Da luta social às práticas institucionais: seminário da ENSP debate diversidade e equidade
Por Bruna Abinara
O Seminário ‘Por uma agenda de Diversidade e Equidade na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP): perspectivas e desafios' uniu pesquisadores, trabalhadores e estudantes para debater as atuais Políticas de Equidade da Fiocruz e a promoção de uma cultura antirracista, com equidade de gênero, inclusiva e diversa na instituição. Realizado nesta quarta-feira (20/8), o evento foi promovido pela Direção da ENSP e pela Comissão Permanente de Diversidade e Equidade.
A programação da manhã foi dedicada à mesa 'A experiência de implantação de Políticas de Diversidade e Equidade em instituições de ensino'. O professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Carlos Alberto Santos de Paulo esteve presente como palestrante convidado e compartilhou sua experiência na Pró-Reitoria de Políticas de Ações Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAAE) da instituição baiana. Assista às mesas na íntegra pelo canal da ENSP no Youtube. No período da tarde, foram organizados Grupos de Trabalho, divididos de acordo com as áreas de atuação da ENSP, com o objetivo de elaborar Planos de Ação em cada Colegiado/Comissão para a implementação das diretrizes e eixos das Políticas Institucionais, além de criar uma estratégia de comunicação referente à pauta da diversidade e da equidade.
O vice-diretor de Ensino da ENSP, que coordenou a palestra da manhã, destacou que muitos lutaram no passado para que a realização deste seminário fosse possível. Para Gideon Borges, a principal missão do evento e a responsabilidade de todos os presentes "é dar continuidade à luta para que a questão da diversidade e da equidade possa polarizar cada vez mais as atividades e se consolidar como um eixo principal da Escola".
"Nossos passos vêm de longe, a história de transformação não acontece no presente", afirmou o professor Carlos Alberto Santos de Paulo. O palestrante citou o Rio de Janeiro e a Bahia como exemplos de um arranjo colonial nacional que se manteve inalterado ao longo do tempo, com estruturas que se reformulam, mas não se extinguem. Sobre o momento atual, alertou para o fortalecimento de grupos com projetos políticos de extermínio dos outros e para tentativas de negar as conquistas já atingidas. "É importante afirmar que temos direitos, mas não podemos fechar os olhos. É preciso observar que houve um investimento no anestesiar: nós estamos naturalizando o injustificável", declarou.
Segundo o palestrante, no Brasil, as desigualdades são vistas majoritariamente pelo viés econômico, mas elas estruturam todas as relações. Por isso, apostou na pergunta como método: "Quando não perguntamos, aceitamos as regras do jogo". Para ele, pensar em comunidade e discutir a intersecção entre saúde pública, equidade e diversidade é fundamental. No entanto, o palestrante reconheceu os obstáculos do caminho e relatou o processo de adoecimento pelo qual passou no período em que esteve à frente da PROPAAE. De Paulo também analisou o "fim das utopias" e o cansaço do meio da luta: "Existir é um ato político e precisamos nos alimentar de esperanças, mesmo que os tempos sejam difíceis".
O professor contextualizou a criação da universidade baiana como resultado de demanda e mobilização popular, para garantir o acesso de grupos marginalizados à educação de qualidade. "A UFRB é também uma ousadia: 84% dos alunos são autodeclarados negros e negras, desses, 75% são mulheres. Não é algo simples, é uma grande experiência, com muita dor e muita responsabilidade institucional", contou. Apesar do perfil potente, de Paulo reforçou que apenas o discurso não é suficiente, é preciso garantir a materialidade dos programas e das ações afirmativas a partir de orçamento destinado à sua implementação efetiva. Segundo o palestrante, o diálogo pela inclusão assume um tom de convencimento, porque a pauta está ligada ao que estrutura o pensamento brasileiro e conforma o modelo de nação. "Nós somos diversos, temos a equidade como pressuposto, precisamos sair do formalismo jurídico", concluiu.
Mesa institucional de abertura
Durante a mesa institucional de abertura do evento, o diretor da ENSP contextualizou a relevância de tratar sobre diversidade e equidade em um momento desafiador no Brasil e no mundo: "Essa é uma agenda muito importante para nós e que vem progredindo muito nos últimos anos”. Marco Menezes defendeu a necessidade de avançar a pauta de forma integrada, buscando a implementação dos programas de nível governamental na realidade do país: “Não temos como falar sobre direitos humanos, sem avançar com a pauta da inclusão”.
Segundo o diretor, questões de diversidade e equidade impulsionam a agenda interna e é necessário expandir as políticas e os programas institucionais relacionados à pauta. Com o início de um novo ciclo de gestão na Fiocruz e em suas unidades, Menezes considerou a importância de espaços como os Colegiados, os Conselhos Deliberativos e o Congresso Interno para a capilarização e a mobilização dos debates. “É o momento de garantir os avanços que tivemos e pensar em como podemos avançar mais, porque ainda há muito a ser feito”, declarou. Para além da importância interna, o diretor ressaltou a união entre Fiocruz, movimentos sociais e universidades. Como uma ação necessária, ele mencionou a inclusão da pauta nos currículos de graduação e de pós-graduação.
“Não há ciência de qualidade sem justiça social”, afirmou a representante da Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa) Fátima Loroza. “Este seminário é mais do que um gesto acadêmico, é a afirmação de que a Escola está disposta a enfrentar as desigualdades e a pensar, de forma coletiva, caminhos concretos para consolidar um ambiente institucional antirracista, com equidade de gênero, inclusivo e plural”, analisou. Loroza ressaltou que a Fiocruz, por meio da Cedipa, promove novas pedagogias de inclusão a partir da formação. Como exemplos, citou programas e cursos em letramento racial, formação em equidade de gênero, capacitações em acessibilidade e inclusão, assim como rodas de diálogo e oficinas temáticas para gestores, trabalhadores e estudantes. Segundo Loroza, essas ações sensibilizam, instrumentalizam e mobilizam a comunidade institucional para que as políticas saiam do papel e transformem o cotidiano: “Diversidade não é acessório, mas a condição para que ENSP e Fiocruz cumpram seu objetivo, afirmando seu compromisso com a vida, a justiça e a democracia.”
A representante da Comissão Permanente de Diversidade e Equidade Roberta Gondim iniciou sua fala promovendo uma reflexão: "Por que precisamos abordar essa pauta?" Segundo a pesquisadora, a razão está na necessidade de "vocalizar e enfrentar uma construção histórica que produz uma sociedade desigual amparada pela assimetria e pela hierarquização de pessoas". Gondim relembra que a ENSP existe inserida nesse contexto social e, por isso, reproduz institucionalmente esse conjunto de inequidades. Porém, ela destaca o histórico de enfrentamento da Escola: "Acredito que realizar este evento é honrar o nome desta instituição e a nossa trajetória". O diálogo ampliado entre diferentes áreas e a mobilização de toda a comunidade Fiocruz estão no centro dos avanços para a pesquisadora. Segundo Gondim, a criação da Cedipa, assim como as diretrizes, ações e políticas pautadas nos Comitês e Comissões das diversas unidades permitem o enfrentamento das desigualdades a partir da perspectiva da pluralidade e da inclusão.
“Hoje é um dia de celebrar até onde chegamos e de reiterar nosso compromisso de manter e ampliar a missão de uma ENSP diversa e com equidade de oportunidades para todos”, declarou a representante discente Jasmine de Oliveira. A colaboradora da Comissão classificou a luta pela diversidade e pela inclusão como um esforço contínuo e reforçou a importância de espaços de compartilhamento de experiências e conhecimentos em um cenário global de retrocessos. Jasmine, que é uma pessoa com deficiência, homenageou todos que lutaram por acessibilidade no passado e complementou: “Se hoje eu falo de luta, é para que muitos outros possam estar no meu lugar no futuro”. Para a representante dos alunos, consolidar a inclusão das pluralidades é confirmar o direito de existir em igualdade, de fazer ciência, construir políticas e participar da sociedade, “de forma diferente, mas como iguais”.
+ Assista às mesas na íntegra pelo canal da ENSP no Youtube



