Estatuto prioriza enfrentamento à violência contra a juventude negra
* Sandra Martins
O Brasil é o sétimo colocado no mundo em casos de homicídio. A cada 100 mil habitantes, 27,4 são vítimas de crimes. Dos 53 mil assassinatos anuais, mais de 18 mil, em torno de 35%, são de jovens negros de 15 a 29 anos. Dez mil desses mortos têm atestado de óbito sem causa definida. No campo da economia, o Brasil joga fora, além das vidas e esperanças geracionais, R$ 79 bilhões por ano, algo como 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Os dados alarmantes fundamentam a carta escrita por artistas que representam a juventude e as periferias, entregue em 5/8 à presidenta Dilma Rousseff, durante a cerimônia de sanção do Estatuto da Juventude, pedindo o fortalecimento de políticas para enfrentar e combater a violência que atinge essa parcela da população.
Os artistas se autodenominaram “sobreviventes de uma ditadura que ainda não acabou, pois os desaparecimentos forçados, a tortura institucionalizada e o assassinato em massa ainda são práticas cotidianas em nosso país. Quem mais sofre com isso é a juventude da periferia”. O texto foi assinado por uma centena de artistas, entregue pelo ator negro Éric Braz e lido pelo rapper e ativista do movimento negro Gog, ou Genival Oliveira Gonçalves, que nominou alguns dos que apoiaram a iniciativa, como Negraria, Negras Ativas, Mano Brow e Helen Oléria, e ecoaram pelo interior do Palácio da Esplanada.
A presidenta Dilma Rousself afirmou que o enfrentamento da violência contra jovens negros será uma das prioridades na implementação do Estatuto da Juventude, Lei de nº 12.852/2013. Ela se comprometeu a investir na “Arquitetura Humana” priorizando o enfrentamento à violência contra a juventude negra. O estatuto faz com que direitos já previstos em lei, como educação, trabalho, saúde e cultura, sejam aprofundados para atender necessidades específicas dessa faixa etária, que reúne cerca de 51 milhões de brasileiros.
A emoção marcou toda a cerimônia com interpelação sobre “’Mais quantos Amarildos... estamos dispostos a perder?’ Ultrapassou hierarquias e tocou a alma de todos/as os/as presentes. Não estamos dispostos a perder mais ninguém!”, cantavam todos de pé, jovens de todas as idades aplaudiam e gritavam: “Somos a prioridade da presidenta. Agora vamos junto/as intensificar nossa luta pela aprovação da PL 4471/2012”. Esse projeto de lei acaba com o Auto de Resistência (Resistência seguida de morte), medida administrativa criada durante a Ditadura Militar brasileira para legitimar a repressão policial comum à época. Com sua extinção, torna-se obrigatória a investigação de todas as mortes efetuadas pelas forças policiais no país e que o agente autor do disparo chame a assistência médica para a vítima, em vez de ele mesmo tentar prestar socorro.
Combate à violência e à mortalidade juvenil negra em um programa de governo – demanda histórica dos movimentos sociais – “é a concretização de uma importante conquista das forças populares, às quais vários de nós estamos ligados”, defendia o documento, ao pedir a ampliação e o fortalecimento de programas de enfrentamento à violência letal contra a juventude negra e periférica, garantia do acesso à cultura, à educação e ao trabalho, apoio às famílias das vítimas e maior empenho nas investigações dos crimes contra a juventude, fortalecimento de auditorias e corregedorias nas polícias, fim da militarização da segurança pública e forte incentivo à educação e à cultura, sobretudo a negra em suas diferentes expressões.
A secretária Nacional de Juventude, Severine Macedo, oriunda das lutas do campo, lembrou a juventude rural e falou firme: “Somos contra a redução da maioridade penal”. O presidente do Conselho de Juventude, Alessandro Melchior, falou do impacto da homofobia na vida da juventude, evidenciou a importância de um estado laico e do respeito à diversidade religiosa. A juventude negra esteve presente em todas as falas, em todas as palmas, em todos os gestos da juventude presente.
Para Mayalu Matos, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), a aprovação do Estatuto da Juventude é efetivamente uma conquista da luta secular dos movimentos sociais pelo reconhecimento das especificidades da juventude, em especial da juventude negra. “É particularmente gratificante participar desse momento histórico brasileiro. Momento em que a Fiocruz, sensibilizada para o enfrentamento das desigualdades e redução de iniquidades presentes nos Determinantes Sociais da Saúde, colabora com a SNJ, por meio de termo de cooperação, que colabora com a implantação do Plano de Enfrentamento à Violência Contra a Juventude Negra por meio do projeto Articulação Nacional Juventude Viva. Esse projeto trata da formação de uma rede de articuladores com o intuito de mobilizar a sociedade civil e governos para apresentar e implementar o plano nos estados e municípios prioritários.”
O Estatuto da Juventude, que tramitou por nove anos no Congresso Nacional, foi publicado no Diário Oficial da União como a Lei nº 12.852, dia 6/98. Abaixo, a íntegra do texto e os vetos feitos ao texto sancionado pela presidenta Dilma Rousseff.
Texto
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm
Motivos dos vetos
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Msg/VEP-330.htm
(* Sandra Martins é jornalista da Assessoria de Cooperação Social da ENSP/Fiocruz)
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