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Em webinário da ENSP, profissionais defendem criação de linha de cuidado de saúde da criança negra

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Publicado em:18/12/2024
Por Barbara Souza

As três profissionais de saúde convidadas para palestrar no webinário “Saúde da Criança Negra: avanços necessários ao cuidado integral” defenderam a criação de uma linha de cuidado específico para essa população. Realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) nesta segunda-feira (16/12), o evento teve a participação da médica de família e comunidade Larissa Jatobá, da especialista em Serviço Social e Saúde Michelle Garcia e da doutora em Odontopediatria Letícia Martins. A moderação foi feita pela assessora da Vice Direção de Atenção à Saúde e Laboratórios de Saúde Pública (VDAL/ENSP) e doutora em Saúde Coletiva pelo IFF/Fiocruz, Claudia Fonseca Santamarina. A atividade está disponível na íntegra no canal da ENSP no YouTube, onde foi transmitido ao vivo.

Durante pouco mais de duas horas, elas discutiram sobre os principais entraves à integralidade do cuidado à saúde das crianças negras, como os determinantes sociais, com destaque para o racismo e suas diversas expressões. Além disso, o webinário propôs formas de profissionais de todos os níveis de atenção podem aprimorar suas práticas para que as crianças negras tenham melhor acesso à saúde. A ideia é unir esforços para reduzir indicadores relacionados ao adoecimento e à morte das crianças negras. “O racismo é um determinante social do adoecimento das populações e tem incidido de forma silenciosa na saúde e na longevidade das crianças negras”, afirmou Claudia ao lembrar que estudos apontam que crianças negras tem 39% mais chances de morrer antes dos 5 anos.

Médica em atuação na Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira, no Rio de Janeiro, e mestre em Saúde Pública pela ENSP, Larissa Jatobá compartilhou sua experiência como mulher negra na graduação em Medicina, sua passagem pelo mestrado e analisou o cenário da saúde das crianças negras. “A gente não vai bem. Dados epidemiológicos mostram que elas estão com os piores indicadores de saúde, e também sociais. São mais pobres, têm mais riscos de doenças infectoparasitárias, de desfechos negativos pós-infecções respiratórias, além da pior escolaridade, pior acompanhamento de pré-natal e outros”, lamentou. Como sinais de que uma criança pode estar sofrendo racismo, Larissa citou condições de pele e cabelo, como alopécia, dermatite atópica, ressecamento e feridas e piolho, além de comprometimentos do desenvolvimento psicomotor e da aprendizagem. 

Larissa apontou que há lacunas na formação dos profissionais de saúde que prestam esse cuidado, o gera desdobramentos. “Espaços de cuidado também são formadores, mas não tenho visto que continuamos aprendendo. Percebo que os livros-texto que orientam nosso trabalho, como a caderneta da criança, não fazem sequer referência à palavra racismo”, disse. Outra crítica que a médica fez foi sobre a abordagem no atendimento às crianças, que geralmente as deixa em segundo plano, focando nos pais ou demais cuidadores. “Pergunta-se muito pouco para elas próprias o que estão sentindo e sofrendo, mas centrar o cuidado na criança é muito importante”, defendeu.

Assistente social da Pediatria do Hospital Federal de Bonsucesso e especialista em Serviço Social e Saúde pela Uerj, Michelle Garcia compartilhou um pouco da sua experiência na unidade de saúde, que é de nível terciário de complexidade. “As crianças que atendo são filhas dessa realidade, de eventos que acometem majoritariamente mulheres negras. A falha no cuidado vem antes do nascimento, em muitos casos”, disse ao mencionar problemas que marcam majoritariamente as pessoas negras, como baixa qualidade de pré-natal e de assistência ao parto, violência obstétrica e mortalidade materna. “Gostaria muito que a atenção básica fosse mais atuante e presente, pois vários casos desses poderiam ser evitados”, completou. 

Michelle também destacou que muitas dessas crianças são filhas de família monoparental feminina, na qual a mulher que precisa “prover tudo” e, muitas vezes, isso resulta no agravamento de quadros de saúde. “As condições de vida das crianças negras é que produzem o adoecimento e são atravessadas pelo racismo. Precisamos ter um olhar racializado para compreender o cenário e oferecer serviço de saúde que atenda às necessidades dessas crianças. Ou então, vamos continuar perdendo vidas por causas evitáveis”, alertou a assistente social. 

Professora da Faculdade de Odontologia da UFMG e doutora em Odontopediatria pela mesma universidade, Letícia Martins abordou os aspectos sociais, ambientais, culturais e psicológicos que afetam a saúde das crianças negras. Ela também compartilhou a pesquisa sobre saúde bucal que realizou recentemente em Ribeirão das Neves (MG) com 369 crianças de 4 a 6 anos. “62,5% nunca foram ao dentista. 63,3% não usam fio dental e 17% não usam pasta com flúor. 76,5% apresentam cárie”, destacou a palestrante, listando ainda a ocorrência alta de outras condições bucais nessa população, como oclusão e traumatismo dentário. “A população negra está inserida nos piores contextos de determinantes sociais, maior prevalência de doenças e não são ainda abraçadas. Precisamos cada vez mais de debates como esse e trabalhar em cima disso para melhorias efetivas”, afirmou. 

As palestrantes concordaram sobre a presença de mais profissionais de saúde negros como um meio de ter uma assistência melhor para crianças negras. Além disso, elas também comentaram sobre a alimentação delas, repleta de alimentos ultraprocessados de baixo valor nutricional, o que tem impactado diretamente a saúde bucal, como destacado por Letícia Martins. Ao tecer críticas à pressão das indústrias alimentícia e farmacêutica, preocupada com os baixos índices de aleitamento materno das crianças negras, a médica Larissa Jatobá disse que a “população deveria estar melhor informada sobre isso e a regulamentação também deveria ser melhor”. Larissa Jatobá falou sobre alguns achados da pesquisa que realizou durante o Mestrado Profissional em Saúde Pública, descritos na dissertação “Saúde da criança negra e cuidado antirracista na Atenção Primária à Saúde”. 

Entre a leitura das mensagens recebidas durante o webinário, a moderadora Claudia Santamarina fez um balanço das falas das convidadas e ressaltou a importância de haver uma linha de cuidado específico para as crianças negras, com orientações e meios, investimento em educação permanente em saúde para profissionais mas também em educação popular sobre o tema. “As falas apontam para a necessidade urgente da criação de uma linha de cuidado de saúde da criança negra que contemple esses aspectos, inclusive nutricionais, odontológicos e também os três níveis de atenção”, disse. “Com essa recomendação que vocês três fazem, vemos como é importante olhar para a infância da criança negra com as especificidades que existem no universo da criança. E olhar para isso com a dimensão da equidade. Não basta a gente pensar só no acesso”. 

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