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No painel Integridade na pesquisa dos 67 anos ENSP: 'posição científica não é mera opinião'

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Publicado em:09/09/2021

A ENSP/Fiocruz foi uma das primeiras instituições a criar o seu Comitê de Ética em Pesquisa, em 1997. Na semana comemorativa dos 67 anos da Escola, o painel Integridade na pesquisa e na publicação científica, realizado na tarde de 02/09, coordenado pela vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias Lima, foi bem oportuno. Para ela, o campo articula princípios e valores como honestidade, transparência, respeito, imparcialidade, responsabilização e boa gestão da atividade dos cientistas. Neste atual momento do país, de tantos ataques à ciência, é fundamental esclarecer que “posição científica não é mera opinião”, disse Sergio Rego, pesquisador da ENSP e coordenador da Comissão de Integridade em Pesquisa da Fiocruz (CIP), que integrou o painel. Também participaram do evento Pablo Fortes, professor da ENSP; e Claudia Medina, co-editora de Cadernos de Saúde Pública e professora da UFRJ. Veja o vídeo do painel.


Rego explicou que a integridade em pesquisa regula o desenvolvimento das pesquisas acadêmicas e científicas, desde a concepção até a publicação.Trata-se da defesa da confiança pública na ciência e na comunicação da ciência. Contou que a CIP atua como instância consultiva e educativa sobre a integridade em pesquisa e integra o Sistema de Gestão de Integridade Pública da Fiocruz (SGIP/Fio), instituído pelo Programa de Integridade Pública da Fundação aprovado pelo Conselho Deliberativo de 30 de novembro de 2018.


Cabe à CIP identificar os principais riscos, com o propósito de prevenir a prática de condutas, comportamentos não aceitáveis pela comunidade científica e pela sociedade brasileira; estimular e executar ações educativas, produzir material auto instrucional e eventos relacionados à integridade em pesquisa; emitir instruções normativas; encaminhar possíveis casos de má conduta científica e atuar como parecerista adhoc por convocação das instâncias investigadoras de integridade. Para todas as suas competências, a CIP/Fiocruz poderá estabelecer cooperação nacional e internacional e integrar redes ou iniciativas globais de atuação. Rego afirmou que todos os membros da Comissão devem declarar, explicitamente, quaisquer conflitos de interesses que impeçam ou gerem prejuízo ao seu julgamento em sua atuação. Disse, ainda, que a CIP não é responsável pela apuração de denúncias, que devem dar entrada na Ouvidoria.


O primeiro passo da CIP foi criar o Guia de Integridade em Pesquisa, elaborado com base nos documentos das diferentes unidades da Fundação. Ele deve orientar a atuação profissional de todo aquele que atue com função de pesquisador, independente do cargo que ocupa no plano de carreiras da Fiocruz, dos pesquisadores visitantes, e dos estudantes, sobre as boas práticas em pesquisa nos projetos realizados e financiados pela Fiocruz e as complexas questões relacionadas com a pesquisa científica e a divulgação de seus resultados. 


Por que devemos seguir normas morais?


Pablo, coordenador do Programa em Associação  de Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS) revelou que foi desafiado por Sergio Rego a levantar uma questão nesse painel: Por que devemos seguir normas morais? Ele começou delimitando a distinção entre norma, que “pode ser prescrita e, portanto, o discurso moral e ético lida com uma validade normativa, do qual podemos dizer se é justo ou injusto”, a exemplo do Guia de Integridade em Pesquisa da Fiocruz; e fato, que pode ser constatado e descrito, e “só podemos dizer se são verdadeiros ou falsos, assim como, o discurso científico, pois o mesmo lida com juízos e explicações e estão sujeitos a métodos de verificação”. Ele disse que costuma ouvir uma acusação dizendo que a ética é idealista e pouco realista, “mas a função da ética, como vimos, não é prescrever a realidade”.


As decisões do que devemos ou não fazer não podem ser confundidas com escolhas entre verdadeiro e falso, já que para fazer essa distinção é preciso do método consensuado de verificação ou falsificação, explicou Pablo. Ele exemplificou o caso da obrigação do uso da máscara. “Não podemos dizer que a obrigação é uma norma cientificamente verificada. Da mesma forma, não faz sentido alegar que a proteção oferecida por ela corresponde a um fato moralmente justificado. Decisões sobre o que devemos ou não fazer não são questões a serem resolvidas pela observação científica, mas são deliberações sobre o justo e injusto, problema de justificação de normas morais”. No entanto, afirmou ele, “não podemos prescindir do discurso científico para certas tomadas de decisão, pois às vezes precisamos discernir o fato do mito”.


Outra distinção importante a fazer, segundo Pablo, é entre princípios e regras. Princípios são normas gerais, e regras que especificam, dizendo o que é permitido, obrigatório e proibido. Ele defendeu a tese de que a justificação das normas morais guarda uma relação direta com o problema ético da justiça. “Normas não devem ser vistas como algo a prescrever, mas algo que guarda pretensões e devem ser justificadas na esfera pública”. Ele completou dizendo que “nenhuma escolha, que se julga boa pra gente, pode evitar a consequência de afetar outros agentes morais, então, se alguém se sentir prejudicado em relação à forma como levo minha vida, pode erguer objeção, que num plano de investigação moral, me obriga a justificar minhas escolhas. Logo, o problema da justiça não deve ser encarado como uma questão secundária da ética.” “A vida em sociedade é marcada por potenciais conflitos sobre o que é bom”. “A gente vai ter que negociar direitos e deveres recíprocos”. Pablo, então, respondeu à pergunta inicial da sua fala: "Por que devemos seguir normas morais?”: “Para ter um mínimo de convivência pacífica, para evitar a guerra”.


No entanto, ele explicou que a outra parte da resposta: “Todos os agentes precisam seguir o mesmo conjunto de regras, senão vira um caos, que vai vencer quem tiver mais imposição da sua vontade”. O professor, lançou a questão: “Como julgar a validade de uma norma?” De acordo com ele, se partirmos do pressuposto que queremos viver numa ordem social democrática que guarda como fundamento essa ideia de que o poder de decidir o que é devido a cada um deve estar igualmente distribuído, a norma merece o reconhecimento de todas as partes que são por ela afetadas. Então, ele afirmou, que a justiça não tem nada de material, mas é uma dimensão da validação da norma.


Pablo considera válidas as três esferas (afetiva, jurídica e social/solidária) que respondem pela integridade do desenvolvimento e garantem laços de solidariedade da sociedade e estima social, e mais que tudo, para que o indivíduo possa se reconhecer importante para o bem comum.


Ele concluiu exemplificando o Guia da Fiocruz, que assume uma concepção de integridade em pesquisa, inserida no campo de reflexão mais amplo de integridade pública, entendida como um alinhamento consistente e aderente a valores éticos comuns para defesa do interesse público sobre os interesses privados, visando que a administração pública não desvie do seu objetivo precípuo, ou seja, entregar os resultados esperados pela população de forma adequada.


Em resumo, Pablo entende que devemos seguir normas morais porque elas cumprem uma função muito prática, que é saber o que podemos esperar uns dos outros, mas também nos ajuda a fortalecer o nosso vínculo social.

Ética na publicação científica


A outra palestrante, Claudia, discorreu a respeito da ética na publicação científica. O Cadernos de Saúde Pública tem publicado alguns artigos sobre a questão. Num deles, The 4th World Conference on Research Integrity. Research Integrity and Rewards: Improving Systems to Promote Responsible Research, a autora Sônia Vasconcelos, da UFRJ, considerou que uma ideia, já bem difundida na academia, considera que as avaliações na pesquisa não devem ser baseadas exclusivamente em métricas – mas sim em avaliações mais abrangentes, com mais espaço para a apreciação dos pares. “A importância da apreciação dos pares nas avaliações de pesquisa e também de mecanismos para melhorar a qualidade das contribuições e alocação de crédito vem recebendo uma atenção considerável.” Essa questão foi exposta durante a 4ª Conferência Mundial de Integridade na pesquisa.


Claudia citou outros artigos que relevam o papel dos periódicos na promoção da integridade em pesquisa:


Boas práticas na condução e relato de estudos baseados em websurveys, de Cláudia Medina Coeli, Luciana Dias de Lima e Marilia Sá Carvalho.

Websurveys nos tempos de Covid-19, de Raquel Brandini De Boni.

A arte e a ciência de escrever um artigo científico de revisão, de Edison Iglesias de Oliveira Vidal e  Fernanda Bono Fukushima.

O painel foi muito aplaudido pelos que estavam assistindo, que elogiaram a pertinência do tema.



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