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Educação híbrida: em seminário na ENSP, especialistas alertam para os desafios da modalidade de ensino

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Publicado em:20/09/2024

Por Bruna Abinara e Danielle Monteiro

Os impactos do uso de recursos tecnológicos nos processos de ensino e aprendizagem, a predominância de interesses corporativos e comerciais, e a ideologia da inovação individualista e mercadológica são alguns dos atuais desafios enfrentados pela educação híbrida. É o que afirmam especialistas que participaram do seminário Aspectos históricos e legais da Educação - Perspectivas para uma Educação Híbrida, promovido pela Vice-Direção de Ensino da ENSP nesta sexta-feira (20/9).

Presente à abertura do evento, o assessor pedagógico e coordenador da equipe de Formação Docente em Saúde da Coordenação de Desenvolvimento Educacional e Educação a Distância (CDEAD/ENSP), Moacyr Torres Junior, explicou que a ideia de se promover o seminário surgiu a partir dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19 e de discussões, junto a diversos parceiros e autores, para a construção de um e-book sobre educação híbrida. “Nosso desejo é que o seminário possa trazer reflexões sobre políticas de educação, modalidades educacionais regulamentadas, uso de recursos tecnológicos nos processos de ensino e aprendizagem, e as preocupações com a qualidade pedagógica de processos formativos”, adiantou.  

A vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano, frisou que o debate sobre as perspectivas da educação híbrida está presente em toda a Fiocruz e fora da instituição, chamando a atenção para a importância dessa temática. Ela adiantou que, além da elaboração do e-book, a ENSP realizará, como desdobramento do seminário, um segundo evento ligado ao hibridismo ainda esse ano, com grupo de docentes discorrendo sobre essa experiência. “O momento pandêmico nos trouxe desafios, e o desafio atual é tentar caminhos para o que, de fato, é o hibridismo, que não se trata simplesmente de processos de transmissão”, afirmou.  

Em seguida, o professor Maurício De Seta, coordenador de Desenvolvimento Educacional e de Educação a Distância da ENSP, ressaltou que é um compromisso da casa refletir sobre educação. "Há sempre uma preocupação de que a ENSP faça uma autocrítica, porque, enquanto instituição de ensino, precisa refletir sobre as questões educacionais", declarou. O coordenador reforçou que a Fiocruz, através da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação, está igualmente engajada nesse debate. "O tema da educação híbrida em conversa com os aspectos legais e históricos da educação nos ajudam a refletir e a fazer um trabalho necessário de educação permanente", ponderou. 

Para a debatedora da mesa, a professora adjunta do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sônia Cristina Vermelho, o ponto central da questão é analisar a educação em sua fundamentalidade. "Através de uma perspectiva crítica, é preciso pensar os processos educacionais e a educação brasileira a partir de uma ótica que tem posicionamento político", afirmou. Sônia Cristina reforçou que, além do ponto de vista conceitual, são as forças políticas e econômicas que geram a complexidade do debate. "Fica evidente que essa discussão não é tecnológica, nós lidamos com grandes desafios do ponto de vista da eterna disputa entre capital e trabalho", explicou. 

Em sua apresentação, o professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, alertou para a complexidade inerente ao tema das escolas públicas conectadas, fazendo referência ao Programa de Inovação Educação Conectada, desenvolvido pelo Ministério da Educação. 



Leher elencou alguns pontos críticos que envolvem o debate sobre as escolas conectadas, chamando a atenção para uma questão que torna a situação bastante preocupante: a predominância de interesses corporativos e comerciais. Segundo o professor, existe um controle do processo de construção da rede nacional de escolas conectadas nas “mãos” de um único grupo empresarial. 


Além da presença da extrema direita e do setor mercantil no debate sobre as escolas conectadas, outro agravante apontado por Leher diz respeito à regulamentação do ensino híbrido na educação básica e no ensino superior. Segundo o professor, esse processo de normatização é marcado pela hegemonia de instituições com interesses comerciais e, também, pela flexibilização ao longo dos últimos anos, que permitiu mudanças, como o credenciamento de grupos que oferecem, exclusivamente, Ensino à Distância, e a expansão de 20% para 40% das disciplinas de modalidade EAD nos cursos presenciais.  

“Esse debate passa a estar hegemonizado pelos setores mercantil e por aparelhos que fazem parte da hegemonia e da interagência. E isso dificulta o nosso debate porque nós temos que enfrentar uma questão, obviamente, estratégica, que são as mediações tecnológicas e as instituições públicas, ao mesmo tempo em que todo esse debate está sob hegemonia desses grupos”, alertou Leher.  

"Quando falamos de educação híbrida, será que há alguma novidade ou isso é apenas parte de um debate maior?" Com essa provocação, o professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nelson De Lucca Pretto, continuou o debate sobre educação e tecnologia. Segundo o professor, essa é uma relação antiga que também envolve a comunicação, que ele considera um aspecto fundamental do processo educacional. "Não podemos trazer as tecnologias como meras ferramentas auxiliares, elas são parte da escrita do contemporâneo e, por isso, a importância de estarem presentes na educação", afirmou. No entanto, o professor reforçou que essa presença precisa ser mediada por uma perspectiva crítica.  

Nelson defendeu que é necessário superar um ideal instrumental associado à educação. "Queremos cidadãos com conhecimento ou trabalhadores com habilidades?", questionou. Para o professor, o debate também diz respeito a uma tentativa de apagamento de diferentes culturas, uma vez que o poder hegemônico tenta fazer com que a escola transforme o 'outro' em 'eu', anulando as diferenças e equalizando as pessoas. "O que está em jogo não é uma fala sobre tecnologia, mas uma concepção de educação que a tecnologia reforça", elucidou.  

A entrada de empresas de big tech na educação, principalmente, durante a pandemia de Covid-19, segundo o professor, ocorreu em um contexto de políticas públicas insuficientes e de fortalecimento das grandes corporações. O resultado seria a manutenção da hegemonia nas "mãos" dos reformadores empresariais da educação e das plataformas de tecnologia. "A maior parte da produção de conhecimento da ciência brasileira, da nossa juventude e dos nossos professores está depositada em grupos como Google e Microsoft", ressaltou Nelson 

O professor explicou que a ideologia de inovação deixou de ter uma perspectiva coletiva, para valorizar a individualidade. "Deixa de ter força a ideia de inovação enquanto criação associada ao bem-comum e passa a ser a inovação associada à mercadoria", declarou. Nelson situou esse cenário no contexto global da Era do Capitalismo de Vigilância, ou Capitalismo de Plataforma, e defendeu que "a Fiocruz e as universidades públicas têm um papel fundamental no enfrentamento dessa questão". Para combater o capitalismo, que ele também denominou de 'dadocêntrico', Nelson reforçou a relevância de atitudes como a produção de materiais com licenciamento aberto e a construção de uma estrutura soberana de dados.  

Nelson declarou que "essencialmente, o enfrentamento que devemos fazer é político, porque o que está em disputa é a concepção de educação, de ciência e de sociedade". Por isso, apresentou algumas ações importantes, como o reconhecimento da não-neutralidade das redes e a necessidade de trabalhar no letramento em algoritmos e dados, porque, para o professor, não podemos ser usuários e não entender o funcionamento desses sistemas. Além disso, ele defendeu o uso de redes tecnológicas para o fortalecimento das produções coletivas baseadas no comum e da horizontalidade nos processos.  

Para o professor, é necessário 'hackear' a educação por dentro, ou seja, atuar no interior das instituições para provocar transformações. Como iniciativas possíveis, Nelson citou mudar os canais de veiculação de informação para não monetizar as grandes corporações, recuperar sistemas públicos, engrossar a luta por soberania digital e, em vez de aumentar o humano no sentido da eficiência e da produtividade, melhorar o humano em direção à colaboração e ao respeito da diversidade. "Mais do que pensar a modalidade híbrida, é preciso entender que o hibridismo, apoiado pelas tecnologias, deve fortalecer o estar junto", ressaltou. Segundo Nelson, tal movimento seria capaz de criar um ecossistema pedagógico de informação, comunicação e aprendizagem, apoiado tanto nas redes tecnológicas, quanto nas não-tecnológicas.  



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