Equidade racial e saúde da população negra é tema de debate no Ceensp
A pesquisadora da ENSP Roberta Gondim iniciou o encontro frisando que a discussão acerca do tema precisa ser feita nos termos da produção do saber como parte da transformação social, uma vez que nesse espaço, assim como em outras esferas da sociedade, as condições de vida de negros e indígenas é invisibilizada. “O enfrentamento ao racismo no setor saúde é uma pauta antiga e permanente, sobretudo do movimento de mulheres negras, e tem, com a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, um importante marco, cuja sinergia com o debate acadêmico precisa ser profundamente estreitada”, disse.
Em seguida, a egressa da ENSP Ana Paula Cunha apresentou resultados da sua tese de doutorado Mortalidade por HIV/AIDS em tendência de queda no Brasil, para quem? Não para negras e negros. Baseado em dados do SIM, extraídos entre 2000 e 2018, o estudo constatou que, ao se observar a mortalidade da população geral e por sexo, no Brasil a tendência de mortalidade por Aids é decrescente para todos os extratos. Quando se analisa esse quesito por estado, nas regiões Norte e Nordeste a tendência é crescente. Já nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, é estacionária ou decrescente.
No que se refere à mortalidade por raça/cor, a pesquisa revela que a tendência da mortalidade por Aids é decrescente entre a população branca e estacionária entre a negra. “Isso indica que as tendências entre a população negra têm se mantido, sinalizando para algo que precisa ser melhor avaliado, pois essa população se distingue de um padrão observado de uma forma diferente, de acordo com todos os extratos”, explicou Ana Paula. Quando analisada tal mortalidade de acordo com os estados, foi constatado que o número de estados com tendência crescente entre a população negra é maior. “A análise das séries indica que a população negra possui taxas mais elevadas que a branca. O resultado mostra que esse padrão tem uma tendência a se manter e que é necessário aprofundar essas análises de forma a compreender melhor como esse processo se operacionaliza”, observou a egressa da ENSP.
Outro ponto que requer atenção, segundo Ana Paula, é como a mortalidade por Aids ocorre. “Os próximos passos do estudo precisam ser na direção de analisar essa mortalidade pela Aids e outros tipos de agravos e compreender como essa população tem sido atendida. Se ela tem sido acolhida de forma adequada, de forma que consiga acesso à medicação e acompanhamento. Existem casos de descontinuidade no tratamento por situação de racismo no serviço de saúde”, afirmou.
Moderadora do evento, a pesquisadora da UFRJ Rita Helena Borret lembrou que raça, enquanto uma questão biológica, não existe, mas, enquanto questão social, permeia a vivência da população e a construção do Brasil. “Sendo assim, é necessário que, quando discutimos construção social no Brasil, tenhamos a possibilidade de acessar perspectivas que não sejam universalizantes, que nos permitam pensar e ter uma produção em Saúde atenta à raça enquanto uma questão social”, defendeu.
Dando seguimento ao debate, a egressa da ENSP Mayra da Cruz Honorato apresentou os resultados de sua tese de mestrado Corpo preto e suas relações: raça, território e saúde mental, que teve como base entrevistas realizadas com líderes de movimentos negros de Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro. O estudo identificou a saúde mental da população negra a partir de duas perspectivas: a saúde mental para além da psicopatologia, ou seja, “o racismo como ferida aberta e o estilhaçamento da subjetividade da pessoa negra”; e “o movimento político em ser uma pessoa negra que se ressignifica na realidade do genocídio, capaz de produzir movimento, sentidos e relações”. Ao se analisar o território, no caso, a Baixada Fluminense, o estudo também identifica mais uma dualidade: ao mesmo tempo em que o território é autorizado para mortes e desaparecimento de corpos negros, ele também é a recuperação da memória coletiva e individual na reconstrução da autoestima e na descoberta da história e do legado.
O estudo mostra que, na faixa etária entre 23 e 39 anos entrevistada, todas as lideranças tinham sua trajetória política vinculada a instituições de ensino formal. Já entre a de 49 e 75 anos, 7 dos 9 entrevistados não vinculavam sua formação racial política com instituições educacionais, mas com experiências marcantes de vida. Os resultados revelam, segundo Mayra, a importância da geração mais nova reconhecer que não está ocupando a academia por acaso e que existe uma responsabilidade coletiva. A pesquisa também aponta que, em ambos os casos, suas experiências e formação política passaram pelas suas vivências como pessoas racializadas e que não há estratégia transformadora de enfrentamento ao racismo sem passar pela prática e experiência de pessoas negras que se colocam em movimento para a transformação coletiva.
Representando a Prefeitura do Rio de Janeiro, a assistente social e especialista em Saúde Pública Márcia Mirandela apresentou seu estudo intitulado O racismo e as relações étnico-raciais em cursos de Pós-Graduação em Saúde Coletiva: um olhar sobre a oferta curricular. A pesquisa, que tomou como base sete instituições acadêmicas no Rio de Janeiro, mostra que as disciplinas ofertadas entre 2010 e 2020, que incluem a temática racial, não ultrapassam 4% do total analisado. No primeiro semestre de 2020, no Programa Ciências Humanas e Saúde, foram encontradas três disciplinas eletivas com sugestão na ementa de textos que utilizam os descritores raça e questão racial e nenhuma disciplina obrigatória acerca do debate. No segundo semestre do mesmo ano, na grade do Programa, foi encontrada uma única disciplina obrigatória onde há a presença do descritor raça na biografia. “O resultado da pesquisa traduz o epistemicídio nas instituições pesquisadas, pois não é encontrado um debate racial na maior parte delas”, concluiu Márcia.
Ao encerrar o debate, a assistente social e especialista em Gênero e Sexualidade Michele Seixas, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), enfatizou que a Fiocruz é um espaço onde as questões raciais e a saúde da população negra avançam muito. “Nos últimos anos, as políticas públicas e sociais tiveram retrocesso muito grande e a população negra foi a mais atingida”, concluiu.
Assista aqui à transmissão completa do Ceensp
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