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Pesquisadores alertam para falhas em estudo sobre mortalidade pós-vacinação contra a Covid-19

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Publicado em:09/05/2025
Por Danielle Monteiro

Em comentário publicado na Frontiers in Medicine, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) atentam para falhas metodológicas no artigo ‘Avaliação do risco de mortalidade pós-Covid em casos classificados como síndrome respiratória aguda grave no Brasil: um estudo longitudinal de médio e longo prazo’, publicado em dezembro de 2024 na revista científica. O estudo afirma que “o efeito protetor da imunização contra a Covid-19 foi observado até um ano após os primeiros sintomas e que, após esse período, ele foi revertido, mostrando um risco aumentado de morte para os vacinados".

No comentário, os autores afirmam que “leram com preocupação o artigo” e fornecem algumas contribuições metodológicas, além de uma reflexão contextualizada sobre as implicações dos resultados. Eles destacam que o contexto vivenciado pelo Brasil durante a pandemia - marcado por controvérsias, negação da ciência e ineficiências na resposta à gravidade do problema - é crucial para a compreensão do impacto negativo das fracas evidências apresentadas no estudo. 

Os pesquisadores alertam que o sistema SIVEP-Gripe, projetado para vigilância epidemiológica de síndromes respiratórias graves e empregado como metodologia do estudo, é insuficiente para uma análise robusta da mortalidade, além de não ser o sistema de informação mais adequado para esse propósito. Segundo eles, uma análise mais apropriada exigiria o exame de dados gerais de mortalidade na população, o que poderia ser alcançado usando o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) ou o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), juntamente com o SIVEP-Gripe.

Os autores do comentário também atentam que, como a fonte de dados do estudo é única para coletar todas as variáveis, elementos críticos para uma análise rigorosa foram omitidos. “Fatores como o tipo de vacina administrada, o momento da vacinação em relação à hospitalização, atrasos na vacinação e o regime de vacinação empregado são essenciais para a classificação precisa do estado de vacinação dos participantes e, indiretamente, de sua condição sorológica. Portanto, a precariedade das informações, por exemplo, sobre o estado vacinal, que é o desfecho primário do estudo, é notória”, afirmam.

Segundo os pesquisadores, houve, ainda, ajuste inadequado para as principais variáveis de confusão, particularmente em relação ao acesso ao cuidado e infraestrutura em níveis subnacionais. “O sistema federal brasileiro, juntamente com suas políticas de saúde, opera em três níveis - municipal, estadual e federal - e inclui organização regional. Esse sistema exibe notável diversidade estrutural, variando de municípios com apenas Unidades Básicas de Saúde a outros com populações e infraestrutura que excedem as de estados inteiros. Essa diversidade tem implicações significativas para os resultados na área da saúde”, explicam. 

Os autores do comentário também observam que o estudo não usou técnicas adicionais para simular cenários e estudar variáveis latentes. Outro ponto levantado diz respeito aos critérios de exclusão dos óbitos analisados, que permaneceram obscuros no texto, não permitindo uma análise mais qualificada. “Além disso, indivíduos não vacinados que sobrevivem à síndrome respiratória aguda grave (SARS) podem ter melhores condições clínicas, enquanto indivíduos vacinados que desenvolvem SARS podem representar uma população mais vulnerável”, atentam.

Eles também alertam que o estudo excluiu casos não hospitalizados, o que limita ainda mais a compreensão do impacto total da vacinação, além de não abordar adequadamente potenciais comorbidades e desigualdades socioeconômicas e estruturais, embora elas sejam fatores determinantes da gravidade da pandemia no Brasil. “Por essas razões, uma análise longitudinal que não considera tais características críticas de exposição ou causas específicas de morte fornece uma correlação estatística que não implica necessariamente causalidade”, esclarecem. 

Segundo os autores, a explicação para as milhares de mortes no Brasil está na má gestão da pandemia, que alimentou tensões políticas, impactou negativamente o sistema de saúde e desencadeou o desespero social. “A vacinação não deve ser descrita como uma medida que causa maior mortalidade a médio e longo prazo. Pelo contrário, os dados da pandemia corroboram a vacinação. Tanto as hospitalizações quanto as mortes diminuíram drasticamente quando a cobertura vacinal da primeira dose atingiu 90%”, destacam. 

Por fim, os pesquisadores defendem que a preparação e a resposta a futuras emergências de saúde pública dependem da compreensão da população sobre os benefícios da vacinação. Segundo eles, o negacionismo foi central para explicar as mortes de dezenas de milhares de pessoas. “Em resumo, a relação causal sugerida pelos autores é inadequada devido às limitações delineadas. O conjunto de dados utilizado carece de representatividade da população em geral, comprometendo a validade externa do estudo. Por outro lado, a ausência de informações críticas necessárias para a classificação adequada dos grupos "expostos" e "não expostos" prejudica sua validade interna. Essas limitações combinadas tornam os resultados puramente especulativos, o que pode levar a interpretações errôneas e recomendações contra a vacinação contra a Covid-19 sem evidências robustas”, concluem.

Em janeiro desse ano, o Comitê de Acompanhamento Técnico-Científico das Iniciativas Associadas a Vacinas para a Covid-19, formado por um grupo independente de especialistas da Fiocruz e de fora da instituição, divulgou uma nota posicionando-se criticamente sobre o artigo.



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