainda que a educação é forte aliada nesse processo e destacou que, mesmo com todas as dificuldades, o brasileiro é um povo feliz.

Confira, abaixo, entrevista exclusiva de Marcelo Neri ao Informe ENSP.

Informe ENSP: Você se diz um entusiasta da área da saúde. Explique melhor isso.

Marcelo Neri:
Apesar de ser um economista social, sou admirador da área da saúde por algumas razões. Uma delas é que entendo a importância que a saúde tem para o bem estar da sociedade e para a vida das pessoas, mas se olharmos os dados de mercado de trabalho, o que encontramos é que dez entre dez profissões ou formações aonde há maior escassez na jornada de trabalho são da área da saúde. A boa notícia é que existe uma demanda de mercado para a ocupação de profissionais da área, como médicos, enfermeiros, pesquisadores, bem como os salários que a área oferece.

Outra razão para ser entusiasta da área da saúde é que há uma certa generosidade de todos em olhar para a área da saúde, e isso está cada vez mais presente na literatura, principalmente nos determinantes sociais de saúde, com a qual eu tenho tido mais contato recentemente. A sociedade, principalmente, entende que as políticas de saúde são fundamentais para o país, assim como educação e distribuição de renda.

Informe ENSP: Ao longo dos anos, o Brasil mostrou ser um país que mudava de perfil a cada década. Evoluímos muito de 1960 para cá. Quais foram essas mudanças?

Marcelo Neri:
A história do Brasil teve grandes marcos nos últimos 50 anos. Eu penso que as décadas de 60 e 70 foram aquelas do crescimento e milagre econômico e da ditadura e que determinaram a agenda da sociedade brasileira nos anos seguintes. Já na década de 80 tivemos a constituição como um marco democrático e a criação do SUS. Entretanto, terminamos a década de 80 com dois picos históricos. O primeiro foi da inflação chegando a 80% no mês em março de 1990, e o da desigualdade de renda, gerando os altos índices de desigualdade social. A década de 90 foi a da redução dessa desigualdade e do emprego formal aumentando no país.

Se olharmos dados de 1970 a 1995, nenhum país do mundo teve mais inflação quanto o Brasil, nem mesmo a Argentina. Mesmo entre 1970 e 2008, apesar de termos 13 anos de estabilização e uma inflação bem baixa, ainda somos o segundo lugar do ranking mundial, só perdendo para o Congo.

Atualmente o Brasil está mais próximo do caso de perfeita desigualdade do que de perfeita equidade. Os índices de desigualdade no país subiram muito nos anos 60, na época do milagre econômico, piorando ao longo das décadas até 2001. De 2001 a 2008 temos o começo da redução da desigualdade. Uma pequena mudança na desigualdade brasileira implica em grandes mudanças na vida das pessoas.

Uma coisa que eu noto olhando a nossa história é que anos terminados em quatro são pontos de mutação, por pura coincidência. Em 1954 tivemos a morte de Getúlio Vargas. Em 1964 foi o golpe militar. O ano de 1974 marca uma distensão política no país e uma desaceleração econômica fruto do choque do petróleo. Já em 1984 tivemos as Diretas já e viramos democracia. Em 1994 foi a vez da estabilização financeira. Apesar de ser menos conhecido, 2004 é o ano aonde a desigualdade teve a maior queda da nossa história brasileira. Eu acredito que esta última década é a da redução da desigualdade de renda.

Informe ENSP: O que houve de 2001 a 2008 para essa redução na desigualdade no Brasil?

Marcelo Neri:
Tivemos como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que entrevista a cada ano cerca de 500 mil pessoas. Os dados mostram que os 10% mais pobres tiveram ganhos de 72% acumulado de 2001 a 2008, enquanto que os 10% mais ricos tiveram ganho de 11,4%. Ou seja, os mais ricos estão vivendo num país relativamente estagnado, enquanto que os mais pobres estão experimentando uma espécie de crescimento chinês, quase 10% ao ano nesse período. Se olharmos a geografia econômica do país sobre os índices de redução da desigualdade, veremos que o Nordeste é a região que mais está crescendo no Brasil, enquanto que Rio e São Paulo são as áreas com menor crescimento social.

Informe ENSP: Mas por que a desigualdade caiu?

Marcelo Neri:
Números revelam que dois terços da redução da desigualdade é fruto da renda do trabalho, que se tornou mais distribuída no país. De 2003 e 2009 o país gerou 9,2 milhões de postos de empregos formais. Temos dois outros componentes importantes. Um é a renda da previdência no Brasil, principalmente em função do reajuste do salário mínimo, e o outro é a renda de programas sociais, como o bolsa família.

O bolsa família atinge hoje 25% da população, cerca de 12,4 milhões de famílias, e o que é fantástico nesse programa é o seu baixo custo fiscal. Com apenas 0,4% do PIB brasileiro você beneficia 25% da população. Muitos falam que a Previdência é quase tão importante quanto o Bolsa Família. Só que cada real gasto com o Bolsa Família reduz a pobreza 384 vezes a mais do que a renda de Previdência. Ambas as opções têm importância para o mercado. Se tivéssemos feito uma escolha mais preferencial pelos pobres, a desigualdade poderia ter caído mais. Apesar disso, os 10% mais ricos do país concentram 43% da renda, há 12 anos era de 50%. Os 50% mais pobres tinham 10% da renda e passou para 15%.

Informe ENSP: Fale sobre a questão do Bolsa Família. Os críticos dizem que o governo está mais preocupado em dar o peixe do que ensinar a pescar. O que o você pensa a respeito disso?

Marcelo Neri:
Os críticos do programa não gostam dele por duas razões. Uma por causa do uso eleitoral e a outra por ser assistencialista, nesse sentido de dar o peixe e até, eventualmente, gerar um efeito preguiça e diminuir a oferta de trabalho. O que nossos estudos mostram é que não é possível descartar esses programas assistencialistas. No caso do Bolsa Família, além de dar o peixe para quem tem fome, ele é uma plataforma para se prover outras coisas além de renda, como educação e saúde.

Informe ENSP: O que você chama de pequena grande década?

Marcelo Neri:
É o período entre 2003 e 2008 em que a pobreza no país cai 43%, fruto de do crescimento da renda do brasileiro, de 5,3% per capita ao ano. Estatisticamente falando, a redução da pobreza teve dois grandes saltos. O primeiro entre 1993 e 1995, caindo de 35% para 28%. Essa redução fica estagnada até 2003. O outro salto acontece de 2003 a 2008, passando de 28% para 16%. Com esses números, a primeira meta do milênio, que é a redução da pobreza, o Brasil vem alcançando. Reduzimos nosso índice em 43% em cinco anos.

Essa pequena grande década me faz ser bastante otimista para os próximos cinco anos. Se mantivermos o ritmo de crescimento e redução de desigualdade de 2010 a 2014, a pobreza cairá 50% em cinco anos. E não é só na pobreza que teremos mudanças. Os integrantes das classes AB, que são o extrato mais alto de renda, subirão em 50% nesse período.

Informe ENSP: Qual o elemento fundamental desse cenário?

Marcelo Neri:
O primeiro é crescer 5,3% por ano por cinco anos. Isso é difícil, mas o Brasil tem condições para tanto. E o componente mais complicado nesse cenário é a redução da desigualdade. De 2003 a 2008, 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza. Eram 49 milhões em 2003, agora são 29 milhões. O nosso prognóstico, se isso acontecer, vai cair para 14,5 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, que são aqueles com renda per capita menor que R$ 140,00 por mês.

Informe ENSP: Durante sua palestra, você afirmou que a renda proveniente do trabalho está crescendo no Brasil.

Marcelo Neri:
É verdade. Se a renda do brasileiro só dependesse de educação, aquela plantada no passado e colhida hoje em dia, ela cresceria 5,5% per capita por ano. O protagonista do crescimento de renda do trabalho é a educação, acompanhada de uma economia aquecida. Uma série de estudos mostram que educação é fundamental para o crescimento, para explicar a desigualdade de renda, só que não conseguimos observar a qualidade da educação. Só pesquisamos os anos de estudo que uma pessoa tem. De 1992 para cá o Brasil está crescendo 150% a mais em educação do que nas décadas anteriores, embora não temos ainda como avaliar se essa educação vem aliada a qualidade. A única coisa inteiramente nova em termos de políticas públicas trazidas nos últimos três/quatro anos foi a agenda de metas da educação.

Uma coisa que o país pode fazer é incentivar mais o estudo através do Bolsa Família. Sabemos que os condicionantes para receber essa renda é que as mulheres realizem exames pré-natais e que as crianças sejam vacinadas e estejam nas escolas. Por que não abrir uma perspectiva de cobrar mais dessas crianças, como vistas a melhorar a qualidade do ensino? Sabemos que o ensino público no Brasil é fraco. Então, melhorar a qualidade do ensino e, consequentemente, melhorar o ensino dos alunos é uma possibilidade de fazer com que eles busquem novos horizontes na vida.

Temos que mudar o ensino nas escolas. Na faixa adolescente, entre 16 e 17 anos, 20% dos jovens não frequentam a escola. Muitos pensam que isso é pela busca de trabalho e renda. Mas não. Desse total, 41% não estuda por total falta de interesse no ensino. Apenas em 11% dos casos a renda é a principal razão de não estudar. Com todos os problemas que o ensino tem no país, estudos mostram que a renda de uma pessoa passa de R$ 700,00 para R$ 1.700,00 só pelo fato dela concluir o ensino médio. É pouco? Sim, mas é muito melhor do que R$ 700,00.

Informe ENSP: Com todo esse panorama, o brasileiro é um povo feliz?

Marcelo Neri:
Sim. Em 2006 foi feita uma pesquisa mundial com 132 países pedindo para que a população desse notas de 0 a 10 para a satisfação de suas vidas presentes e de como estaria em cinco anos. Analisando as respostas, o Brasil obteve uma nota altíssima, próxima a dos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Além disso, o Brasil é o líder mundial em felicidade futura, com nota média de 8,78 em 10. Essa pesquisa foi feita em 2006 sobre 2011. O brasileiro é um sujeito otimista por natureza.

Isso mostra que estamos realmente começando a mudar as coisas no país, temos plataformas para transformar esse país como nunca tivemos antes. Eu penso que o SUS talvez seja a primeira dessas plataformas de atingir os brasileiros.


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