Livro propõe novos caminhos e olhar para a teoria na epidemiologia
Em meio à crescente valorização de resultados quantitativos e à pressão por produtividade acadêmica, nova publicação assinada por pesquisadores da ENSP/Fiocruz propõe um olhar atento à base conceitual da ciência. Publicado pela Editora Fiocruz, o livro ‘Modelos Teóricos: como elaborar, utilizar e relatar em estudos epidemiológicos’ convida a refletir sobre a importância da teoria na produção de conhecimento em saúde coletiva.Elaborada por Breno Augusto Bormann de Souza Filho, Érika Fernandes Tritany e Cláudio José Struchiner, a obra busca suprir uma lacuna histórica na formação científica: a ausência de manuais que orientem, de forma sistematizada, a construção e o relato de modelos teóricos em estudos epidemiológicos. Mais do que um guia técnico, o livro propõe uma discussão crítica sobre o papel da teoria no fazer científico e sobre os desafios de produzir conhecimento sólido, transparente e reprodutível.
Entre as ferramentas apresentadas, destaca-se o ‘Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE)’, registrado na Rede EQUATOR, referência internacional em diretrizes de pesquisa. O instrumento fornece parâmetros para que pesquisadores elaborem e comuniquem modelos teóricos de modo mais consistente, fortalecendo a qualidade metodológica e o raciocínio crítico-científico. Os autores procuraram elucidar o que são os modelos teóricos, o que não são e como podem contribuir para uma produção científica mais sólida. Eles recuperaram parte da história, discutiram problemas enfrentados, conquistas e desafios presentes e futuros.
Com linguagem acessível e abordagem inovadora, ‘Modelos Teóricos’ oferece fundamentos, exemplos e orientações práticas que podem apoiar tanto iniciantes quanto pesquisadores experientes na área. O livro se destina a profissionais, estudantes, avaliadores e editores científicos que reconhecem a importância da teoria como pilar da qualidade metodológica e da produção de conhecimento em saúde pública.
“A principal motivação para esta obra surgiu da inquietação com a crescente desvalorização da fundamentação teórica na ciência, um cenário impulsionado pelo produtivismo acadêmico que prioriza aspectos metodológicos e a publicação rápida em detrimento da solidez conceitual e qualidade científica. Essa fragilidade pode levar a achados equivocados e impactar negativamente as tomadas de decisão em saúde pública. Para preencher as lacunas identificadas, o livro oferece três contribuições centrais: primeiro, um guia prático para elaboração de Modelos Teóricos, que ensina como superar a elaboração mecanicista em favor de uma elaboração significativa do modelo teórico; segundo, a Teoria dos Pressupostos da Qualidade Científica, que reposiciona a teoria como um pilar interdependente e não hierárquico ao lado da metodologia e do relato; e terceiro, uma diretriz de relato, o Checklist para Relato Teórico em Estudos Epidemiológicos (CRT-EE), que visa garantir a transparência e a completude de como a teoria é comunicada. Nosso objetivo, portanto, é reafirmar a teoria como o fio condutor do raciocínio teórico-metodológico, fornecendo os caminhos para fortalecer o rigor e a qualidade da pesquisa em saúde”, explicou Breno Bormann.
O autor disse que o impacto do uso sistemático de modelos teóricos é profundo, pois eleva a qualidade da pesquisa ao exigir que o cientista ultrapasse a “elaboração mecanicista”. Conforme defendem no livro, isso se alinha à “elaboração significativa”, um processo inspirado na Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, no qual o pesquisador ativamente organiza e refina seu conhecimento prévio através da “diferenciação progressiva” e “reconciliação integrativa” com o conhecimento novo.
“Na epidemiologia, isso é essencial para explicitar a plausibilidade científica e a multicausalidade, indo além dos vieses metodológicos para identificar também os teóricos. Igualmente, a transparência é radicalmente transformada. Em vez de relatar apenas o “Modelo Teórico de Análise (MTA)” — a simples operacionalização das variáveis, como é comum — o pesquisador é instado a revelar todo o seu raciocínio: desde o “Modelo Teórico-Conceitual (MTC)” (o plano das ideias) até o “Modelo Teórico Observado (MTO)” (a interpretação final dos achados). Essa transparência, fundamental para a reprodutibilidade científica, pode ser auxiliada pelo uso de Mapas Conceituais, que utilizam a Teoria da Dupla Codificação (verbal e imagética) para tornar o abstrato concreto e revelar a visão idiossincrática do autor. Outrossim, a obra aprofunda a discussão de “viés” para além da metodologia. Ela propõe que toda pesquisa está sujeita aos vieses fundamentais de Tempo, Pessoa e Lugar. Ao exigir que o pesquisador (a Pessoa) explicite seu modelo teórico, ele é forçado a ser transparente sobre como seu contexto (o Tempo e o Lugar) influencia a concepção, a condução e o relato do estudo, o que representa um avanço crítico para a real compreensão e reprodutibilidade da ciência. Para a Saúde Coletiva, especificamente, isso significa ter uma base para integrar de forma robusta as complexas dimensões sociais, políticas e ambientais — como na análise de sindemias — superando modelos reducionistas e fortalecendo a transdisciplinaridade do campo.”
Sobre os autores
Breno Augusto Bormann de Souza Filho – Doutor em Epidemiologia pela ENSP/Fiocruz, com pós-doutorado na mesma instituição. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e colaborador da ENSP/Fiocruz.
Érika Fernandes Tritany – Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora assistente da Universidade Estadual do Ceará.
Cláudio José Struchiner – Doutor em Dinâmica Populacional de Doenças Infecciosas pela Universidade Harvard (EUA), com pós-doutorado na Universidade de Montreal (Canadá). Professor da Uerj, pesquisador titular da ENSP/Fiocruz e professor titular da Escola de Matemática Aplicada da FGV.
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