Webinário da ENSP/Fiocruz é marcado por emoção, escuta e reflexões sobre saúde integral de pessoas trans
O webinário Famílias Homo e Transparentais, promovido nesta quinta-feira (3/7) como parte das atividades da Comunidade de Práticas de Cuidado Integral à Saúde - organizada pela Vice-Direção de Atenção à Saúde e Laboratório de Saúde Pública da ENSP/Fiocruz - foi marcado por emoção, escuta atenta e reflexões profundas sobre vivências e cuidados na saúde integral de pessoas trans. Com mediação de Claudia Santamarina, assessora da Vdal, o evento reuniu três convidados com vivências diretas sobre o tema e destacou a importância do reconhecimento da diversidade nas estruturas familiares e da criação de políticas públicas que acolham e respeitem as infâncias e adolescências trans e suas famílias.
Logo na abertura, Claudia Santamarina destacou: “Quando falamos de famílias homo e transparentais, falamos de múltiplas formas de existir no mundo, e de como o afeto, o cuidado e o respeito podem construir redes que salvam vidas”. Ela ressaltou que o objetivo do encontro era justamente dar visibilidade a histórias que ainda enfrentam silenciamentos, desinformação e preconceitos — inclusive nos serviços de saúde.
Durante o debate, um dos pontos centrais foi a importância do acolhimento familiar para o bem-estar e a saúde integral de crianças e adolescentes trans.
“Ser trans é para a vida toda. E lutar também.”
Maria Daniela de Mendonça Motta compartilhou sua trajetória como mulher trans e mãe, destacando os desafios enfrentados desde a infância e adolescência, marcadas por rejeição familiar e exclusão social. “Comecei a me entender como trans aos 9 anos. Aos 11, fui expulsa de casa. Vivi em situação de vulnerabilidade e fui criminalizada. Tudo isso porque eu existia fora da norma”, relatou.
Atualmente ativista e servidora pública, ela enfatizou que a luta das pessoas trans por dignidade e acesso a direitos é permanente. “O mundo ainda é muito violento com a gente. Pernambuco é um dos estados que mais mata pessoas trans. A sociedade precisa entender que respeitar uma pessoa trans é básico: é chamar pelo nome e pronome que ela escolheu. Isso salva vidas.”
Paternidade trans e direito à existência
Glauco Vital, homem trans e pai de uma criança gerada por inseminação caseira, trouxe à tona o apagamento de pais trans nas discussões públicas. “Falamos pouco sobre paternidade trans. Muitos homens trans não têm acesso a serviços de saúde adequados e enfrentam preconceito até na hora de gestar”, afirmou.
Ele criticou o retrocesso em políticas públicas, como a resolução do CFM que inviabiliza o acesso de pessoas trans a tecnologias reprodutivas. Glauco defendeu que a paternidade não deve ser negada a ninguém: “Você não deixa de ser pai por estar gestando. Temos direito à parentalidade, e precisamos de informação, acolhimento e redes de apoio.”
Maternidade e acolhimento: “Amar é o que salva”
Mônica Cavalcanti relatou sua experiência como mãe de uma menina trans. Segundo ela, o momento em que a filha verbalizou sua identidade de gênero foi transformador: “Ela me disse: ‘Mamãe, sou uma menina’. E naquele momento, tudo mudou. O amor me moveu a aprender, a entender, a acolher.”
Ela fundou a ONG Minha Criança Trans, que hoje oferece suporte a famílias em diversos estados. Mônica destacou a importância de romper o silêncio e buscar apoio: “A gente não precisa entender tudo de imediato. A gente precisa estar junto. Uma conversa com outra mãe pode salvar uma vida. Amor e acolhimento fazem toda a diferença.”
Políticas públicas, visibilidade e mobilização
Ao longo do webinário, os participantes destacaram a urgência de políticas públicas voltadas à saúde integral da população trans, com foco especial em infâncias e adolescências. Foi denunciada, por exemplo, a ausência de acesso à hormonização para adolescentes trans - uma violação de direitos. “Por que um adolescente trans não tem direito à terapia hormonal? Isso é transfobia institucionalizada”, questionou Maria Daniela.
Também foi debatida a necessidade de formação de profissionais da saúde e da educação. Glauco lembrou que muitos atendimentos ainda são marcados por desrespeito e desinformação, enquanto Mônica destacou o papel das escolas como espaços que podem acolher ou violentar.
Por fim, os convidados reforçaram a importância da mobilização coletiva como motor de transformação. “A sociedade muda quando se organiza. Votar é importante, mas também é preciso ir para a rua, reivindicar, pressionar por leis que protejam nossas existências”, afirmou Maria Daniela.
Glauco completou: “Hoje, ninguém mais pode dizer que não conhece alguém LGBTQIA+. Não há mais desculpa para ignorar nossas existências e nossas famílias.”
Assista ao webinário na íntegra!
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