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Fiocruz apresenta propostas de pesquisa sobre dispositivos eletrônicos para fumar

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Publicado em:28/06/2024

Por Ricardo Valverde (CCS) | Fotos Gutemberg Brito (VPAAPS)

A Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz)  promoveu recentemente a Primeira Oficina de Trabalho sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs). O encontro reuniu pesquisadores de diversas unidades da Fundação, que apresentaram projetos de estudo e compartilharam conhecimentos no tema. O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, afirmou que a Fundação ocupa um papel muito importante na discussão dos DEFs, pois tem produzido documentos científicos e mobilizado a sociedade para este debate. “É nosso dever contribuir com subsídios junto à sociedade e aos tomadores de decisão. E, como maior instituição nacional de CT&I, temos a intenção de estimular pesquisas e projetos relevantes neste campo”.

O presidente se disse satisfeito em observar que o tema estimula pesquisadores e abre perspectivas e que é necessário produzir informações científicas ainda mais robustas. Ele pediu inovação nos projetos e sugeriu que o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) seja parte relevante deste processo, já que os jovens são uma parte significativa dos usuários de DEFs.

Moreira ressaltou que há evidências de que os níveis de nicotina encontrados em usuários do cigarro eletrônico equivalem ao consumo de 20 cigarros convencionais por dia, de acordo com uma análise do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas. E, acrescentou ele, “há outra preocupação: existem substâncias desconhecidas nos cigarros eletrônicos que podem ser tóxicas para os usuários”. Moreira também citou danos ao meio ambiente, que incluem aumento de material contendo substâncias potencialmente cancerígenas no ar, incêndios, explosões e resíduos ambientais, como os dispositivos descartados.

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Hermano Castro, coordenou e mediou a oficina. Ele afirmou que as seis propostas apresentadas serão sistematizadas e enviadas à Presidência da Fiocruz. “O assunto é grave e requer urgência. Vamos ter que avançar rapidamente, para organizar os projetos apresentados, analisar outros que venham a chegar e então buscar recursos que os viabilizem”. Castro convocou outras unidades da Fundação a sugerir propostas e assim ampliar ainda mais o escopo dos estudos sobre DEFs. O vice-presidente, que é médico pneumologista, destacou que “as centenas de substâncias inaladas presentes nos dispositivos eletrônicos causam impactos negativos ao organismo humano e ao meio ambiente. Estudos científicos e relatos indicam alterações pulmonares agudas e crônicas, além do potencial carcinógeno para diferentes órgãos”.

Estudo nacional

A primeira proposta apresentada pretende fazer um estudo nacional sobre cigarros eletrônicos entre jovens, estimando a prevalência e descrevendo o perfil de consumo, e ficou a cargo da pesquisadora Valeska Figueiredo, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp). Ela iniciou fazendo uma descrição do que são os chamados cigarros eletrônicos (e-cig) e os seus tipos. Valeska listou os danos à saúde do uso desses produtos. Segundo a pesquisadora, cigarros eletrônicos aumentam o uso de cigarros convencionais, especialmente entre jovens não fumantes, em quase três vezes. E, entre esse público, estudos verificam dependência da nicotina, problemas de saúde bucal, danos respiratórios, como exacerbação de asma, tosse e sibilância, e ainda prejuízos à saúde mental, como depressão e ideação suicida.

Ela também falou sobre o contexto dos DEFs no Brasil, os estudos do Cetab e a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em abril, que manteve a resolução de 2009 de proibição da venda, fabricação, importação, transporte, armazenamento, distribuição e propaganda de cigarros eletrônicos. Valeska abordou ainda a venda desses produtos em plataformas de delivery e nas redes sociais. “Apesar dos cigarros eletrônicos estarem proibidos no Brasil, segundo estimativa do IBGE, há mais de 1 milhão de usuários, entre pessoas com 15 anos ou mais. Existem muitas lacunas a serem preenchidas, a fim de fortalecer a atuação do governo brasileiro no cumprimento de medidas regulatórias”.

A proposta é que a pesquisa nacional tenha como público-alvo jovens de 18 a 35 anos residentes em áreas urbanas de cidades de mais de 100 mil habitantes no país e de 15 a 17 anos de áreas urbanas do Paraná e do Mato Grosso. Estas são as duas unidades da Federação com maiores prevalências do uso de cigarros eletrônicos, de acordo com a pesquisa Pense 2019. Haverá questionário individual e domiciliar com uma série de perguntas sobre os cigarros eletrônicos. O objetivo é que o trabalho de campo seja realizado pela Sociedade para o Desenvolvimento da Pesquisa Científica (Science), entidade sem fins lucrativos fundada em 1993 por membros do corpo docente da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence).

Valeska disse que os principais resultados esperados estão na compreensão e manejo dos riscos, na detecção precoce e no manejo de problemas respiratórios associados e na formulação de políticas públicas, com regulamentações mais efetivas (como no caso das mídias sociais), subsídios para campanhas de saúde pública, na revisão de diretrizes para tratamento do fumante na rede do SUS, na fiscalização e combate à venda ilegal e na produção de evidências científicas para projetos de lei e ações civis em defesa da saúde pública e da proteção de jovens contra os riscos do uso de e-cigs.

Regulamentação

A segunda apresentação foi do jornalista Luis Guilherme Hasselmann, do Cetab, que apresentou o projeto Fumaça Eletrônica: Desvendando as Estratégias da Indústria do Tabaco para Interferir nas Políticas Públicas de Controle. O objetivo, segundo Hasselmann, é investigar as estratégias utilizadas pela indústria do tabaco para interferir na regulamentação de DEFs. “Compreender as estratégias da indústria é crucial para fortalecer políticas públicas de controle do tabaco”, afirmou o jornalista. Segundo ele, os objetivos do estudo são analisar as táticas usadas pela indústria e grupos ligados a ela no uso das mídias sociais, analisar o lobby junto aos parlamentares, analisar o patrocínio de pesquisas científicas favoráveis aos DEFs e analisar a manipulação da opinião pública.

Entre os resultados esperados estão a produção de um relatório técnico, de vídeos para as redes sociais, de artigo científico, de programa para o Canal Saúde, a criação de um hotsite e a produção de lives com especialistas. “Por meio de uma abordagem multidisciplinar, estamos confiantes de que este projeto trará contribuições significativas para a área de saúde pública e fortalecerá as políticas de controle do tabaco”, observou Hasselmann.


Nicotina e sistema respiratório

A apresentação seguinte foi do chefe do Laboratório de Inflamação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Marco Aurélio Martins. Ele e sua equipe pretendem avaliar o efeito da nicotina na lesão pulmonar e exacerbação da DPOC e bronquiectasia em camundongos expostos à fumaça de cigarro eletrônico. Segundo o pesquisador, o desenvolvimento de um estudo pré-clínico trará dados científicos conclusivos e originais sobre o papel nocivo de altas concentrações de nicotina presentes nos cigarros eletrônicos, particularmente sobre o sistema respiratório pulmonar.

Martins afirmou que a nicotina, substância com efeito psicoativo e viciante, tem também diversas outras atividades farmacológicas nocivas quando inalada. A exposição a fluidos inalados de cigarros eletrônicos, contendo nicotina, desencadeia efeitos normalmente associados ao desenvolvimento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), incluindo, hiper-reatividade das vias aéreas e destruição do tecido pulmonar. “Além disso, o vapor de cigarro eletrônico contendo nicotina causa disfunção mucociliar nas vias aéreas preferencialmente via receptores TRPA1. Esses efeitos foram dependentes da nicotina tanto no pulmão de camundongos quanto nas células das vias aéreas humanas, sugerindo que a nicotina inalada contribui para doenças das vias aéreas pulmonares, além de suas propriedades viciantes”. 

Apesar do acúmulo de dados sobre as características clínicas e de imagem da lesão pulmonar associada ao uso do cigarro eletrônico, sua fisiopatologia permanece pouco compreendida, particularmente no que concerne ao papel imunofarmacológico da nicotina em condições de exacerbação. “A bronquiectasia é diferente da DPOC, mas frequentemente coexiste com ela, o que dificulta o controle terapêutico, favorece as exacerbações e piora a qualidade de vida do paciente com DPOC, com aumento da morbidade e mortalidade. Vamos utilizar a microtomografia computadorizada, além de outros recursos já estabelecidos em nosso laboratório, incluindo sistema de pletismografia barométrica de corpo inteiro e análise histopatológica e farmacocinética pré-clínica, para desenvolver a pesquisa”.

Políticas de prevenção

A pesquisadora Sydia Rosana de Aarújo Oliveira, da Fiocruz Pernambuco, interveio em seguida. Ela apresentou a proposta de uma pesquisa sobre os impactos das políticas e programas de prevenção e controle de DEFs na saúde pública. Sydia disse que existe uma crescente preocupação com os impactos dos dispositivos, em especial diante do aumento do uso por jovens. “Queremos avaliar a contribuição das políticas públicas na redução do uso entre diferentes grupos etários, investigar como essas políticas impactam a percepção pública sobre os riscos do uso dos DEFs, identificar os principais desafios e ainda descobrir oportunidades de aprimoramento de políticas públicas”.

Segundo ela, os dados serão elaborados por meio de métodos mistos. “Dados quantitativos serão coletados por questionários estruturados, enquanto dados qualitativos serão reunidos em entrevistas e grupos focais”. As entrevistas serão feitas com gestores públicos da saúde e representantes de ONGs, visando obter informações qualitativas sobre os resultados das políticas públicas. A proposta também pretende fazer uma revisão sistemática da literatura científica sobre programas de prevenção e controle de DEFs.

Cadeia produtiva

Depois houve duas propostas do Cetab que foram apresentadas pela pesquisadora Milena Maciel de Carvalho. A primeira para avaliar a percepção dos trabalhadores da cadeia produtiva do fumo sobre os impactos dos DEFs na saúde, no ambiente e nos meios de vida. Os objetivos são identificar as crenças e conhecimentos que os participantes do estudo têm sobre os dispositivos e sobre a manutenção de sua proibição sobre seus meios de vida; identificar as fontes de informação dos participantes do estudo a respeito dos DEFs; e analisar os fatores que influenciam a percepção desses trabalhadores.

“Os trabalhadores da cadeia produtiva considerados neste projeto são os agricultores e os orientadores. Como forma de conhecer quais as percepções dos trabalhadores sobre a relação já mencionada, optamos pela realização de grupos focais com pessoas das famílias produtoras e entrevistas semiestruturadas com orientadores das indústrias e lideranças de representações dos trabalhadores”, destacou Milena.

Segundo ela, além da análise documental as redes sociais também são importantes para a coleta de dados, já que esses espaços virtuais têm congregado discussões e contribuído para a disseminação de narrativas de grupos ligados à indústria do tabaco, trabalhadores ligados à cadeia de produção do tabaco e grupos em defesa e contra a manutenção da proibição dos DEFs. “Compreender quais os argumentos que sustentam essas narrativas e posições acerca dos dispositivos, sua relação com a cadeia de produção do tabaco e o lugar desses trabalhadores nesse contexto, é uma forma de responder às questões que amparam o estudo e confirmar ou refutar a hipótese levantada”, comenta Milena.

Os participantes da pesquisa serão selecionados entre agricultores que produzam tabaco e orientadores da indústria que atuem desde 2018 ou antes, em três municípios de cada um dos estados do Sul, além de dois municípios de Alagoas e dois da Bahia. Serão considerados, para a seleção dos municípios, os maiores produtores de fumo em folha segundo dados do IBGE, aqueles que contam com a atuação de Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e nos quais seja possível identificar movimentos sociais representantes dos trabalhadores, sem envolvimento com a indústria do tabaco.

Impactos ambientais

A outra proposta do Cetab prevê estimar os impactos ambientais do uso de DEFs no país. Segundo Milena, os objetivos são identificar substâncias químicas presentes nos DEFs, identificar a toxicidade das substâncias ou grupos de substâncias químicas dos cigarros eletrônicos e avaliar a quantidade de resíduos gerados anualmente pelo consumo dos dispositivos. Entre os resultados esperados, Milena lista a produção de um inventário das principais substâncias presentes nos DEFs, seus impactos ambientais e riscos à saúde e ter uma estimativa do volume de resíduos gerados pelo consumo dos dispositivos. “Com isso, pretendemos fortalecer a resolução da Anvisa, contribuir para o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) e auxiliar na implentação do Tratado Global contra a Poluição Plástica no Brasil”.

Riscos do consumo 

O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, elogiou a qualidade das propostas apresentadas e reforçou que os jovens são o público mais suscetível a este tipo de dispositivo. Segundo ele, o Instituto Nacional de Câncer  José de Alencar (Inca) alertou que o cigarro eletrônico serve como uma porta de entrada para o cigarro convencional. “Um estudo realizado em 2021 pelo Instituto apontou que o uso de cigarro eletrônico aumenta em mais de quatro vezes o risco de adicção por cigarro”, frisou Moreira. “É hora de resistir à forte pressão da indústria tabagista. Há dados científicos suficientes que sustentam a manutenção da proibição. Supostos benefícios econômicos não podem se sobrepor às evidências científicas sobre os danos que esses dispositivos trazem à saúde de nossa população, especialmente dos nossos jovens”.

Moreira afirmou que “o tabagismo é uma doença considerada a maior causa evitável isolada de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo. E o tratamento das doenças tabaco-associadas custa aos cofres públicos R$ 125 bilhões por ano”. Segundo ele, “não há no mundo evidências científicas suficientes que apontem que o cigarro eletrônico reduz danos. Ao contrário, o que é conhecido é que estes dispositivos trazem vários problemas à saúde que vão desde a geração de dependência a doenças respiratórias, envenenamento e queimaduras causadas por explosões”.


Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

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