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Reinventar a gestão para fortalecer o SUS: estudo avaliará Apoio Institucional na Atenção Primária

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Publicado em:02/12/2025
Por Danielle Monteiro

Contemplada pelo projeto de Estudos Estratégicos em Atenção Primária à Saúde (EEAPS), a pesquisa ‘A função de Apoio Institucional na gestão da Atenção Primária à Saúde: condicionantes, formação e perspectivas na contemporaneidade’ vai analisar duas décadas de suporte a instituições no Sistema Único de Saúde e apontar caminhos para fortalecer a governança na principal porta de entrada do SUS. Desenvolvido em parceria com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (Saps/MS), o EEAPS é coordenado pela ENSP, por meio das Vices-Direções de Pesquisa e Inovação e de Escola de Governo em Saúde (VDPI e VDEGS).

A coordenadora e o vice-coordenador do estudo, Lilian Miranda e Juarez Furtado, e o pesquisador convidado, Max Gasparini, falam sobre a iniciativa e os resultados esperados. Confira, abaixo:

Quais são os objetivos da pesquisa, como ela será desenvolvida e quais são os principais resultados (apontamentos) esperados?


Lilian Miranda: Nosso estudo tem como objeto o Apoio Institucional (ApI) desenvolvido no âmbito do Ministério da Saúde (MS), mais especificamente na Atenção Primária à Saúde (APS). Com críticas ao funcionamento da gestão tradicional, fortemente centralizadora e hierarquizada, o ApI procura estimular práticas de mobilização de coletivos (as equipes de serviços de saúde, por exemplo) para análise do próprio processo de trabalho, corresponsabilização no enfrentamento tanto dos problemas que justificam a existência daquele serviço ou iniciativa, quanto das questões institucionais que atravessam o dia a dia do trabalho. No que diz respeito à Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps), o ApI busca qualificar as relações entre os governos federal e estaduais, procurando favorecer o diálogo e superar eventuais assimetrias nessas relações. Além disso, as relações entre MS e secretarias estaduais de saúde, mediadas pelos apoiadores institucionais da Saps, procuram levar em conta as especificidades territoriais, institucionais e políticas na formulação e implementação de iniciativas de interesse da APS. 

Nesse contexto, o nosso estudo tem três objetivos: compreender as razões que deram origem à proposta e como ela vem se desdobrando nos últimos 20 anos (resgate que chamamos de “análise sócio-histórica”); avaliar o ApI no que diz respeito a sua concepção, aos problemas que o mobilizam, a sua lógica de funcionamento e aos efeitos que gera; e produzir espaços de formação para o conjunto de apoiadores atualmente vinculados à Saps, com base no que será produzido por meio dos dois objetivos anteriores. O alcance destes três objetivos irá subsidiar o desenvolvimento da função de ApI e a formação de novos quadros de apoiadores na Saps.

As estratégias metodológicas empregadas são revisão de literatura, análise documental e entrevistas com os apoiadores da Saps, coordenadores estaduais de Atenção Primária e representantes do Conass e Conasems. No que tange à análise sócio-histórica citada, entrevistaremos alguns responsáveis pela concepção do ApI e por sua implementação no âmbito do MS, bem como os pioneiros no exercício desse dispositivo. Para aprofundar a compreensão das experiências de interesse, realizaremos quatro estudos de caso em estados de diferentes regiões do país. Os resultados esperados são os seguintes: subsidiar o desenvolvimento da função de apoio institucional (ApI) e a formação de novos quadros de apoiadores na SAPS; compreender os determinantes político-institucionais de sua origem e desenvolvimento; caracterizar a sua atual conformação; sistematizar conhecimento no formato, inicialmente, de relatórios e, posteriormente, de publicações científicas e de divulgações pertinentes; avaliar o dispositivo de ApI; avaliar a caracterização sociodemográfica e história profissional dos apoiadores institucionais da SAPS; subsidiar a adaptação do ApI às complexas questões contemporâneas; e contribuir com a reflexão e enfrentamento dos desafios das relações interfederativas no Brasil.

Quais são os principais desafios da gestão na APS e qual a importância do apoio institucional em seu enfrentamento?


Lilian Miranda: Primeiro é preciso considerar que o campo da gestão em saúde é marcado por diferentes abordagens e perspectivas, que variam de acordo com os diferentes contextos institucionais e as correlações de forças na disputa por modelos gerenciais no setor saúde. Historicamente, como a própria literatura sobre ApI demonstra, o SUS foi implementado sob o princípio da democracia institucional, que aponta para uma gestão descentralizada e participativa. Mas, contraditoriamente, se desenvolveu sob forte influência de modelos neoliberais de gestão pública, que marcaram seu contexto de estruturação ao longo dos anos 1990. Trata-se de um processo que gerou inflexões importantes não somente no setor saúde, mas no conjunto de políticas de seguridade social, objeto das chamadas reformas estruturais do estado brasileiro, que privilegiaram formatos de gestão hierarquizados, fortemente orientados pelo setor privado.

Ao mesmo tempo, o movimento da Reforma Sanitária brasileira constituiu, desde a década de 1970, bases técnico-política e ética que se opunham, em um primeiro momento, aos modelos autoritários de planejamento e administração do Estado que caracterizam os governos militares até meados da década de 1980, e ao ideário neoliberal, nas décadas seguintes. Poderíamos sintetizar essa disputa como, por um lado, uma tensão entre um projeto político neoliberal de gestão marcado pela privatização, competitividade e individualização, com forte apelo à lógica da contenção de recursos e focado em um gerencialismo da produção. Por outro lado, temos um projeto ético-político e técnico solidário e participativo, que aponta para um processo de gestão democrático, produtor de sujeitos capazes de refletir sobre seu trabalho e influenciá-lo, baseado na contratualização dialogada entre os entes federados e na atribuição pactuada de responsabilidades. 

É neste contexto de disputas por modelos de gestão do SUS que o dispositivo do Apoio Institucional é implementado, no início dos anos 2000, no âmbito das relações federativas, enquanto mobilizador da cogestão, democratização do poder e formação de trabalhadores de saúde que participam da gestão do seu processo de trabalho. O ApI busca ainda lidar com a fragmentação institucional que caracterizou a atuação do MS, estando, na APS, associado à implementação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), e à qualificação das relações federativas para coordenação, planejamento, avaliação, monitoramento e implementação de políticas e programas.

Contudo, encontramo-nos hoje em um cenário marcado por problemas como a insuficiência de recursos financeiros e, ao mesmo tempo, investimento direto e indireto no setor privado. Observa-se baixa capacidade de articulação entre níveis de atenção/coordenação de redes e desigualdades regionais advindas de um processo de descentralização desigual, que transferiu aos municípios responsabilidades por ações e financiamento incompatíveis com suas capacidades, sobretudo no que diz respeito aqueles de pequeno porte, com baixa arrecadação. Destaca-se, ainda, a baixa participação social na construção, implementação e avaliação das políticas de saúde e a dificuldade dos profissionais em lidar com condições de saúde específicas, como aquelas advindas da área de saúde mental, e com territórios marcados pela miséria social e por várias formas de violência, com todos os problemas que delas advém. As condições crônicas, em ascensão em um processo de transição demográfica marcado pelo envelhecimento da população, convivem com o surgimento de novas doenças infecciosas e com o retrocesso do controle das antigas. Grupos populacionais antes negligenciados, como a população negra, a população LGBTQIAPN+ e as pessoas com deficiência, cobram, legitimamente, formas de atenção dignas, que respondam às suas necessidades específicas. Esses são apenas alguns dos desafios que afetam diretamente a gestão da APS, cuja responsabilidade incide no nível municipal, embora ancorada em apoio e incentivo político e financeiro dos estados e do governo federal.

Entre outras contribuições, o ApI da Secretaria de Atenção Primária em Saúde do Ministério da Saúde (SAPS/MS) pode colaborar com enfrentamento desses desafios, oportunizando aos gestores estaduais e municipais da APS espaços de reflexão e formação permanente voltados à ampliação do conhecimento das necessidades, especificidades e potencialidades dos territórios. Pode, também, favorecer processos de negociação mais democráticos entre os espaços de gestão instituídos, como as secretarias estaduais, as superintendências do MS nos estados, o Conass, os Conasems e o próprio MS. Cabem aos apoiadores institucionais da Saps, ainda, a divulgação e o favorecimento da compreensão das políticas e prioridades do MS, assim como a facilitação do acesso a recursos e incentivos. Ao mesmo tempo, é de sua incumbência informar o MS acerca das especificidades territoriais de cada estado, contribuindo para que os gestores estaduais e municipais participem da elaboração de políticas, portarias e outras diretrizes, das decisões sobre as formas de implementação das mesmas e do seu acompanhamento.

Diante desse cenário, o ApI, na Saps/MS, tem um papel crucial: a formação e a reflexão, garantindo espaços para que gestores estaduais e municipais reflitam sobre os seus territórios; além da mediação e negociação, favorecendo a dialogicidade entre federação e estados na implementação e condução de políticas do setor. Nesse sentido, o ApI constitui ferramenta e dispositivo estratégico nas relações interfederativas no MS, buscando garantir princípios democráticos e efetiva interação entre os vários níveis de gestão, em um cenário marcado por disputas, contradições e restrições.


Quais são os avanços e as iniciativas de destaque de apoio institucional na gestão da APS?


Lilian Miranda: É necessário considerar que a adoção do ApI, iniciada em 2002, sofreu forte inflexão em 2016, sendo retomada no atual governo do Presidente Lula, com o projeto de redemocratização do país. De modo geral, os apoiadores priorizaram a implementação da PNAB de 2006 e de sua atualização de 2011, contribuindo para que suas diretrizes fossem apropriadas pelos gestores estaduais e municipais. Tiveram especial participação na abrangência da implementação do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), auxiliando gestores na compreensão e no uso dos instrumentos propostos pelo programa. Ao trabalhar junto aos estados e municípios para viabilização da PNAB e do PMAQ, favoreceram a aproximação destes com o MS e, consequentemente, a qualificação das relações federativas. Há também relatos de êxito do apoio institucional para a formação de gestores e para melhoria das relações entre gestores e trabalhadores de APS, com evidente aproximação entre esses grupos e aumento da participação dos profissionais nos processos de priorização de pautas e tomadas de decisão. Nesse sentido, ainda que em contextos específicos, o ApI cumpriu um de seus objetivos - a democratização da gestão - o que, em certas experiências, culminou na qualificação do cuidado em saúde. 

Outra contribuição do ApI diz respeito ao alargamento do conhecimento e da implementação de certas políticas e programas no âmbito da APS, bem como o enfrentamento de alguns problemas de saúde e a viabilização de modalidades de serviço e práticas em contextos específicos. São exemplos dessas contribuições a facilitação da implementação da Política Nacional de Humanização e do Projeto Mais Médicos para o Brasil; a prestação de serviços em unidades fluviais de saúde; o enfrentamento da sífilis; a qualificação da saúde bucal, da saúde da mulher e da saúde indígena; entre outros.


Que contribuições a pesquisa pode dar à sociedade e como o estudo pode contribuir para os avanços no apoio institucional à gestão na APS?


Lilian Miranda: A Reforma Sanitária, como sabemos, nasceu do movimento de uma parte da sociedade brasileira especialmente instigada pelas questões de saúde e doença que atravessavam o nosso povo. Essa Reforma pretendeu mais do que constituir um sistema de saúde, reformar mais profundamente a própria sociedade. Portanto, resgatar e avaliar um dispositivo voltado a ampliar os gradientes de participação e democracia nas relações institucionais, no SUS, é valorizar princípios caros a essa mesma sociedade. Além disso, a pesquisa busca qualificar um dispositivo estratégico de gestão na relação entre o nível central do SUS e seus desdobramentos em todos os estados da federação, contribuindo para qualificar processos e resultados das atuais políticas de saúde.

No que tange especificamente aos avanços do ApI, o estudo apresentará as demandas que os gestores estaduais de APS direcionam ao apoio institucional da SAPS, permitindo um diagnóstico dos principais desafios identificados na APS dos diferentes estados do país. Além disso, analisará os processos de negociação de pautas e correlatas ações, implementação e acompanhamento em alguns estados de diferentes regiões do Brasil, destacando experiências exitosas e desafiadoras e explicitando as modalidades e ferramentas de gestão envolvidas. 

Este estudo representa oportunidade de reflexão sobre o processo de trabalho e criação de estratégias e mecanismos de enfrentamento de dificuldades pelos próprios apoiadores atualmente em exercício, por meio da formação já assinalada e do resgate sócio-histórico da função. 

Conte sobre a sua atuação e o trabalho que você vem desenvolvendo na pesquisa e na ENSP.


Max Gasparini: Estes primeiros seis meses de atuação na pesquisa do estudo estratégico sobre Apoio Institucional na Atenção Primária tem sido particularmente instigante, por diversos motivos. Primeiro, pela própria aproximação institucional com a ENSP no papel de pesquisador convidado, que por si só tem sido fruto de intensas aprendizagens e experiências. Ter sido muito bem recebido pelo conjunto de pessoas que compõem tanto o estudo sobre apoio, quanto os demais estudos e mesmo a própria ENSP e a Fiocruz marcaram de forma positiva minha chegada à instituição, e tem sido determinante para minhas possibilidades de boa atuação e articulação da pesquisa e demais oportunidades que o papel de pesquisador convidado nos permite experienciar. 

No que se refere à minha atuação na pesquisa, tenho atuado de forma transversal nos diferentes eixos que articulam as frentes do estudo, como a sociogênese do ApI, a pesquisa avaliativa e as formações que serão ofertadas aos apoiadores. Mas especificamente, tenho concentrado neste momento esforços no eixo da pesquisa avaliativa do ApI, que envolverá uma revisão narrativa da literatura, ampla escuta com apoiadores e coordenadores estaduais de Atenção Primária e a realização de um estudo de casos múltiplos em quatro estados do país. São abordagens metodológicas que, associadas, nos permitem uma compreensão aprofundada da experiência do ApI institucional no âmbito da Atenção Primária nos últimos anos, indicando seus alcances mas também seus desafios. 

Minha atuação também tem sido marcada por um apoio à coordenação do estudo em atividades de gestão do processo de pesquisa que envolve ações relacionadas ao acompanhamento e monitoramento do cronograma de entregas, bem como apoio às articulações necessárias para o desenvolvimento do estudo. Enfim, minha participação tem se dado no âmbito de todas as atividades previstas, seja atuando como pesquisador, seja atuando no apoio à gestão da pesquisa, de forma geral.

Assista à entrevista com os pesquisadores envolvidos na pesquisa:



+ Confira o portfólio de apresentação do estudo



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