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"O tráfico de pessoas é uma das maiores violações dos direitos humanos", alerta pesquisadora

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Publicado em:27/06/2025
Por Danielle Monteiro

“O tráfico de pessoas é uma das maiores violações dos direitos humanos quando analisado no contexto da migração”, alertou a professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Cláudia Araújo, durante a conferência ‘A fronteira como território: tráfico de pessoas e políticas para enfrentamento’. A atividade foi promovida pela ENSP, em parceria com o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), na manhã desta segunda-feira (23), como parte da programação do ‘Seminário Nacional Interculturalidade, Migrações, Gênero e Saúde’.

Segundo a pesquisadora, o comércio de indivíduos viola todos os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Claúdia defendeu que tratar a migração como um ato de liberdade e olhar para o comércio humano como uma grave violação de direito significa enxergar o indivíduo em situação de tráfico como uma real vítima, que está exposta a diversas situações de vulnerabilidade. “A situação de tráfico retira as capacidades individuais, anula as oportunidades de deslocamento voluntário e compromete a saúde mental e física das pessoas. Isso implica diretamente na vida de homens, mulheres, crianças, adolescentes e de uma massa enorme da população LGBTQIA+. E fragiliza os estados ou países na medida em que suas populações são colocadas nessa situação”, alertou. 


Apesar de existir há séculos, o tráfico de pessoas sofreu poucas mudanças ao longo do tempo. Segundo Cláudia, trabalho escravo, exploração sexual, casamentos servis, mendicância e criminalidade forçadas acontecem repetidamente no cotidiano de milhares de pessoas e permanecem como as principais características do comércio de seres humanos. “O tráfico humano é o terceiro maior lucro ilícito do planeta”, destacou a pesquisadora.

Embora seja uma prática frequente, o tráfico de pessoas pode parecer inacreditável para o senso comum e aos olhos de quem vive em grandes centros com uma melhor estrutura de vida. No entanto, as pesquisas comprovam que o comércio de seres humanos é, de fato, uma realidade em diversos locais do mundo, conforme relatou a palestrante. Segundo ela, o último relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) apontou que a expansão da pobreza provocou o crescimento do tráfico de pessoas em todo o mundo. O comércio humano para trabalho escravo aumentou 47% e o de crianças, especialmente meninas, cresceu 38% em todo o planeta, entre 2019 e 2024. “O mundo está mais empobrecido economicamente. As pessoas estão mais expostas a vulnerabilidades. Aquelas que sobrevivem com menos do salário mínimo, em seu país, é cada vez maior", explicou Cláudia. 
 
Segundo Cláudia, nesse grave cenário existe um ‘lugar’ que merece especial atenção: “Devemos sempre nos lembrar de que o território fronteiriço é um espaço de vida, trocas, convívio de populações e de direitos e violação de direitos. É um espaço de poder, de dinheiro, de estruturas que beneficiam poucas pessoas e, às vezes, induzem milhares delas ao descaminho, ao crime, ao tráfico de drogas e de armas, e que colocam os indivíduos no mesmo conjunto de problemas. Entender o que significa território e fronteira é uma necessidade”.

Nas fronteiras com o Brasil, os números de tráfico humano são preocupantes. Conforme destacou a palestrante, dados do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos mostram que, entre janeiro e abril de 2024, uma pessoa foi traficada por dia em solo nacional. “Nas quatro cidades da região onde moro (Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro e Puerto Suárez), que ficam na fronteira com a Bolívia, desaparece uma criança por semana. As rodoviárias são cheias de fotografias de pessoas desaparecidas, que provavelmente não voltarão. É raro alguém ser resgatado do tráfico”, lamentou.  

Além do crescimento dos números, o Brasil sofre, ainda, com a insuficiência de registros. De acordo com dados da Polícia Federal, em 2024 apenas 148 inquéritos foram considerados crimes de tráfico humano. “Será que somente 148 pessoas estiveram em situação de tráfico no período? As rodoviárias brasileiras não mostram isso”, atentou Cláudia. Segundo ela, essa grave realidade requer do Estado brasileiro um olhar prioritário para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, assim como a necessidade de articulações com os países de fronteira e a renovação de pactuações com eles. 

Diante desse quadro, a área de Saúde deve desempenhar um papel fundamental, segundo a pesquisadora: “As pessoas em situação de tráfico não conseguem procurar o setor Saúde. Por isso, nós precisamos qualificar nossos profissionais, para que eles desenvolvam habilidades de observar e aprender a reconhecer pessoas nessa situação”.

Para um enfrentamento eficaz ao tráfico de pessoas, a professora defendeu a articulação de dados científicos com políticas públicas, assim como a integração de ações entre os países e o debate intersetorial que envolva, principalmente, as comunidades e a população em geral. Claúdia acredita que as políticas públicas estão colocadas e podem ser praticadas das melhores maneiras possíveis como formas de enfrentamento ao problema. “O acompanhamento e o monitoramento das pessoas podem alcançar melhores condições de cuidado e, dentro do cuidado, orientações para aprender a evitar situações de exposição ao tráfico de pessoas, à migração irregular e a questões do desamparo. Como diria a minha professora Cecília Minayo: nós ainda temos muito por fazer”, concluiu. 

Por fim, a moderadora da mesa e pesquisadora da ENSP, Cristiane Andrade, chamou a atenção para a necessidade de pensar a formação profissional a partir da garantia de melhores condições de trabalho, principalmente para as mulheres que estão na linha de frente do cuidado às pessoas expostas ao tráfico humano: “Não é raro encontrarmos situações em que as profissionais ficaram mais de seis meses sem pagamento, trabalhando na Saúde. O trabalho do cuidado com quem sofre violência não é fácil. É muito intenso e estressante”.



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