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Desigualdade de gênero: especialistas alertam para baixa representação de mulheres na ciência

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Publicado em:15/02/2024
Por Bruna Abinara Fonseca e Danielle Monteiro

As mulheres têm baixa representação em posições de destaque e liderança, principalmente na ciência. Para reverter esse quadro, são necessárias políticas públicas com uma abordagem interseccional voltadas à população feminina. Essa é a conclusão de especialistas em equidade de gênero, que participaram do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcelos (Ceensp), realizado nesta quarta-feira (7/02) com o tema Mais Meninas e Mulheres nas Ciências: subsídios para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O objetivo foi debater os obstáculos e as necessidades no avanço para a implantação de políticas e ações direcionadas à promoção da equidade de gênero nas ciências em suas múltiplas conexões e expressões, integradas a outras formas de exclusão e opressão, como classe, raça e etnia, e acessibilidade.

A vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias, iniciou o encontro destacando que o tema é estratégico para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI). O evento será realizada em junho, com o intuito de elaborar a nova estratégia nacional nessas três áreas para os próximos 20 anos. “Uma ciência inclusiva e plural é fundamental para criarmos condições para mudanças estruturais em nossa sociedade, assim como um ambiente propício à geração de novas ideias para a produção de tecnologias responsáveis e comprometidas com o desenvolvimento e a justiça social”, afirmou. 

Luciana lembrou que o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, integra o calendário de eventos da Fiocruz desde 2019, o que reafirma o compromisso da instituição com uma ciência plural e inclusiva, apesar dos muitos avanços ainda necessários. “O Programa Fiocruz Mulheres e Meninas na Ciência visa contribuir, de forma coerente, com a Política de Equidade Étnico-Racial e de Gênero e com a Política para Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência da instituição”, disse. Ela salientou, ainda, a contribuição da ENSP no desenvolvimento de atividades ancoradas nos três eixos do Programa Fiocruz Mulheres e Meninas na Ciência, elaboradas pelo Grupo de Trabalho Mais Meninas e Mulheres na ENSP. Uma das ações voltadas ao programa foi uma oficina, realizada em 2022, que “contou com uma participação significativa de pesquisadoras, estudantes e parceiras de movimentos sociais”, segundo Luciana. A oficina resultou em uma carta de recomendação, com 18 eixos principais que servem como guia para diversas ações que vêm sendo implementadas na instituição. 

Em seguida, a integrante da Comissão Permanente de Equidade de Gênero da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Comissão Permanente de Equidade, Diversidade e Inclusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a professora Leticia Oliveira, alertou para a baixa representação feminina em posições de destaque e liderança, assim como nas áreas exatas e tecnológicas. “Isso importa, pois essas áreas são as que, geralmente, envolvem melhor remuneração e uma série de questões estratégicas. Por exemplo, a área de Inteligência Artificial é estratégica para o desenvolvimento humano e tem baixíssimo percentual de mulheres”, observou.

Em sua apresentação, Leticia mostrou diversos estudos que apontam para uma significativa desigualdade de gênero na ciência. Um deles, intitulado Gênero e o Efeito Tesoura na ciência brasileira: da igualdade à invisibilidade, revelou que, apesar de existir uma taxa maior de mulheres na graduação e na pós-graduação, esse percentual cai, consideravelmente, conforme a evolução de carreira. “Isso acontece por três motivos: estereótipo de gênero, assédio sexual nos ambientes acadêmicos e divisão do trabalho, incluindo a maternidade. Às mulheres, em geral, são atribuídas as tarefas domésticas e de cuidado: mais de 50% das cientistas dizem que são as principais cuidadoras de seus filhos”, explicou.

Leticia defendeu que as políticas públicas voltadas às mulheres devem ter uma abordagem interseccional, incluindo as diversas ‘mulheridades’ e diferenças femininas, como mães, pessoas com deficiência, indígenas e mulheres trans. Conforme apresentado pela professora, um levantamento feito pelo movimento Parent in Science mostra uma significativa desigualdade de gênero na obtenção de bolsas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ao longo das últimas duas décadas, sem sinal de avanços. Em 2022, 64% das bolsas foram obtidas por homens, enquanto 34% foram concedidas a mulheres. Entre elas, apenas 0,8% eram negras.

Após apresentar uma série de estudos que apontam para os estereótipos de gênero, principalmente na ciência, Letícia discorreu sobre as propostas de políticas de apoio voltadas às mulheres na ciência desenvolvidas pela Faperj. Entre elas, a professora citou o lançamento do primeiro edital exclusivo a jovens cientistas mulheres, a previsão inédita de recursos para a contratação de recreação infantil em eventos científicos, o acréscimo de um ano na produtividade por filho para pesquisadoras que se tornaram mães no período de avaliação, entre outros. Outra ação encabeçada pela Faperj foi o relançamento, em 2021, do edital Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação, direcionado a estudantes de escolas públicas. Conforme relatado por Leticia, a iniciativa já tem surtido efeitos positivos, entre eles, a maior procura pelo ENEM em toda escola, o fomento à criação e manutenção dos Clubes de Ciência, aprovação em universidades públicas, atração pelas áreas exatas e tecnológicas, entre outros. 

Desafios para a equidade de gênero

A partir de uma perspectiva interseccional, a professora de Medicina e doutoranda em Saúde Coletiva Maria Edna Bezerra da Silva questionou obstáculos e ausências relacionados à equidade de gênero. Para ela, a escassez de mulheres em determinados espaços se deve a pressões sociais sobre a função feminina na sociedade. Se a luta por um espaço no meio científico já é grande, ela se torna ainda maior para negras e mulheres com deficiência. Segundo a professora, pretas e pardas compõem apenas 3% dos docentes de pós-graduação no Brasil e apenas 7% das bolsas de produtividade do CNPq são destinadas a elas. Quanto às PCDs, há poucos dados sobre sua participação na carreira acadêmica.   
 
Segundo Maria Edna, a sub-representação feminina nos espaços de poder é "o reflexo de uma sociedade machista que cria estereótipos do papel da mulher como cuidadora, que elabora e consolida assimetrias na divisão de responsabilidades na família." A professora destacou que as mulheres são maioria nos cursos de graduação, mas, sua presença tende a diminuir conforme a carreira avança: um fenômeno conhecido como "Labirinto de vidro". Dentre as causas que ela aponta para essa crescente exclusão, está a maternidade compulsória, já que a maioria das mulheres assume grande parte ou, totalmente, a criação dos filhos.  
 
"A ciência tem que produzir com responsabilidade social e comprometida com a realidade do povo brasileiro", defendeu Maria Edna. Por isso, segundo a professora, é necessário reconhecer e debater o problema para agir na mudança da realidade. Ela acredita que as ações para reverter esse quadro pressupõem a educação e a socialização igualitária de meninas e meninos, assim como a criação de políticas públicas e institucionais reparadoras, como creches em locais de trabalho, salas de amamentação e ampliação da licença-maternidade e licença-paternidade, a fim de romper os preconceitos e incentivar a participação das mulheres na ciência.  
 
Em seguida, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado, apresentou um panorama sobre mulheres cientistas e as ações da instituição que promovem a maior participação feminina em todos os setores. Segundo ela, é importante estar atento à forma como as desigualdades sociais impactam o acesso e as condições de saúde da população. Estudos demonstram que temas femininos são menos estudados e recebem menos investimentos, o que resulta na perpetuação de problemas evitáveis. Para Cristiani, uma consequência desse cenário é o aumento de 15% na taxa de mortalidade materna entre 2016 e 2020.  
 
A vice-presidente destacou que 90% dos enfermeiros são mulheres e 70% da força de trabalho na área da saúde é feminina, porém, essa porcentagem cai para, aproximadamente, 25% nos cargos de liderança na saúde. Essa ausência influencia nas prioridades adotadas e políticas públicas definidas, de forma desfavorável para as mulheres.  

Para ajudar a mudar esse cenário, a Fiocruz estabeleceu o Programa Mulheres e Meninas na Ciência em 2019. Através dele, desenvolve dossiês temáticos, editais com condições dedicadas à maternidade, produções acadêmicas e audiovisuais para estudar e visibilizar trajetórias femininas nas áreas científicas, além de promover ações para o público infanto-juvenil de forma a encorajar meninas a seguir a carreira científica. "É importante dar visibilidade e apoio a mulheres que trabalham no setor da saúde e na ciência, assim como são necessários mais investimentos nas pesquisas sobre condições variadas que afetam exclusivamente ou, desproporcionalmente, as mulheres", concluiu Cristiani.  


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