Seminário apresenta possibilidades para reposicionamentos institucional e de carreiras da Fiocruz
Por Vinicius Mansur
As dimensões jurídico-administrativa e de carreira e gestão de pessoas, propostas pelo Documento de Referência do X Congresso Interno da Fiocruz, foram debatidas no terceiro seminário preparatório da ENSP para a instância máxima de deliberação da Fundação. A atividade aconteceu na última segunda-feira (20), foi moderada pelo pesquisador do Departamento de Ciências Sociais (DCS/ENSP) Leonardo Castro e teve como palestrantes a pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/Ensp) Marcia Teixeira e o assessor especial da direção da Escola Alex Molinaro.
O diretor da ENSP Marco Menezes destacou que a Escola vem se mobilizando desde o início das discussões sobre o reposicionamento institucional da Fiocruz, debatendo a pauta em reuniões ordinárias e ampliadas do Conselho Deliberativo, dentro dos espaços de departamentos e centros, em comissões que estão fomentando reflexões, realizando os seminários e organizando as proposições, além de manter uma seção dedicada ao tema no site da unidade.
Menezes ressaltou que o debate sobre cada uma das três dimensões propostas é fundamental, mas apontou que o grande desafio é articular todos eles e ter uma leitura da realidade atualizada “na perspectiva de uma melhor decisão no melhor tempo político”.
A integrante da comissão de mobilização da ENSP Cris Moneró deu um informe sobre a atualização do calendário de atividades do X Congresso. O prazo para o envio de propostas ao Documento de Referência foi estendido para 7 de novembro. Com isso, a ENSP prorrogou para 4 de novembro a data limite para receber as contribuições da Escola e remarcou a assembleia do dia 23 de outubro para 6 de novembro.
A dimensão jurídico-administrativa
Antes de apresentar um retrato dos possíveis modelos institucionais que a Fiocruz poderia adotar, Alex Molinaro enfatizou que o debate sobre a dimensão jurídico-administrativa não é meramente técnico ou burocrático, mas predominantemente político e, conforme orienta o Documento de Referência, deve buscar um modelo que dê mais maior autonomia, flexibilidade administrativa e sustentabilidade sem afrontar as cláusulas pétreas da instituição, o que significa: manter o caráter público, estatal e estratégico; a integralidade institucional; o compromisso social; a gestão democrática e participativa, com controle social; e buscar garantir mecanismos que assegurem eficiência e eficácia gerencial.
Para Molinaro, o reposicionamento institucional da Fiocruz deve estar orientado para um Estado que garanta não só direitos civis e políticos, mas também os sociais, e uma capacidade significativa de intervenção na economia.
Atento à história do aparelho estatal brasileiro, porém, o pesquisador alertou que o debate do X Congresso não pode propor respostas aos problemas da Fiocruz sem considerar o funcionamento geral do Estado. E apontou problemas recorrentes e efeitos colaterais que devem ser observados, sobretudo na área da saúde. Entre eles, a relação entre o Estado e o privado, a terceirização em larga escala e a proliferação de fundações de apoio.
“O SUS talvez seja o setor onde a transferência de atividades e recursos públicos para o espaço público não estatal tenha sido mais relevante, principalmente na atenção primária via organizações sociais (OS). O chamado terceiro setor - que eu nem reconheço como um espaço público - avançou na execução de políticas públicas sem abrir mão de recursos públicos”, exemplificou, emendando:
“A Fiocruz hoje é dependente da Fiotec. Se tirar ela do nosso arranjo institucional, a gente não consegue fazer o que a gente faz em todas as unidades da Fiocruz (..) Juntamente com a terceirização em larga escala, são dois elementos de modificação do nosso modelo que permitiram a Fiocruz fazer o que faz hoje. Se tirar esses dois elementos, a gente entra em crise”, disse.
Em seguida, Molinaro percorreu a história recente da administração pública nacional, iniciando pelo decreto lei 200 de 1967, e destacou que a Fiocruz já operou em modelos baseados tanto no Direito Privado como no Direito Público. Hoje ela opera como uma Fundação Autárquica, dentro do Direito Público, mas apoiada cada vez mais sobre a Fiotec, que é uma fundação privada e, portanto, regida pelo Direito Privado. Dentro da atual legislação e respeitando as suas cláusulas pétreas, a Fiocruz tem quatro possibilidades de enquadramento:
1 - Fundação Autárquica – Regime de Direito Público (modelo atual)
2 - Autarquia – (especial) – Regime de Direito Público, com algumas garantias especiais definidas em Lei
3 - Fundação Estatal – Regime de Direito Privado
4 - Empresas Públicas – Regime de Direito Privado
Para o pesquisador, os modelos baseados no Direito Público não trazem a autonomia e a flexibilidade que a Fiocruz busca pela própria natureza das atividades que são previstas originalmente para serem desenvolvidas por uma Autarquia. As opções cujo regime jurídico é o de Direito Privado, por sua vez, seriam as opções que mais atenderiam as necessidades explicitadas na Tese 2 do Documento de Referência por trazem maiores flexibilidades para a gestão institucional e que seria mais compatível com as atividades previstas originalmente para uma Fundação como é o caso da Fiocruz.
Molinaro descarta a figura da Empresa Pública como adequada para a Fiocruz por entender que esse modelo tem como objetivo atuar no âmbito da produção de bens para o mercado ou prestar serviços públicos, o que não é o caso da Fundação e, segundo ele, podendo comprometer a entrega de bens que representam um direito de cidadania - como as vacinas - ao submetê-las à lógica de mercado. “Resta a Fundação Estatal como o modelo mais adequado para atender a necessidade de maior autonomia e flexibilidade, ou uma combinação de modelos: Autarquia (especial), que teria os atuais servidores, modelo de governança democrático e participativo e garantia da manutenção do processo de escolha dos seus dirigentes por eleição, com uma Fundação Pública Estatal vinculada para atividades que demandam maior autonomia e flexibilidade”, defendeu.
Há outras diferenças importantes a serem destacadas. As Instituições Públicas de Direito Privado contratam Empregados Públicos por concurso no regime CLT, sem estabilidade, com fundo de garantia (FGTS) e a obrigação de uma negociação salarial anual. As Instituições Públicas de Direito Público adotam o regime jurídico único (RJU), que se destaca pela estabilidade dada aos servidores. Do ponto de vista do pagamento e execução de créditos, no Direito Público a entidade está mais protegida porque seu patrimônio é considerado inalienável, além de desfrutar das prerrogativas processuais e legais como, por exemplo, em caso de pendências judiciais, recorrer à regra do precatório. No Direito Privado há espaço para penhora dos bens, respeitados alguns critérios.
“Precisamos avaliar os riscos de todos os cenários, inclusive o de permanecer como está, com uma exposição institucional enorme. Isso também representa riscos que devem ser considerados. Mas, temos que ter uma discussão franca porque também não é correto dizer que apenas a mudança de modelo jurídico da Fiocruz resolverá todos os nossos problemas”, concluiu.
A dimensão carreiras e gestão de pessoas
Apesar da complexidade da conjuntura política do país, Márcia Teixeira se disse otimista quanto às possibilidades da Fiocruz fazer um bom balanço e obter conquistas no campo da gestão do trabalho. “Sou pesquisadora desta área há 33 anos e gosto de me colocar politicamente. Todo meu esforço sempre foi entendendo a Fiocruz como instituição pública estratégica de estado. Foi com essa compreensão que há quase 20 anos conseguimos negociar três mil vagas de concurso. Nós tínhamos um quadro paralelo de trabalhadores muito grande ou até maior do que hoje. Foi num momento muito parecido com este que a gente conseguiu avançar”, declarou.
A pesquisadora salientou que qualquer mudança no modelo jurídico-institucional terá impacto na forma de incorporar e gerir o trabalho e dois grandes temas devem ser observados. O primeiro é o reposicionamento da Carreira de C&T em Saúde, hoje muito mal colocada no mundo das carreiras federais. Atualmente, um pesquisador ingressa na Fiocruz ganhando R$ 13 mil e no topo da carreira ganha entre R$ 23 e 24 mil. Já um pesquisador do IPEA começa com R$ 21 mil. ”Devemos partir do pressuposto que nossa posição é incompatível com a relevância da Fiocruz”, disse.
Marcia Teixeira destacou que a Fiocruz deve apresentar um estudo com as evidências desse pressuposto e negociar o reposicionamento de carreira com o governo, mesmo sem a definição de um novo modelo jurídico-administrativo definido. “Há um espaço político importante no Ministério de Gestão e Inovação (MGI). Eu vejo a composição, quem está sentado nas mesas de negociação, quais são os conceitos que estão modelando as práticas e vejo como oportunidade, o que estava totalmente fechado desde o Temer pra cá. Estávamos sem concurso e sem canal de diálogo, hoje existem”, opinou.
O segundo grande tema destacado foi a necessidade de construir uma política de incorporação e gestão do trabalho sob a lógica do trabalho decente, equânime, valorizado, sem precarização e insegurança financeira. A pesquisadora classificou como esgotado o modelo de contratação da força de trabalho via terceirização que levou a Fiocruz a ter mais de 80 empresas para este fim e a colecionar problemas. “Não é equânime, não valoriza e muitas vezes levam nossos colegas a passar por períodos de insegurança”, lembrou.
As discussões sobre reforma administrativa do Estado Brasileiro em Brasília são outro ponto importante de atenção. No Congresso Nacional, uma proposta do deputado federal Pedro Paulo (PSD/RJ), com mais de 500 páginas e 70 medidas já está circulando, mas ainda não foi disponibilizada ao público na íntegra. Segundo Márcia, a proposta dialoga com o conceito de estado subsidiário, presente no projeto “Ponte para o Futuro” do governo Michel Temer, e ataca os servidores ao propor, por exemplo, a estabilidade por apenas 10 anos.
No Executivo, uma comissão sobre o tema foi montada no MGI, mas não avançou. No início do governo Lula, porém, foi criada no ministério a Secretaria Extraordinária para Transformação do Estado, liderada por Francisco Gaetani. Teixeira afirma que ainda não está claro o que seria esta transformação, mas percebe, num conjunto de 17 medidas já tomadas, um esforço direcionado a mudar a cara do Estado brasileiro, no sentido das pessoas se verem nele. As primeiras medidas ampliaram as cotas para ingresso no serviço público, tanto nos concursos quanto para os cargos de direção (DAS). Também se destacam a transformação de mais de 29 mil cargos vagos em cargos atualizados, marcando a retomada da incorporação de força de trabalho pelo Executivo federal, a criação do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), a regulamentação do estágio probatório e a reestruturação de carreiras (aumento de percentual de carreiras com 20 níveis de 30% para 86%).
“No momento que o governo se propõe a mudar a cara do Estado brasileiro, devemos louvar essas ações e, por coerência,cobrar o fortalecimento das carreiras. Justo agora em que há mais inclusão com as cotas não pode fragilizar as carreiras”, afirmou.
Por fim, a pesquisadora destacou que será preciso debater mais profundamente as ideias que o MGI tem levantado sobre criação de carreiras vinculadas a políticas públicas e não a órgãos e entidades específicos.
X Congresso Interno



