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Luiz Antônio Simas combate 'romantização do precário' em aula inaugural do Mestrado Profissional em APS da ENSP

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Publicado em:08/05/2024

Por Bruna Abinara* 

As interseções entre a sociabilidade das ruas e o sistema de saúde foram tema da aula inaugural do Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde da ENSP/Fiocruz, ministrada pelo professor, historiador, escritor e compositor Luiz Antônio Simas, na última quinta-feira (2/5). A palestra abordouAs sociabilidades das ruas, dos morros e do ser carioca: O que a história e o cuidado e saúde nos constroem para um olhar multicultural. A atividade também contou com a professora do Mestrado Profissional da ENSP/Fiocruz, Adriana Castro, como debatedora; e com uma das coordenadoras do curso, Adriana Coser, como moderadora.   

O evento começou com um momento institucional de abertura da 7ª turma do Mestrado Profissional em APS, com a participação da vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano, do Subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Renato Cony, e de uma das coordenadoras do Mestrado Profissional, a pesquisadora Elyne Engstrom. Eles deram as boas-vindas aos alunos e explicaram sobre o curso. Segundo Adriana Coser, a aula inaugural é um momento de celebração das conquistas e de firmar o compromisso de contribuir com a sociedade.   

Na abertura da mesa, o professor Simas, que é mestre em História, recuperou as origens do Rio de Janeiro para analisar a sociedade e os espaços atuais. Ao investigar a maneira como a cidade se formou, o palestrante convidado desvendou a vivência do povo carioca. Segundo o historiador, o Rio de Janeiro foi um laboratório de experiências civilizatórias do Brasil, no período após a abolição da escravatura, em 1888, e a Proclamação da República, em 1889.   

O professor explicou que os intelectuais da época se dedicavam, em suas diversas áreas, a estudar o que era o Brasil e o que ele devia ou não se tornar. Simas ressaltou que aquela geração de pensadores defendeu um projeto social brasileiro baseado no embranquecimento racial, fundamentado pelo branqueamento da raça e pelo apagamento da cultura não-branca. Como consequência, a elite intelectual incentivou a vinda de imigrantes europeus e promoveu ações como a Lei de Vadiagem, que criminalizou manifestações culturais afro-cariocas.  

"O Brasil é um país excludente porque o projeto de Estado foi excluir. A exclusão social no Brasil não foi resultado de políticas públicas que deram errado, mas de políticas públicas que deram certo. Nós precisamos encarar essa realidade de frente", afirmou Simas. Assim, o palestrante defendeu que a marca mais profunda da formação do Rio de Janeiro foi a violência sistemática contra as populações não-brancas da cidade. Dessa forma, as pessoas à margem da sociedade precisaram criar meios próprios de sociabilidade nas ruas.   

Simas caracterizou o Rio de Janeiro como uma cidade diaspórica, ou seja, onde se acumulam diferentes coletividades levadas a se deslocar de forma forçada. Segundo o historiador, a construção de uma cultura diaspórica é sempre coletiva, possível apenas através de uma rede social de proteção. "Na cidade do Rio de Janeiro, as escolas de samba, as maltas de capoeira, os terreiros, os blocos de carnaval, as turmas de bate-bola, tudo isso representa a reconstrução de uma ideia de mundo como coletividade, a reconstrução de uma ideia de sociabilidade diante de um projeto de aniquilação", disse. Assim, segundo ele, a experiência de rua se consolida como a possibilidade de exercer o direito a uma cidade e uma cidadania interditados. 

Para o professor, o Rio de Janeiro passa muito longe do imaginário forjado nos cartões postais, sendo uma cidade que ganha sentido de vida pela ação das pessoas "nas brechas dos muros de horror e exclusão". Simas ressaltou que cada localidade dos subúrbios cariocas tem suas particularidades nas relações de pertencimento à comunidade, à cidade e ao mundo. Ele destacou ainda que o importante é se despir dos preconceitos para poder vislumbrar cada cultura popular. Porém, o historiador reforçou que não se deve romantizar o precário, mas combatê-lo e superá-lo por meio de políticas públicas efetivas. Simas conclui sua fala ao afirmar que “a história do Rio não me deixa otimista, mas eu sou impressionado pela construção de sentidos de vida em um lugar que foi projetado a partir da ideia da exclusão e da morte. Essa é uma cidade de afirmação da vida".  

Em seguida, a professora do Mestrado Profissional da ENSP Adriana Castro falou sobre a importância de mudar o foco dos profissionais da saúde de uma abordagem única a partir do diagnóstico, da doença e do precário. Para Castro, há um problema na insistência em apenas prescrever tratamentos. "Tem uma provocação importante quando a gente vai trabalhar na Atenção Primária nos territórios: o tratamento é construído por nós para a vida de outrem ou o tratamento é uma possibilidade de resposta, não a única, para uma construção de cuidado e de saúde com as outras pessoas?", indagou 

Segundo a professora, é importante pensar o porquê de saberes populares serem excluídos do campo médico. Ela criticou a falta de escuta de modelos administrativos que defendem gestão participativa, mas excluem o espaço público. Castro, então, propôs uma discussão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) para transformar as unidades básicas e suas equipes ao adotar um modelo de escuta ativa e de troca de experiências. "As pessoas não fazem festa e carnaval porque a precariedade acabou, mas porque é preciso descobrir potência de vida, articulando sociabilidades e jeitos de viver que façam sobreviver. Muitas vezes não estamos disponíveis para ouvir as soluções que as pessoas produzem nos territórios", afirmou a professora.   

Em cenários cada vez mais complexos, Castro refletiu sobre a disponibilidade para disputar as necessidades do SUS, considerando contratos de trabalho, unidades de atendimento, pressões políticas e econômicas. Ela reforçou que o Mestrado Profissional e a educação devem ser espaços de produção de ferramentas que façam uso das sociabilidades das ruas para transformar o sistema de saúde.   

Confira a aula no canal de Youtube da ENSP:


*estagiária sob supervisão da jornalista Bárbara Souza


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