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Legado e pioneirismo: Curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial celebra seus 40 anos

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Publicado em:19/12/2022
Por Barbara Souza

“Mais do que importância na construção de um pensamento crítico, esse curso se dá a partir da generosidade e da vontade militante de transformar a sociedade numa sociedade sem manicômios e mais fraterna”. Foi com essa declaração que a coordenadora do Curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Cesmap), da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), Ana Paula Guljor, abriu o seminário “Formação e Crítica: reconstruindo o futuro”, de celebração pelos seus 40 anos de existência. Realizado no auditório do Museu da Vida, na Fiocruz, no Rio, o evento começou nesta quarta-feira (14/12) às 9h e terminou no fim da tarde de quinta (15/12). Todas as palestras e apresentações estão disponíveis na íntegra no canal VideoSaude no Youtube, que está transmitindo o seminário ao vivo.

Também coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), a psiquiatra e pesquisadora acrescentou que, sem alegria, afeto e generosidade, não teria sido possível atravessar as últimas décadas e, principalmente, os últimos anos. “Com o curso tão forte e potente, de reconhecimento nacional, com alunos dos mais variados estados e cidades do país. Não é à toa estamos completando esses 40 anos com edições em diversos locais. Na pandemia, vivenciamos também um lado sombrio, que foi acompanhar junto com os alunos, cada um com suas histórias, os sofrimentos das suas cidades. Por outro lado, tivemos a oportunidade de vivenciar o manejo das redes sociais, que permitiu que tivéssemos alunos reunidos de Norte a Sul do país numa mesma turma. Foram momentos de muita troca e de muito aprendizado”, analisou Ana Paula Guljor. 

Por fim, a coordenadora fez um agradecimento aos professores e alunos do curso, dando destaque ao fato de que muitos que fizeram essa especialização atualmente ocupam espaços importantes na pesquisa, na formação e na gestão pública: “a gente tem certeza que tem lá nossa colherzinha contribuindo para que eles possam pensar o SUS e entender o quão importante é o compromisso com a saúde pública coletiva e com um país que se reafirme nas bases da democracia”. Pesquisadora do Laps e professora do Cesmap, Lucrécia Corbella conduziu a apresentação das palavras de abertura do seminário e, logo no primeiro momento afirmou que o curso é para a formação de profissionais pautados na educação libertadora, no cuidado em liberdade, em consonância com as reformas psiquiátrica e sanitária brasileira. “Um lindo caminho já foi traçado ao longo da formação de pessoas de diferentes áreas e campos do saber em mais de 40 edições realizadas pelo Brasil”, ressaltou. 

O coordenador de Lato Sensu da Vice-direção de Ensino da ENSP, Gideon Borges, participou da mesa de abertura do evento representando a direção da Escola e a própria VDE. Após lembrar da frase "saudações aos quem tem coragem", proferida por Paulo Freire numa palestra que assistiu durante sua formação no interior da Bahia, afirmou que "sustentar uma proposta de formação por 40 anos, em contextos tão adversos que o país atravessou, é algo, de fato, destinado àqueles que tem coragem". Gideon fez ainda comentários a respeito do título do seminário. “Reconstruir o futuro passa a ideia de construir de novo algo que ainda está por vir”, afirmou acrescentando que “esse título tem um olhar para o futuro e para o passado. É um olhar cuidadoso para a tradição e, ao mesmo tempo, para o futuro. É de um respeito muito grande e não é raro grupos que ignoram o passado e tentam construir alguma coisa como se fosse nova”.


Na primeira mesa após a abertura solene, Sônia Barros, professora sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), esteve ao lado de Paulo Amarante, médico psiquiatra, pesquisador do Laps/ENSP e presidente de honra da Abrasme. Ambos fizeram em suas palestras apresentações que resgataram o longo histórico de quatro décadas do Curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Cesmap), que se confunde com a própria história da reforma psiquiátrica no país. A mediação da mesa foi feita por Eduardo Torre, psicólogo, pesquisador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Criado em 1982, num momento importante do ponto de vista político, em meio aos primeiros movimentos de abertura democrática após a ditadura militar e em paralelo às iniciativas precursoras da ainda nascente reforma psiquiátrica, o curso a princípio não era unificado. “Dois cursos que começaram simultaneamente em 1982: um na então colônia Juliano Moreira, e outro no Centro Psiquiátrico Dom Pedro II. Em 1990, para unificar, foi realizado um seminário considerado histórico na Fiocruz, que se chamou 'Manicômio: como viver sem eles', assim mesmo, sem ponto de interrogação nem de exclamação no final”, lembrou Paulo Amarante. 

Os cursos nasceram num contexto em que se abria uma perspectiva de transformação na assistência psiquiátrica, como contou o fundador. Paulo Amarante fez ainda uma crítica à ausência de iniciativas na mesma linha nas universidades brasileiras. "A universidade não tinha nenhuma proposta, como segue não tendo, em grande maioria. A enfermagem é uma das exceções, como a terapia ocupacional, mas a formação em saúde seguia sendo uma formação instrumental, "liberal", para formar profissionais para consultório, para prática privada, institucional. E não se preocupavam com a questão da saúde pública. Ao entrevistar candidatos a alunos do nosso curso, encontrei muitos que não conheciam o SUS", relembrou. Paulo Amarante contou ainda que os cursos inaugurais, nascidos em 1982, eram uma estratégia de formação de pensamento crítico e de formação de ideias que pudessem abrir caminho "construindo outras coisas que a gente não sabia exatamente o que era e como deveriam ser feitas, mas nós sabíamos o que não deveria ser feito, ao conhecer as instituições, entrar naqueles manicômios, assistir àquelas práticas, a gente sabia que esse caminho tinha dado errado, que ele produzia exclusão, sofrimento e dor".

Sônia Barros focou sua fala em dois pontos centrais para a ampliação da reforma psiquiátrica ao se aprofundar em questões ligadas à educação e ao papel dos trabalhadores. A pesquisadora destacou que o fechamento das instituições asilares, como os manicômios, e a oferta de serviços de atenção não são suficientes. Sônia defendeu que todos esses investimentos devem ser acompanhados pela formação de recursos humanos. Ela foi além: “é fundamental um novo tipo de trabalhador, mas é fundamental também formar nós que formamos”, disse se referindo à capacitação dos próprios professores. “E é necessário também uma política educacional e uma política de saúde mental clara. Então, nesses novos tempos que se avizinham temos que ter clareza e certeza de que na perspectiva da saúde, cada ampliação de rede e de recurso deve correspondem a uma ampliação de processos qualificadores, que devem fazer parte dos objetivos políticos de macroestrutura, mas também no nível local e nos serviços. Isso para que, permanentemente, possa ser revisitado o campo de práticas à luz as teorias e essas teorias também serem alimentadas pelas novas práticas, comprometidas com a emancipação e com a liberdade dos homens e das mulheres”, defendeu Sônia Barros.

Assista às primeiras mesas do seminário:





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