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Jornada Acadêmica dos alunos da ENSP começa com debate sobre Mudanças Climáticas e Saúde

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Publicado em:11/09/2024

Por Barbara Souza e Tatiane Vargas

A 1ª Jornada Acadêmica Discente da ENSP começou nesta segunda-feira (9/9) com um debate sobre o tema mais votado entre os alunos para a palestra de abertura: ‘Mudanças Climáticas e Uma só Saúde’. Para a discussão, estiveram presentes o coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde da ENSP/Fiocruz, Carlos Machado, e o coordenador do Programa de Desenvolvimento da Mata Atlântica da Fiocruz, Ricardo Moratelli. Os pesquisadores provocaram reflexões sobre os impactos das mudanças climáticas para a saúde humana e dos ecossistemas. A abertura da JAD ENSP 2024 contou ainda com uma mesa institucional que destacou o protagonismo dos alunos na construção da Jornada.

Assista na íntegra no canal da Escola no Youtube.  

O coordenador do Cepedes/ENSP, Carlos Machado, iniciou sua fala destacando a importância de ver uma jornada organizada especialmente pelos alunos, lembrando que também é egresso da casa, e reforçando como a Escola foi importante para sua formação. “Entrei na ENSP em 1993 e estou aqui até hoje. A formação nesta Escola me permitiu ampliar a forma de olhar os problemas relacionados à saúde ambiental e entender também a importância de uma formação política baseada no compromisso com a saúde da população”, defendeu. 

O professor focou sua apresentação especialmente no âmbito dos eventos climáticos extremos, dos desastres e da Saúde Única, termo que, segundo ele, significa trabalhar de forma integrada os diversos temas que afetam as "nossas saúdes". Isso inclui a saúde humana e a saúde das múltiplas espécies da fauna e da flora, ou seja, a saúde do planeta como um todo.  

Carlos abordou alguns sinais e sintomas, destacando os desastres. “Alguns desastres sempre aconteceram, o que muda, na verdade, é a frequência e a gravidade daqueles relacionados a eventos climáticos extremos. Desta forma, esses desastres precisam ser interpretados não apenas como um evento em si, mas como parte de um processo muito maior”, explicou o pesquisador, que usou como referência os três grandes eventos que têm afetado o Brasil de Norte a Sul no último ano, sendo eles: a seca na Amazônia, as queimadas, que também atingem principalmente a Amazônia Legal, e as inundações no Rio Grande do Sul. 

“Vivemos um somatório. Ou seja, a confluência e a conjunção de uma sequência de eventos que tradicionalmente são tratados individualmente. Chamo a atenção, pois precisamos olhar esses eventos como parte de um processo muito maior. São apenas a ponta de um iceberg. O que nós estamos vendo é somente uma parte, mas há outra parte invisível que afeta todos os seres vivos que habitam o planeta de diferentes modos”, alertou Carlos.  

Para exemplificar a situação alarmante, o pesquisador citou que, até o século XIX, por exemplo, a taxa de extinção de espécie era em torno de uma espécie a cada mil anos. Atualmente, a taxa é extinção de espécie é de mil espécies a cada ano. “Isso é um desastre e a perda da biodiversidade tem consequências imensas sobre todas as formas de vida, inclusive a nossa”, lamentou. 

O professor afirmou ainda que um desastre não existe sem um evento disparador e que esse evento pode estar nos ciclos da natureza - hoje alterados pelo homem - ou em processos produtivos diretamente, como barragens de mineração ou indústrias químicas. “Se olhamos para um evento extremo, uma pandemia ou um desastre em barragem de mineração, um evento climático extremo, é sempre a atualização de um cenário de risco que estava colocado, nenhum desses eventos extremos é novo. Novos são os parâmetros, a extensão e a intensidade deles. Por isso, nada justifica que nós enquanto espécie, enquanto instituições, e como diferentes setores, não tomemos medidas anteriores para enfrentar esses eventos, para mitigar seus efeitos, ou mesmo para prevenir”. Carlos pontuou também que o impacto de todo evento extremo é acentuado pela situação de pobreza da população. 

Para o coordenador do Cepedes/ENSP, é necessário olhar para os desastres como um processo histórico e como uma sequência de eventos dentro do mesmo evento. Segundo ele, nesta perspectiva, o tempo não pode ser reduzido somente como um período no qual os eventos ocorrem, mas como uma unidade de análise em que os processos sociais, econômicos e políticos atuam para aumentar ou diminuir riscos. 

Machado descreveu as transformações ambientais no século XX, que prosseguem no século XXI, destacando, entre elas, o desflorestamento e a modificação de habitats naturais; a ampliação e intensificação das atividades agrícolas e pecuárias; a irrigação e construção de represas, alterando ciclos hidrológicos; a construção de estradas ampliando e intensificando a mobilidade e o acesso às diferentes áreas e regiões; as atividades de extração e mineração de recursos naturais renováveis e não renováveis; o crescimento das cidades e a concentração populacional nos centros urbanos; a produção de bens industriais e suas formas de apropriação de energia, matéria prima e produção de resíduos; além do crescimento do fluxo e conexão de pessoas, bens e serviços.  

O pesquisador reforçou que vem trabalhando muito com a ideia do Antropoceno, de acordo com a qual o atual período da história do planeta é o primeiro em que os humanos possuem uma força capaz de alterar as estruturas ecológicas.  

"Temos, atualmente, 60% dos serviços dos ecossistemas sendo degradados ou utilizados de modo insustentável, com custos difíceis de estimar, porém crescentes. Existem evidências de que estas alterações aumentam as chances de mudanças não-lineares nos ecossistemas, o que incluí a aceleração de mudanças abruptas e irreversíveis”, advertiu. Por fim, Carlos Machado afirmou que é um momento de muitos extremos e que o maior desafio da saúde coletiva é enfrentar os extremos no campo político, ambiental e econômico. 

Como as zoonoses são influenciadas pelas Mudanças Climáticas 

O coordenador do Programa de Desenvolvimento da Mata Atlântica da Fiocruz, Ricardo Moratelli, focou sua apresentação no tema das ‘Mudanças Climáticas e Uma só Saúde’, destacando como as mudanças climáticas são afetadas pelas doenças zoonóticas - aquelas transmitidas entre animais e pessoas. Ao contextualizar o cenário do planeta, o pesquisador citou as alterações ambientais em larga escala, mencionando a perda de centenas de vertebrados e invertebrados, além de faunas de diversas regiões compostas por espécies não nativas introduzidas passiva ou ativamente.  

Moratelli expôs que 80% dos surtos de doenças infecciosas estão associados à presença do ser humano em ambientes naturais: "60% são zoonoses – sendo 72% de origem silvestre -, 20% são doenças transmitidas por vetores e 20% são patógenos resistentes a medicamentos. As zoonoses representam uma ameaça a saúde global e a pandemia de Covid-19 colocou isso de forma muito clara para o mundo".  

Ao apresentar o panorama de surtos, epidemias e pandemias por vírus zoonóticos silvestres desde 1960 a 2023, o pesquisador destacou o o caso da Covid-19. No cenário atual, de acordo com ele, "é importante ressaltar que questões altamente relevantes para a manutenção da vida no planeta estão centradas na capacidade de entender e mitigar mudanças associadas à conversão de habitats, à introdução de espécies exóticas, à perda de biodiversidade, à emergência de patógenos, às mudanças climáticas, ao aumento da poluição, à insegurança alimentar, e à resistência antimicrobiana".  

No contexto dos eventos climáticos extremos, o coordenador ressaltou que os fenômenos e indicadores científicos apontam para o agravamento da crise. "Temos o aumento das temperaturas globais em 1,2°C, gerando eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas prolongadas, incêndios florestais, inundações e tempestades; e por fim; perda de biodiversidade devido às mudanças nos habitats”, alertou ele. 

Por fim, o biólogo destacou que a solução para a emergência de doenças requer abordagens multidisciplinares e integradas, reforçando que eventos zoonóticos são disparados por condições multifatoriais, que incluem interações entre reservatórios, fatores socioeconômicos, demografia e modificações antrópicas nos habitats. 

A mesa inaugural da JAD ENSP debateu ‘Mudanças Climáticas e Uma só Saúde’. A atividade contou com a participação de Carlos Machado e Ricardo Moratelli, sob a coordenação de Bruno Dias e Lillian Silva, membros da Comissão Organizadora da Jornada.

Política institucional, afetividade e construção coletiva: confira o que foi discutido na mesa de abertura

Ao abrir a mesa institucional que deu início oficial ao evento, o diretor da ENSP destacou que o tema da JAD, “Do SUS e para o SUS: desafios, limitações e potencialidades”, está alinhado às celebrações de 70 anos da Escola, realizadas na semana passada. “Esta Jornada é muito importante para aprofundar os temas e desafios atuais da saúde coletiva. Certamente, teremos outra semana muito rica de debates, cujas discussões poderão ser incorporadas no documento final relativo às atividades realizadas no âmbito do aniversário de 70 anos da ENSP”, salientou Marco Menezes.

Para o diretor, foi “importante e estratégica” a organização da Jornada Acadêmica na esteira do aniversário e também em meio ao processo eleitoral para a presidência da Fiocruz. “Valorizamos os processos democráticos não só no país, mas também na nossa instituição. Na Escola, os estudantes têm participação no Conselho Deliberativo, com direito a voz e voto”, lembrou o diretor. Ele ainda destacou que o atual contexto é propício para ampliar discussões sobre a Política de Apoio ao Estudante da Fiocruz que, segundo ele, deve ser aprofundada. “O que será discutido na Jornada certamente vai contribuir com esse processo”, disse Marco, que acrescentou ser preciso ainda mais debates sobre a participação ativa dos discentes na Fiocruz, inclusive na “perspectiva do voto estudantil”.

Já a vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano, fez um breve retrospecto dos últimos anos para contextualizar o momento no qual se realiza a Jornada. A pesquisadora relembrou os percalços e aprendizados durante a pandemia de Covid-19, com foco na preocupação com o esvaziamento da Escola e, por outro lado, o aprimoramento das ferramentas e estratégias de cursos a distância. Ao expor sua alegria com a realização do evento, Enirtes ressaltou a importância da proximidade entre os membros da comunidade acadêmica, dos relacionamentos e dos afetos que são construídos. “Nesses últimos três anos, estamos tentando criar o que torna uma escola viva, com a presença dos alunos em todos os ambientes, não só nas salas de aula. Parte do ambiente formativo tem a ver com se afetar, criar afetos. Relacionamentos são fundamentais”, disse. A vice-diretora também defendeu a Jornada que reúne os diferentes programas de pós-graduação da ENSP como um espaço para que os membros de cada um deles troquem e se conheçam, afinal, é preciso ter uma “perspectiva ampliada da ciência, pois uma ciência responsável se faz a muitas mãos”.

“A Jornada foi organizada com muito carinho, muito cuidado e foi pensada para unir todos os cursos de pós-graduação da ENSP”. Foi assim que a representante discente de PPG de Saúde Pública e Meio Ambiente, Lilian Silva, resumiu o trabalho de construção do evento. Ela agradeceu e reconheceu ao apoio de todos que colaboraram com a Jornada Acadêmica e lembrou que são 31 organizadores, divididos em quatro subcomissões: comunicação, operacional, cultural e científica. Ao sublinhar que há 27 atividades ao longo de três dias, a representante discente destacou que a programação foi votada pelos estudantes da ENSP. “Todos os alunos puderam opinar não só sobre quais palestras e quais mesas nós teríamos, mas também quais seriam os palestrantes convidados”. No total, são 200 participantes inscritos, com mais de 30 trabalhos submetidos e aprovados por um corpo avaliativo formado por 32 doutores e pós-docs egressos da Escola. 

Em seguida, Mariana Souza, Coordenadora Adjunta da Coordenação Geral de Educação (CGE) da Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, comentou sobre a representatividade de se formar na ENSP. Ela afirmou ser “significativo” o fato de, na semana seguinte ao aniversário de 70 anos da Escola, ser realizada a primeira Jornada Acadêmica. “Vocês são o nosso futuro”, disse. Mariana Souza mencionou a parceria entre a CGE e a Associação de Pós-Graduandos (APG) da Fiocruz, destacou a “força que os estudantes têm e como podem contribuir com a instituição”. Assim como o diretor Marco Menezes, ela reafirmou que, no atual momento político-institucional, é importante a participação dos estudantes. 

Ao encerrar a cerimônia solene de abertura da JAD, o representante do PPG em Saúde Pública da ENSP e da APG Fiocruz-RJ, Bruno Dias, falou sobre processos de transformação da pós-graduação no país, as características e marcas da saúde coletiva e a identidade da Escola relacionada a suas lideranças históricas, citando Sergio Arouca - que dá nome à instituição. “Enquanto alunos, carregamos esse DNA. Mas carregamos com outra perspectiva, com outras caras, outras cores, orientações e gêneros. E isso se afirma cada vez mais”, disse. Bruno elogiou o tema escolhido para o aniversário da ENSP, ‘Reparação histórica, desigualdades e a construção do comum’ e fez um paralelo com a JAD. “Essa jornada é um processo de construção do comum. Construção do comum entre nós estudantes, de sairmos de um processo apenas de vir para as aulas, ficarmos isolados em nossos programas ou em nossas turmas”, afirmou. 


Assista na íntegra no canal da ENSP no YouTube:





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