Medicamentos de alto custo: indefinição conceitual e dependência produtiva desafiam o SUS
Por Danielle Monteiro
Estudos indicam que, em 2030, mais de 40% dos gastos globais com fármacos serão relacionados a medicamentos altamente especializados e de custos elevados. No Brasil, agentes terapêuticos, em particular os chamados ‘medicamentos de alto custo’, são um dos principais impulsionadores da judicialização na saúde. Esse grupo de fármacos e todos os desafios que compõem esse complexo cenário foram destaques de debate promovido pelo Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF/ENSP) na última terça-feira (4/11).
Segundo a professora, a lacuna conceitual dificulta a elaboração e manutenção de políticas públicas de saúde para o grupo de fármacos. Além da escassez de uma definição precisa e consensuada, o cenário é marcado, ainda, pela ausência de informações sobre a participação desses medicamentos na judicialização de saúde.
A partir desse conjunto de aspectos em pauta, a ENSP, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveram uma pesquisa com a finalidade de responder a seguinte pergunta: Como os trabalhos acadêmicos sobre demandas judiciais de fármacos no Brasil trazem a definição sobre medicamentos de alto custo? E, se trazem, o que essas compreensões têm em termos de conceito?
O estudo analisou 62 artigos científicos e 66 dissertações e teses publicadas ou defendidas no período de 2005 a 2022. Segundo Rosângela, que foi uma das autoras da pesquisa, os resultados foram surpreendentes: apesar de reforçar que a maioria da demanda judicial se concentra em produtos de elevada despesa e preço, a maior parte dos estudos não fazia menção a gastos ou valores relacionados especificamente a medicamentos de alto custo. Foi constatado, ainda, que a maioria dos trabalhos não trazia qualquer conceituação sobre essa classe de fármacos.
Para Rosângela, são justamente essas dificuldades conceituais e a forma de menção heterogênea aos medicamentos de alto custo que prejudicam a precisão sobre a participação desses fármacos na judicialização, no contexto nacional, em termos de valores gastos ou envolvidos. “A partir do estudo, vamos buscar ter um olhar mais esmiuçado sobre esse grande bloco de medicamentos, tentando compreender o que podemos fazer para, de alguma forma, ajudar a lidar com essa situação da judicialização no país”, adiantou.
Os resultados do 3º Censo do Setor Farmoquímico Nacional também acendem alerta para alguns pontos críticos que integram esse cenário. As conclusões do estudo foram tema da apresentação do assessor técnico da Vice-Presidência de Produção, Inovação e Saúde (VPPIS/Fiocruz), Jorge Carlos Costa. “Cada vez mais, esses medicamentos de alto custo chegam com preços bastante proibitivos para a maioria da população. Por isso, é importante também, por meio de estudos, caracterizarmos a escala e o tipo de produção”, defendeu o professor.
Ao discorrer sobre as conexões dos medicamentos de alto custo com o contexto produtivo de Ingredientes
Farmacêuticos Ativos (IFAs), Farmoquímicos e Biológicos no Brasil, o professor chamou a atenção para um resultado preocupante do censo: entre as empresas de base sintética, 25 a 100% dependem fortemente da importação de matérias-primas. “São necessárias políticas públicas de apoio à indústria farmacêutica que produz efetivamente o IFA, mas também é preciso ‘descer um degrau na cadeia’ e pensar na indústria química de base e na indústria de química fina. Já tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que visa justamente o fortalecimento desse segmento industrial”, destacou.
Apesar dos desafios, o censo indica resultados positivos no que se refere aos indicadores de produtividade entre as empresas de base sintética: 60% delas introduziram um novo produto no mercado nacional nos últimos anos e 100% possuem práticas de ESG (ações que se concentram em Meio Ambiente, Social e Governança Corporativa).
“Esses indicadores vão subsidiar o grupo de trabalho da Vice-Presidência de Produção, Inovação e Saúde da Fiocruz a elaborar um documento com propostas concretas. É importante levarmos os resultados do censo para o governo federal, com vistas à elaboração de políticas que fortaleçam esse segmento industrial, de modo a aumentar a capacidade produtiva de nossas empresas e diminuir, com isso, a dependência externa”, afirmou o professor.
Para superar os desafios, os autores do censo propuseram uma capacitação permanente de profissionais atuantes na área regulatória; além da priorização da análise de registro de medicamentos que incorporam IFAs de produção nacional e a definição de mecanismos adequados, eficientes e perenes de financiamento às empresas do setor para o necessário desenvolvimento de novas moléculas.
Outra questão problemática apontada por Cláudia diz respeito ao alto impacto financeiro e à ausência de protocolos claros, que impõem desafios aos princípios de equidade e eficiência no SUS. Entre 2025 e 2022, para 128 demandas atendidas judicialmente, referentes à cannabis medicinal no país, foi gasto um valor superior a R$ 3 milhões.
Segundo a professora, a falta de regulação para a cannabis medicinal representa um risco orçamentário e sanitário para o SUS. Somado a isso, existe, ainda, um aumento da demanda, que implica em gastos crescentes pelo ente público, além das pressões judiciais, que distorcem as prioridades de saúde. “É necessário alinhar avaliação técnica, planejamento orçamentário, políticas públicas e decisões judicias para mitigar riscos e prezar pela sustentabilidade do SUS”, concluiu Cláudia. 
Moderador do debate, o pesquisador Rondineli da Silva, do NAF/ENSP, lembrou que o evento faz parte de um conjunto de webinários que serão promovidos pelo departamento com temas ligados à assistência farmacêutica e à política de medicamentos. “Serão momentos de aprendizado, trocas e informações relevantes para as nossas diversas atividades, seja no campo da pesquisa, dos estudos, da gestão ou do serviço”, afirmou.
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