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DCB/ENSP 58 anos: Debate comemorativo aborda produção científica, ciências biológicas e carreiras

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Publicado em:18/09/2024

Pesquisadores e trabalhadores do Departamento de Ciências Biológicas da ENSP celebraram o aniversário do DCB, nesta terça-feira (17/9), em evento na Escola.

*Por Equipe Informe ENSP

O Departamento de Ciências Biológicas da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca celebrou seus 58 anos nesta terça-feira (17/9) com um evento especial que contou com a participação expressiva de trabalhadores e pesquisadores do departamento. Fundado em 1966, ano em que a ENSP ganhou sua sede própria, o DCB foi estabelecido pelo professor e pesquisador emérito da Fiocruz, Luiz Fernando Ferreira, falecido em 2018. Ao longo das últimas décadas, o departamento tem desenvolvido atividades de pesquisa, ensino e cooperação técnica na área da saúde pública, com foco na vigilância laboratorial de doenças infecciosas. Para celebrar o aniversário, uma série de palestras agitou o dia, abordando os desafios da produção científica, a importância das ciências biológicas na saúde única, além de identidade, carreira e continuidade.

+ Assista, na íntegra, no canal da ENSP no Youtube!  

Na abertura do evento, o diretor da ENSP, Marco Menezes, parabenizou o DCB pelas conquistas e agradeceu pelas contribuições ao longo dos 70 anos da escola, celebrados no início de setembro. Marco ressaltou que a marca histórica do Departamento de Ciências Biológicas é a integração entre ensino e pesquisa e lembrou que um panorama da história do DCB está registrado em uma série de vídeos institucionais sobre os departamentos da ENSP, disponíveis no canal da escola no YouTube. "O DCB é um bom exemplo de como fazer de forma integrada ensino, pesquisa, formação para o SUS e implementação de políticas públicas", reforçou.

O diretor elogiou também a participação do departamento no novo centro de pesquisas da Fiocruz sobre emergências sanitárias contemporâneas, batizado em homenagem ao professor Luiz Fernando Ferreira. Frente às queimadas e secas que atingem o país, Marco destacou a importância de temas como a emergência climática e a crise hídrica, atribuindo ao DCB um lugar central na construção desse debate. "Vemos eventos extremos cada vez mais constantes, então, acho que discutir o papel da formação de sanitaristas para o SUS, para a ciência e para a tecnologia, nessa perspectiva de um olhar integrado e do papel das Ciências Biológicas, é um grande desafio", ponderou.

Por fim, ele explicou que a Fiocruz passa por um processo eleitoral e que esse "é o momento de repactuar grandes agendas nessas áreas". Marco ainda destacou que, após as eleições, haverá o Congresso Interno para rever as diretrizes da instituição para os próximos quatro anos. "Que bom que o debate sobre os desafios contemporâneos está acontecendo nesse contexto, e que possamos, mais uma vez, contar com o DCB", concluiu o diretor da ENSP.

Desafios da produção científica: Por que é preciso publicar?

O pesquisador do Departamento de Ciências Biológicas, Francisco Paumgartten, apresentou a palestra "Por que publicar? Os desafios da produção científica". Ele trouxe ao debate a necessidade de os cientistas publicarem regularmente o produto de suas investigações e reflexões. Segundo ele, a crescente pressão para a publicação acadêmica, embora muitas vezes não percebida claramente, está moldando profundamente o funcionamento do sistema de ensino superior e a produção de conhecimento. Esse fenômeno tem raízes tanto nobres quanto problemáticas, refletindo mudanças no campo da ciência e da academia.

De acordo com o pesquisador, historicamente, a publicação científica tem sido uma parte essencial do avanço do conhecimento. “Desde os tempos antigos, a ciência se constrói de forma coletiva, com cada cientista contribuindo para o vasto edifício do saber acumulado. A troca de informações entre cientistas permite que novos descobrimentos se integrem ao corpo existente de conhecimento. Publicar as descobertas é, portanto, uma consequência natural e necessária para que o conhecimento avance. Sem a divulgação, uma descoberta permanece estagnada, excluída do processo científico dinâmico”, destacou.

No entanto, uma pressão mais recente e menos nobre surgiu com a institucionalização moderna do sistema científico. A partir da segunda metade do século XX, a produtividade científica começou a ser medida de forma quantitativa. O conceito de "produtividade científica" passou a ser avaliado por indicadores bibliométricos, como o fator de impacto dos periódicos e o número de artigos publicados.

“Esses indicadores permitem comparar a relevância e o impacto de trabalhos e pesquisadores, criando uma hierarquia baseada na quantidade de publicações e citações. A cientometria, ou a mensuração da produção científica, intensificou a pressão sobre acadêmicos e instituições para publicar com mais frequência e em maior volume. Essa abordagem levou a uma valorização excessiva da quantidade sobre a qualidade e criou uma competição para atingir índices altos de produtividade”, explicou o pesquisador.

Segundo Paumgartten, essa pressão institucionalizada tem várias consequências. Por um lado, a publicação constante pode acelerar o compartilhamento de descobertas e a disseminação do conhecimento. Por outro, pode promover práticas de publicação apressadas e diminuir o foco na qualidade e na integridade das pesquisas. “A tensão entre o objetivo nobre de contribuir para o avanço do conhecimento e as demandas contemporâneas de produtividade continua a moldar o campo acadêmico. À medida que a academia evolui, é crucial considerar como equilibrar a necessidade de publicação com a qualidade e a integridade científica”, ressaltou.

Por fim, o pesquisador apontou os "Sete Pecados Capitais" da produção científica. De acordo com ele, esses pontos críticos surgem como obstáculos à qualidade e relevância dos artigos científicos. O primeiro pecado identificado é o deslocamento do foco. Em vez de investigar questões científicas importantes e abertas, há uma tendência de priorizar a produção de artigos, muitas vezes em detrimento da relevância e profundidade do estudo.

O segundo pecado diz respeito ao fracionamento excessivo do conteúdo. Em vez de abordar um tema de forma abrangente, os pesquisadores frequentemente dividem suas investigações em múltiplos artigos menores. “Essa prática não apenas dilui o impacto da pesquisa, mas também pode dificultar a compreensão do fenômeno estudado”. O pesquisador citou ainda a inflação autoral, a socialização da produção individual no grupo, o plágio, o autoplágio e a autocitação desnecessária; a irrelevância e modismo das novas tecnologias; além da baixa qualidade, reprodutibilidade e fraude. Finalizando sua apresentação, Paumgartten destacou a necessidade de uma abordagem mais integrada e relevante na pesquisa científica para superar esses desafios e melhorar a qualidade da produção acadêmica.

O papel das Ciências Biológicas no conceito de Saúde Única

Convidado externo para palestrar na comemoração, o embaixador do Instituto Trata Brasil e mestre em Ecologia, Mario Moscatelli, falou sobre "O papel das Ciências Biológicas no conceito de Saúde Única". Em sua apresentação, o biólogo analisou alguns aspectos da crise ambiental e das emergências climáticas, focando no cenário de extremos climáticos, na perda da biodiversidade, passando pela elevação dos oceanos e chegando à importância da conservação dos manguezais para amenizar os prejuízos.

“Muito se fala em salvar o planeta, mas ele vai continuar. O que está em perigo é a civilização como conhecemos”. Numa palestra marcada por falas alarmantes baseadas em estudos e experiências, Moscatelli destacou dados que demonstram que a emergência climática não é uma ameaça ou um problema para ser resolvido pelas próximas gerações, mas sim uma questão para o tempo presente. Ele citou um alerta recente emitido pela ONU, a partir de informações da NASA, sobre a elevação do nível do mar que pode chegar a até 21 centímetros no Rio de Janeiro até 2050. O biólogo mostrou um mapa com as áreas que devem ser alagadas, segundo a previsão, e questionou: “eu não sei pelo que ainda estamos esperando”.

Ao comentar o contexto atual, Moscatelli lamentou que “biomas estão sendo incinerados no Brasil”. O ambientalista ressaltou que, em paralelo à crise climática, há negacionismo. “Nós temos feito alertas de forma sistemática e as medidas de prevenção são esquecidas”, reclamou. Durante a palestra, Moscatelli também criticou o que apelidou de “cultura de usar até acabar” e disse que “em termos ambientais, a reação já não funciona mais”, defendendo ser fundamental “uma mistura de reação e prevenção”.

Embaixador do Instituto Trata Brasil e mestre em Ecologia, Mario Moscatelli, falou sobre 'O papel das Ciências Biológicas no conceito de Saúde Única, durante o aniversário do DCB/ENSP.

Moscatelli defendeu os manguezais como “única linha de defesa da região urbana” em caso de se confirmar o aumento do nível do mar no Rio de Janeiro. “Vão botar enrocamento, pedras, em todo o litoral? Não! Então são os manguezais que vão assegurar menores consequências em termos de impacto do que está por vir”, ressaltou. Com exemplos de projetos bem-sucedidos em diferentes áreas da cidade, desde a Lagoa Rodrigo de Freitas até a Ilha do Fundão, o biólogo mostrou que é possível recuperar áreas do ecossistema que mais captura e armazena carbono no mundo. Moscatelli reforçou ainda o papel que os manguezais cumprem pelo bem da biodiversidade e até mesmo de atividades econômicas.

Durante a apresentação, o convidado abordou também a necessidade de a academia e os demais defensores de causas ambientais se dedicarem mais ao estreitamento de laços com a imprensa e à divulgação científica. “O divulgador científico é essencial para que possamos explicar para a sociedade a importância de toda essa estrutura dos manguezais e de quanto a sociedade precisa dela para progredir”. Por fim, Moscatelli afirmou que há impunidade para os crimes ambientais no país e defendeu mais rigidez da Justiça nesse sentido.

Identidade, carreira e continuidade

Em uma mescla de palestra com dinâmicas de grupo, o psicólogo educacional da ENSP, Eugênio Lacerda, discorreu sobre identidade, carreira e continuidade. Convidando o público para participar de dois jogos interativos, Lacerda mostrou que as identidades não nascem prontas e são construídas nas relações e interações que vivenciamos e experienciamos com o outro e com o mundo.

Fazendo referência ao psiquiatra Ronald David Laing, o palestrante apontou que, por mais que possamos achar insignificante nossa participação em alguma situação ou lugar, nós ainda contribuímos. Ou seja, apesar de desejarmos diferentes participações para nós mesmos e para o outro, ainda assim, participamos: “Sempre afetamos e somos afetados e, com isso, marcamos nossa presença. Inclusive, a ausência é vivida com muito mais intensidade do que a presença, o que pode gerar muito sofrimento”.

Como essa ausência é, por vezes, um tempo que já passou e, por isso, não volta mais, restam, então, os afetos, segundo Lacerda. “Mas o que fazer com esses afetos?”, indagou o psicólogo. “É difícil, mas é real e, somente na realidade, transformamos e vamos para além de certas formas de ação: a transformação. Só que nunca sozinhos, sem sermos afetados pelo todo e por todos. Nas nossas identidades, carreiras e continuidade, todos os dias é um vai e vem”, refletiu.

Assim como no jogo do qual o público participou, Lacerda mostrou que, em outras circunstâncias da vida, cada indivíduo tem o seu lugar, ocupando uma representação de lugares possíveis e de desejos: desejo de ser reconhecido, amado, querido ou esquecido; desejo de ser inesquecível, ou substituído ou insubstituível, entre tantos outros. “Nos cotidianos, trabalho e relações, chegamos e partimos. São só dois lados da mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida. A hora do encontro é também despedida. E a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar”, concluiu Lacerda, parafraseando a música "Encontros e Despedidas", de Milton Nascimento.

Dinâmica de grupo promovida pelo psicólogo educacional da ENSP, Eugênio Lacerda, no evento em celebração aos 58 anos do DCB.
+ Confira a galeria de fotos no final da matéria.
*Barbara Souza, Bruna Abinara, Danielle Monteiro e Tatiane Vargas.



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