Pensar o cuidado a partir do Sul: pesquisadoras debatem saúde pública sob lente decolonial em Ceensp
Por Bruna Abinara
As perspectivas do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) sobre feminismos decoloniais, racismo e saúde na América Latina e no Caribe foram o foco do último Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). As palestrantes ressaltaram a urgência de propor e reconhecer novos modelos de cuidado a partir de saberes do Sul Global, para enfrentar as desigualdades vividas por mulheres, populações negras e povos indígenas no acesso aos sistemas e na garantia da saúde. Realizada na tarde desta quarta-feira (13/8), a atividade foi transmitida pelo canal da Escola no Youtube. Assista ao vídeo na íntegra.
A mestre em Ciências Sociais Odeth Santos (Clacso/México) apresentou questões conceituais transversais entre a colonialidade de gênero, a saúde e a luta interseccional de mulheres negras e indígenas de diferentes países. Segundo a integrante da coordenação regional do Grupo de Trabalho 'Saúde Internacional e Soberania Sanitária' do Clacso, deve ser estabelecida uma nova concepção de Saúde a partir do Sul, baseada no pensamento crítico latino-americano e caribenho situado no século XXI. “Pensar e praticar uma saúde a partir do Sul implica numa questão epistêmica por uma necessidade prática”, afirmou.
Odeth contextualizou que há conhecimentos, técnicas e métodos que foram excluídos da prática da saúde pública e da epidemiologia: “é importante voltar a conceber isso, para transformar e reconhecer quais são os problemas de saúde no Sul. É preciso alimentar com as contribuições latino-americanas e decoloniais, com os autores e intelectuais que estão falando a partir dos seus territórios.”
Para a doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz Ana Claudia Barbosa, a matriz racial colonial histórica do Sul Global resultou em um processo de colonização do saber, ou seja, essa matriz deu início a formas de pensar, agir e cuidar baseadas em critérios racistas. A pesquisadora explicou que o corpo negro foi colocado em lugares de subalternidade, como favelas, presídios e manicômios, não como resultado de escolhas pessoais, mas como legado do processo de escravização, que se atualiza com o passar do tempo. Segundo Ana, as representações do corpo negro como corpo-objeto, objeto de prazer e corpo-ameaça impactam diretamente a saúde. “Quando nós observamos os dados, há sempre uma sub-representação da população negra e da mulher negra, em especial, no que diz respeito aos melhores índices”, analisou.
A pesquisadora apresentou dados do estudo ELSA-Brasil que comprovam um maior adoecimento das mulheres pretas e maior risco de morte de homens pretos e pardos em comparação aos seus pares brancos. Como passos possíveis para decolonizar a Saúde Pública, Ana citou a necessidade de coletar, observar e usar o quesito raça-cor, de acreditar na dor da pessoa negra em todos os seus aspectos, de refletir sobre interseccionalidade no encontro com usuárias, de sair da neutralidade e de praticar uma saúde antirracista.
Em seguida, a palestrante Alícia Medina descreveu o racismo como um problema de Saúde Pública na República Dominicana. A pesquisadora contextualizou que, a partir da chegada do colonizador, a biologia, como ciência, foi racializada. “A saúde deixou de ser vista como algo coletivo, relacionado às comunidades e populações, para ser entendida como algo individual. Essa mudança está profundamente ligada a um imaginário racista e individualista”, analisou.
A pesquisadora destacou que a associação de certas doenças e patologias à cor da pele está diretamente relacionada a imaginários racistas e a uma concepção racista da saúde. Alícia também refletiu sobre práticas de colorismo: “pessoas negras de pele mais escura são frequentemente mais maltratadas nos serviços de saúde, não recebem atendimento adequado e têm acesso limitado aos serviços. Isso revela uma racialização tanto da epidemiologia quanto das respostas dos sistemas de saúde”.
Por fim, a representante de saúde da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, Jessica Isacha, destacou a descriminação estrutural que os povos indígenas sofrem no acesso aos serviços públicos de saúde. “O mais revoltante é perceber que, na visão deles, os povos indígenas vivem à própria sorte, como se não tivéssemos direito a uma saúde pública digna, a um posto médico adequado, a capacitação ou apoio na área da saúde”, declarou. A palestrante ainda destacou a barreira linguística que os povos indígenas devem enfrentar nos serviços de saúde, já que muitos anciãos falam apenas seus idiomas maternos e precisam acessar serviços e se comunicar com profissionais da saúde em espanhol.
Além de lutar pela garantia do acesso aos sistemas públicos de saúde, Jessica ressaltou a importância dos saberes ancestrais de cuidado para a sobrevivência dessas populações. “Nossa selva é a nossa medicina. A floresta é parte essencial da nossa saúde intercultural, mas também reconhecemos a importância da saúde pública, porque os medicamentos, por direito, devem ser garantidos pelo Estado equatoriano”, defendeu.
+ Assista ao Centro de Estudos na íntegra pelo canal da ENSP no Youtube
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