Atenção Primária: curso da ENSP forma gestores para fortalecer redes e regiões do SUS
Por Nathállia Gameiro
“A produção de equidade deve ser aplicada inclusive no olhar para a política de saúde. Se não enfrentarmos a fragmentação e a desarticulação entre os níveis, continuaremos reproduzindo vazios assistenciais e desigualdades”, alertou o ex-ministro da Saúde e presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), Arthur Chioro.
A fala foi feita durante a conferência Governança regional do SUS: situação e caminhos, atividade que marcou a aula inaugural do curso de especialização em Gestão da Atenção Primária à Saúde em Redes e Regiões do SUS, realizada na última quarta-feira (27), em Brasília. Promovida pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (SAPS/MS), a formação busca fortalecer as capacidades de trabalhadores da gestão federal da atenção primária à saúde (APS), responsáveis pela implementação de políticas na principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde.
Ao todo, cerca de 120 atores da gestão federal da atenção primária participam do processo formativo, que envolve diferentes dispositivos pedagógicos e práticas problematizadoras, trazendo situações do dia a dia da APS.
O curso é coordenado pelo vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo, pela coordenadora da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola), Márcia Cristina Fausto, e pela professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Patty Fidelis.
Governança regional e os desafios do SUS
Na conferência, Chioro destacou a complexidade do sistema de saúde em um país continental, com 5.571 municípios distribuídos em 26 estados e no Distrito Federal. Para ele, a descentralização e a fragmentação do financiamento permanecem como entraves históricos. “Nem a população e a política do mesmo estado são iguais. Por isso, a construção de regiões de saúde não pode ser apenas a soma de planos municipais, mas sim um esforço de integração capaz de garantir integralidade e coordenação do cuidado”, afirmou.
O ex-ministro da Saúde ressaltou ainda que a governança regional exige superar a lógica de investimentos fragmentados, muitas vezes orientados por interesses locais, sem compromisso com a integralidade do sistema. Para ele, o fortalecimento das regiões de saúde deve passar por pactuações claras, definição de fluxos regulatórios, planejamento conjunto e racionalização dos recursos. “Precisamos transformar esse cenário em uma oportunidade de planejar de forma regionalizada, evitando redundâncias e enfrentando os vazios assistenciais”, destacou.
Chioro também chamou atenção para a necessidade de repensar o papel da atenção primária dentro do sistema. Apesar de ser reconhecida, nos documentos oficiais, como ordenadora do cuidado, na prática muitas vezes permanece isolada.
“Existe um descompasso entre a formulação da política e sua implementação real. O discurso coloca a atenção primária no centro do sistema, mas a prática ainda mostra um modelo centrado em hospitais e serviços especializados. É preciso romper com esse isolamento e transformar a APS em verdadeiro eixo de coordenação”, defendeu.
Ao final, provocou os participantes a refletirem sobre a construção de novos modelos de gestão e sobre a formação de quadros técnicos preparados para os desafios do SUS.
“Nosso maior desafio não é apenas formular boas políticas, mas formar e apoiar os gestores que vão implementá-las. Precisamos investir em quem está no território, enfrentando diariamente as dificuldades da gestão municipal e regional. Sem esse olhar, corremos o risco de idealizar um trabalhador que não existe”, concluiu.
ENSP: tradição e reconhecimento internacional
Durante a mesa de abertura, o diretor da ENSP/Fiocruz, Marco Menezes, destacou a trajetória da instituição, que completa 71 anos neste ano de 2025, no fortalecimento da APS e lembrou a recente designação da escola como Centro Colaborador da OPAS/OMS em Atenção Primária.
“Esse reconhecimento se soma a iniciativas como o mestrado profissional e o ColaboraPS, e reforça a importância da ENSP no apoio às políticas públicas de saúde. O curso chega em um momento crucial, diante de desafios como as emergências climáticas e sanitárias, reafirmando a APS como eixo articulador das políticas e da participação social nos territórios”, afirmou.
Para ele, a consolidação da APS requer também articulação intersetorial e engajamento social permanente. “O fortalecimento da atenção primária passa não apenas por investimentos técnicos e financeiros, mas também pela capacidade de integrar políticas públicas, dialogar com os conselhos locais de saúde e construir soluções conjuntas com os movimentos sociais. Esse curso representa uma oportunidade de renovar esse compromisso”, completou.
Formação transformadora
O vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo, explicou que a especialização se sustenta em dois pilares principais: a atenção primária e a gestão em saúde. Ele ressaltou que o curso busca ir além da transmissão de conteúdos, propondo um movimento de reflexão e inovação.
“É uma oportunidade para que técnicos e gestores possam pausar a rotina, oxigenar suas práticas e pensar novas possibilidades. Mais do que transmitir conteúdos, esse curso convida a um movimento de reconstrução e de avanço coletivo, em sintonia com os desafios democráticos e sociais do país”, disse.



